Rio, 10 de junho

Falemos de política.

É um tema muito delicado, sobretudo na época atual.

Mas o que é política?

Se a etimologia não mente, é a ciência do governo da cidade.

Pode ser que esta definição não lhes agrade; mas isto pouco me embaraça. Estou expondo um novo sistema social; é natural que me aparte das opiniões geralmente admitidas.

Continuemos.

A política é o governo da cidade. A cidade se compõe de freguesias, de ruas, de casa, de famílias e de indivíduos, assim como a nação de províncias e municípios.

Já se vê, pois, que a política deve ser também a ciência de bem governar a casa ou a família, e de promover os interesses dos indivíduos.

Isto é lógico, e ninguém me poderá negar que, promovendo-se estes interesses, não se concorra poderosamente para o melhoramento da freguesia, da província e finalmente do país.

Daqui resultam, portanto, dois grandes sistemas políticos, dois princípios únicos da ciência do governo.

Um que procede à guisa da análise, que parte do particular para o geral, que promove os interesses públicos por meio dos interesses individuais.

O outro é uma espécie de síntese, desce do geral ao particular, e, melhorando o país, assegura o bem-estar dos indivíduos.

Este método, tanto em política, como em lógica, tem geralmente pouca aceitação: do contrário os espíritos esclarecidos preferem a análise.

Quereis saber como se faz a análise em política?

Em vez de examinarem-se as necessidades do país, examinam-se as necessidades deste ou daquele indivíduo, nomeiam-no para um bom emprego criado sem utilidade pública, e o país se incumbe de alimenta-lo por uma boa porção de anos.

Lá chega um dia em que se precisa de um ministro, e lança-se mão daquele indivíduo como de um homem predestinado, o único que pode salvar o país.

Eis, portanto, os favores feitos àquele indivíduo dando em resultado um benefício real à causa pública; eis a política por meio do empenho - quero dizer da análise, - criando futuros ministros, futuros presidentes, futuros deputados e senadores.

Alguns espíritos frívolos, que não têm estudado profundamente este sistema político, chamam a isto patronato !

Ignorantes, que não sabem que cálculo profundo, que sagacidade administrativa é necessária para criar-se um homem que sirva nas ocasiões difíceis!

Estes censuram o deputado que, em vez de se ocupar dos objetos públicos, trata dos seus negócios particulares; falam daqueles que sacrificam os interesses de sua província às exigências de sua candidatura de senador.

E não compreendem que estes hábeis políticos, promovendo os interesses de sua pessoa, de sua casa e de sua família, não tem em vista senão auxiliar o melhoramento do país, partindo do menor para o maior.

De fato, algum dia eles pagarão à nação tudo quanto dela receberam, em projeto de reformas, em avisos, em discursos magníficos. Isto enquanto não vão à Europa passear e fazer conhecida do mundo civilizado a ilustração dos estadistas brasileiros.

E há quem chame a isto patronato, empenho ou desmoralização! Como se em muitos outros paises, e até na França, não estivesse em voga este mesmo sistema de governar!

Outrora se dividiam as forma de governo em república, monarquia representativa e monarquia absoluta. Hoje está conhecido que estas duas divisões são puramente escolásticas, e que não há senão duas maneiras de governo: o governo individual e o governo nacional, o governo dos interesses particulares e o governo dos interesses do país.

Cada um deles pode conduzir ao fim desejado, procedendo por meios diversos.

Um,por exemplo, escolhe o indivíduo para o emprego, segundo a sua aptidão; o outro escolhe emprego para o indivíduo, segundo a sua importância.

O primeiro ganha um bom empregado, o segundo um excelente aliado. Um pode errar na escolha do indivíduo; o outro pode ser traído pelo seu protegido.

Se os meus leitores acham muito extravagante esta preleção política, têm bom remédio; é não lerem segunda vez, se tiverem caído na atualidade.

Não pensem contudo que pretendo fazer concorrência às últimas declarações feitas na Câmara dos Deputados; de maneira alguma.

Qualquer dos métodos ali apresentados é inquestionavelmente melhor do que o meu, começando pelo de um nobre deputado de São Paulo.

