(NO ALBUM DE UMA SENHORA)
...........o sangue é vida,
e as Mães a fonte d'ella...
João de Deus
Ainda a trabalhar, dedos formosos!
Nem tanto affinco: Deus tambem não quer
Que se cumpra o preceito tanto á letra;
Preceito é trabalhar, não que se estraguem
Esses formosos dedos de mulher.
Já o sol se escondeu atraz da serra,
E o bordado não céssas de bordar;
Quando abri de manhã esta janella,
Já lá estavas no posto, de olhos roxos,
Como se foram roxos de chorar!
Forte trabalho! não me enganas, bella!
Bem sei eu quem te dá tamanho ardor...
Pois nem um olhar a quem passou na rua,
Dizendo: — É bella! e olhando-te? nem isso?...
Ai tanto trabalhar! só por amor...
Que importa o que passou? no peito um nome
Te domina, e na mente uma imagem só...
Feliz cabeça, que hade ornar em breve
O bordado gentil em que trabalhas
Com esse affinco, que causou meu dó.
Feliz! sim; que lhe guarda aquelle peito
Largo e rico thesouro de affeição;
Pois magoar estes olhos, e estes dedos
Formosos estragar — homem ditoso —
Só faz o amor que vem do coração!...
Tu, que talvez repouzes no ocio brando,
(Se não corres talvez de flôr em flôr)
Vê tu que sacrificios immerecidos!...
Mas um menino cego é quem nos vence,
Que a isto e a mais obriga o louco amor!
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Mas, não! Quem lá no fundo, meio occulto
Entrevejo na sombra, como quem
Teme do dia a luz — luz orgulhosa,
Luz que ao feliz afaga, ao triste afflige —
Quem triste e só, se occulta mais além?
Quem, se o dia findou, recebe o beijo
E outro recebe logo que é manhã?
Quem — emquanto a alampada nocturna
Alumia a vigilia — sente em sonhos
Uma lagrima de amor molhar-lhe as cans?
Perdão, mulher! e mais que mulher, filha,
Perdão! louco julguei e impio tambem,
Que tinhas outro amor: como se possa
Ter uma filha amor ou pensamento
Que todo não pertença a sua mãe!
Feliz, quem — pobre — tem um tal arrimo;
Quem — cega — pode vêr uma tal luz:
Quem — cega e pobre e triste e desprezada —
Tem uma mão de filha que piedosa
Té aos degráos do tumulo a conduz!...
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É nobre o teu trabalho, mulher bella —
Bella d'aquella luz que vem dos céos,
A quem nas áras da fiel piedade
Sacrifica illusões da mocidade
E segue o seu caminho crente em Deus!
Nem mais um riso, amigos! Respeitemos
O que ella faz ali com tanto ardor;
Não são enfeites vãos, do prazer socios,
É o pão de uma mãe que ali grangêa,
Trabalha por amor... mas outro amor.
Trabalha e enchuga o pranto á velha enferma:
Trabalha noite e dia; é Deus que o quer:
Que importa á filha, quando a mãe lhe soffre,
Que o sol nasça ou decline, ou que se estraguem
Os seus formosos dedos de mulher?
Coimbra, 1862.