Era um dia um rapaz de vinte e cinco anos, bonito e celibatário, não rico, mas vantajosamente empregado. Não tinha ambições, ou antes tinha uma ambição só; era amar loucamente uma mulher e casar sensatamente com ela. Até então não se apaixonara por nenhuma. Estreara algumas afeições que não passaram de namoricos modestos e prosaicos. O que ele sonhava era outra coisa.

A viveza da imaginação e a leitura de certos livros lhe desenvolveram o germe que a natureza lhe pusera no coração. Alfredo Tavares (é o nome do rapaz) povoara o seu espírito de Virgínias, e aspirava noite e dia viver um romance como só ele o podia imaginar. Em amor a prosa da vida metia-lhe nojo, e ninguém dirá certamente que ela seja uma coisa inteiramente agradável; mas a poesia é rara e passageira — a poesia como a queria Alfredo Tavares, e não viver a prosa, na esperança de uma poesia incerta, era arriscar-se a não viver absolutamente.

Este raciocínio não o fazia Alfredo. É até duvidoso que ele raciocinasse alguma vez. Alfredo devaneava e nada mais. Com a sua imaginação, vivia às vezes séculos, sobretudo de noite à mesa do chá, que ele ia tomar no Carceller. Os castelos que ele fabricava entre duas torradas eram obras-primas de fantasia. Seus sonhos oscilavam entre o alaúde do trovador e a gôndola veneziana, entre uma castelã da idade média e uma fidalga da idade dos doges.

Não era isto só; era mais e menos.

Alfredo não exigia especialmente um sangue real; muita vez ia além da castelã, muita vez vinha aquém da filha dos doges, sonhava com Ruth ao mesmo tempo. O que ele pedia era o poético, o delicioso, o vago; uma mulher bela e vaporosa, delgada se fosse possível, em todo o caso vaso de quimeras, com quem iria suspirar uma vida mais do céu que da terra, à beira de um lago ou entre duas colinas eternamente verdes. A vida para ele devia ser a cristalização de um sonho. Essa era nem mais nem menos a sua ambição e o seu desespero.

Alfredo Tavares adorava as mulheres bonitas. Um leitor menos sagaz achará nisto uma vulgaridade. Não é; admirá-las, amá-las, que é a regra comum; Alfredo adorava-as literalmente. Não caía de joelhos porque a razão lhe dizia que seria ridículo; mas se o corpo ficava de pé, o coração ajoelhava. Elas passavam e ele ficava mais triste que dantes, até que a imaginação o levasse outra vez nas asas, além e acima dos paralelepípedos e do Carceller.

Mas se a sua ambição era amar uma mulher, por que razão não amara uma de tantas que adorava assim de passagem? Leitor, nenhuma delas lhe tocara o verdadeiro ponto do coração. Sua admiração era de artista; a bala que o devia matar, ou não estava fundida, ou não fora disparada. Não seria porém difícil que uma das que ele simplesmente admirava, lograsse dominar-lhe o coração; bastava-lhe um quebrar de olhos, um sorriso, um gesto qualquer. A imaginação dele faria o resto.

Do que vai dito até aqui não se conclua rigorosamente que Alfredo fosse apenas um habitante dos vastos intermúndios de * comia, passeava, londreava, e até (ó desilusão última!), e até engordava. Alfredo era refeito e corado devendo ser pálido e magro, como convinha a um sonhador da sua espécie. Vestia com apuro, regateava as suas contas, não era raro cear nas noites em que ia ao teatro, tudo isto sem prejuízo dos seus sentimentos poéticos. Feliz não era, mas também não torcia o nariz às necessidades vulgares da vida. Casava o devaneio com a prosa.

Tal era Alfredo Tavares.

Agora que o leitor o conhece, vou contar o que lhe aconteceu, por onde verá o leitor como os acontecimentos humanos dependem de circunstâncias fortuitas e indiferentes. Chame a isto acaso ou providência; nem por isso a coisa deixa de existir.