Que política salvadora! Voltaremos ao tempo das revoltas, das perseguições, das eleições armadas. Teremos uma espécie de fanatismos político, uma cruzada, a que se chama saquaremismo puro!

Ora, é inegável que se podem obter grandes resultados com esta política. A revolução, segundo dizem, é uma força civilizadora, regenera como o fogo, purifica como o martírio.

Portanto não há que hesitar! Adotemos esse programa salvador; arranjemos quanto antes uma meia dúzia de São José dos Pinhais , e avante, que o futuro é nosso! A jovem oposição entrará no senado, e teremos dado um grande passo para o engrandecimento da nossa pátria.

E a respeito de política, estou satisfeito, quero dizer estou suficientemente enfastiado.

E, o que mais é, não tenho nada de bonito que dizer-vos. A semana que acabou foi unicamente de esperanças. Todo o mundo esperava; nestes sete dias passados ninguém teve um pensamento que não fosse uma expectativa.

Até quinta-feira esperou-se que a procissão de São Jorge fosse brilhante, e por isso uma concorrência extraordinária enchia as ruas privilegiadas.

Quase todas as moças bonitas da cidade estavam reclinadas pelas varandas dessas casas, tão tristes e tão soturnas nos outros dias.

Cada janela era um buquê; e como um buquê pode ser bonito ou feio, perfumado ou inodoro, segundo as flores de que se compõe, deve cada um entender a palavra a seu modo.

Há gente que gosta da rosa, porque tem espinhos; há outros que preferem a violeta, porque é modesta; e talvez que alguns apreciem o cravo amarelo, a papoula, e achem um certo sainete no cheiro da arruda e do manjericão.

Para todos estes gostos havia flores nos buquês de que falei. O jardim era completo, principalmente no que diz respeito a girassóis.

A procissão saiu.

Se ainda não sabeis, podeis ficar certo disto, assim como do logro que nos pregou. Anunciavam uma procissão muito bonita, e saiu uma muito feia.

São Jorge apareceu vestido de novo, mas posso afiançar-vos que não estava à son aise. Induzi isto da palidez, da cor de mortalha que tinha o seu semblante.

De fato o ativo guerreiro não podia estar ao seu gosto dentro daquele manto enorme, que cobria cavaleiro e cavalo, de tal maneira, que de longe apenas se via um capacete e uma capa que caminhavam com quatro pés.

Depois da imagem vieram as irmandades do costume; houve porém, uma que eu não conheci, e que entretanto ia de envolta com a do Carmo; falo de uma que trazia capa amarela, cor que não me consta tenha sido adotada por nenhuma confraria desta corte.

Depois de quinta-feira começou todo o mundo a esperar pelas ações da estrada de ferro, e pelo resultado das cartas entregues à comissão, as quais montam já a mais de cinco mil!

Nem os ministros, nem as moças bonitas, nem os lentes no tempo de exames, ou os eleitores em época de eleição, são capazes de apresentar um tal número de billets doux.

A comissão tem, portanto, de fazer o milagre de Jesus Cristo, dividir esse pão, não em fatias, porém sim em migalhas.

E é essa divisão que todos esperam ansiosos, calculando já pelos dedos os resultados prováveis do emprego deste dinheiro que tem seguro um interesse de sete por cento.

Além desta expectativa, preocupou igualmente os ânimos a esperança de uma decisão do governo a respeito da questão do Paraguai; porém, como todas as esperanças da semana, esta ainda não se realizou.

Entretanto, apesar de não sermos dos mais entusiastas da política atual, estamos convencidos que a resolução do governo, qualquer que seja, será ditada pela solicitude que nos inspira a todos a honra e a dignidade nacional.

Enquanto o mundo da sociedade, que passa o seu tempo a brincar e a divertir. O baile do Cassino na terça-feira equivale a uma expedição do Paraguai.

A diretoria, qual novo Pedro Ferreira, levou-nos para o salão da Fileuterpe, no qual tiveram lugar as exéquias do baile aristocrático.

Diz Auguez que para muitos homens a vida começa num salão de baile e acaba na sacristia de uma igreja.

