MOTE
Amor, busca a tua vida,
Que me resolvo a deixar-te;
Se até agora te sofri,
Não posso mais aturar-te.
- GLOSA
- I
Vai inspirar teu orgulho,
Ó tu rapaz malfazejo,
A quem arde no desejo
De seguir a teu barulho.
Longe de ti o engulho
De trazer-me de corrida:
E se alguma amante lida
Acaso fazer-me intentas,
Antes que eu te chegue às ventas,
Amor busca a tua vida.
- II
Das tuas setas pontudas
Meu peito não participa,
Pois que desse arco de pipa
Se despedem já rombudas.
Té não temos as mais agudas
Que teu pai costuma dar-te:
Bate as asas por descarte,
Tira a venda, dá um ai,
Vai queixar-te à tua Mãe,
Que eu me resolvo a deixar-te.
- III
Inda que vás aos Ciclopes
Pedir temperados ferros,
Te hei de largar quatro perros,
Que fugirás aos galopes.
Inda que o cendal ensopes
Com pranto de frenesi,
Zombarei sempre de ti,
Pois não posso sem atalho
Aturar-te tão bandalho,
Se até agora te sofri
- IV
Esse espírito guerreiro
Oculta por desafogo,
Que não deves ter tal fogo,
Sendo filho de ferreiro.
Outra vez alcoviteiro
Vai a ser do fero Marte;
Que eu posto agora de parte
Pertendo dar de ti cabo:
Não és amor, és diabo,
Não posso mais aturar-te.