MOTE
Amei a ingrata mais bela,
Que o mundo todo em si tem;
Eu morri sempre por ela,
Ela nunca me quis bem.


GLOSA


I

Quando eu era mais rapaz,
Que jogava o meu pião,
Andava o Centurião
Dando a todos sotas e ás.
Nesse tempo aos Sabiás
Armava a minha esparrela;
Comia caldo em panela
Por ter os pratos quebrados;
E até por mal de pecados,
Amei a ingrata mais bela.

II

Depois de mais alguns meses
Já por baixo da sobcapa,
Pelas calçadas da Lapa
Pernoitava muitas vezes.
Não bastaram os arneses,
Que herdei de Matusalém;
Só sei que querendo bem
Me achei como Antão no ermo,
E o mais galante estafermo,
Que o mundo todo em si tem.

III

Com os anos, com a idade,
Na festa e s seu oitavário,
Só em passo imaginário,
Andava pela Cidade.
Se é mentira, ou se é verdade,
Diga-o a minha mazela,
Que não sendo bagatela
Bem mostra de cabo a rabo,
Que por artes do diabo
Eu morri sempre por ela.

IV

Depois de velho caduco,
Já cheio de barbas brancas,
Eu bispei-a dando às trancas
Nos sertões de Pernambuco.
Ali trabalho e trabuco
Por lhe abrandar o desdém;
Mas o mau modo, que tem,
Procedido da vil prole,
Faz crer que nem a pão mole
Ela nunca me quis bem.