Passae larvas gentis na rua da cidade
Aonde se atropella a turba folgazã;
A noite é um tanto agreste e cheia d'humidade
Mas o tedio mortal precisa a claridade
Que em vosso olhar trazeis, vizões do macadam!
Estatuas sem calor! vós sois das grandes vazas
D'um corrompido mar as Deusas menos vis!
Se á noite abandonaes, voando, as pobres casas,
E vindes pela rua enlamear as azas,
Quem sabe a fome occulta, as sedes que sentis!
A pallida Miseria em seu triste cortejo
Precisa as contracções de muitos hombros nús:
E vós ides sorrindo ao lubrico desejo,
Do carro da desgraça arremessando um beijo
Que apenas é de lama em vez de ser de luz!
Embora! caminhae deixando um grande rasto
D'estranhas emoções, d'aromas sensuaes:
E ao pobre que mendiga a pallidez d'um astro;
Ao que sonha vizões e archanjos d'alabastro
Fazei por despenhar nos longos tremedaes!
Do velho idyllio, a muza, ha muito já que dorme,
E o arroio em vão suspira e chora a nossos pés!
A grande multidão,—a vaga, a onda enorme,
Que oscilla sem cessar, e gira multiforme
Ás corridas, ao circo, ao templo e aos cafés,
Talvez ao presentir que tudo, emfim, declina,
Adore a immensa luz, em vós, constellações,
Que não baixaes do céo; que vindes d'uma esquina,
Vagando no rumor da aérea musselina,
Em plena bacchanal fingindo de vizões?
Oh, sois do nosso tempo! A languida existencia
De tedios se consome e sente febres más!
Aspira ao que é bizarro: a uma exquisita essencia
Que exhala aquella flôr que vem na decadencia
E quando a toda a luz succede a luz do gaz!
Do seculo a voz rude apenas diz—trabalha!—
Ao poste vil amarra o lubrico ideal
Que expira, emfim, talhando a funebre mortalha
Na vossa trança gasta, ó muzas da canalha
Que apenas revoaes do olimpo ao hospital!