Pode ser; mas o que sou capaz de apostar é que esse baile de que fala o escritor do Mosqueteiro não teve de certo nenhuma semelhança com o de terça-feira.

A casa, que é uma excelente estufa para curar constipações, parece que foi construída na Rússia ou na Sibéria, e de lá mandada vir de encomenda.

Demais, tem uma escada imoral, porque deixa ver as pernas de todas as moças e velhas que sobem. Basta postar-se um homem no saguão durante a noite para fazer um estudo completo da pernologia da cidade.

Pernologia é um termo novo que eu inventei na noite do Cassino, por não ter outra coisa que fazer; mal sabia eu que me havia de servir dele tão cedo.

Quanto ao serviço do Cassino, não direi mais do que três palavras: não havia pão.

Um baile sem pão é uma falta imperdoável, é um atentado à galantaria, uma coisa incompreensível.

E se não que reflitam no provérbio antigo, na máxima dos tempos em que se sabia amar e se prezavam todas as belas-artes: Sine Cerere et Baccho friget Vênus.

Uma sociedade como o Cassino deve ter um serviço magnífico, um serviço delicado e que não seja uma espécie de segunda edição do que se encontra por aí em qualquer bailezinho.

Já me enfastia esta infernal monotonia, que me persegue em todas as reuniões. É um drama em quatro atos que se repete mais do que os milagres de Santo Antonio. Ás dez horas - primeiro ato - chá. Às onze horas - segundo ato - sorvetes. Á meia noite - terceiro ato - empadas. A uma hora - quarto ato - chocolate.

Há mais de três anos que os bailes do Rio de Janeiro rezam por esta cartilha, e reduzem-se a apresentar-nos empadas, como se já não estivéssemos faros delas.

E, a propósito de empadas, quero comunicar-vos umas reflexões que fiz há tempos sobre o casamento, em um sábado de tarde quando passavam uns carros destinados para este fim.

Em primeiro lugar, não pude deixar de estranhar que se escolhesse o sábado para a celebração deste ato, quando, segundo a tradição popular, é neste dia que os diabos andam soltos.

Depois, lembrei-me do que diz um escritor, cujo nome não me lembro; esse santo homem, que naturalmente é celibatário, só compreende que se casem três classes de indivíduos: os políticos, os ambiciosos de fortuna e os velhos reumáticos e caquéticos.

Os políticos desposam uma boa posição na sociedade, uma proteção valiosa, uma família influente, um nome de prestígio. Para eles a mulher é um diploma.

Os ambiciosos casam-se com uma boa porção de contos de réis, com uma excelente mesa, um palácio, e todas as comodidades da vida. Para eles a mulher é uma letra de câmbio, ou uma hipoteca sobre boa herança.

Os velhos reumáticos casam com as cataplasmas e as tisanas.

Para estes a mulher é uma enfermeira, uma irmã de caridade, um xarope de saúde.

Além destas três classes gerais, há algumas exceções, que não deixam de ter a sua originalidade.

Há sujeitinho que casa unicamente para dizer - eu casei; outros que mudam de estado e deixam a vida de ser solteiros para fazer a experiência.

Alguns entendem que devem ter uma bela mulher na sua sala, assim como se tem uma étagère, um lindo quadro, ou um rico vaso de porcelana de Sèvres.

Gostam de levar pelo braço uma bonita moça, porque faz o mesmo efeito que uma comenda ou uma fita do Cruzeiro: chama a atenção.

Muitos casam para terem um autômato que lhes obedeça, sobre quem descarreguem o seu humor, a quem batam o pé e ruguem o sobrolho, como Júpiter Olímpico.

Finalmente, uns dizem que casam por inclinação e por amor, isto é, casam porque não têm motivo, e por isso são obrigados a inventar este pretexto.

Mas deixemos esta matéria vasta, e voltemos ao nosso pequeno mundo de seis dias.

Sabeis que vamos ter breve uma celebridade lírica no nosso teatro?

Temos tanto esperado, que já é tempo de uma vez cumprirem as velhas promessas que nos costumam fazer.

A nova cantora, o novo rouxinol da Ausônia, que vem encantar as noites da nossa terra, chama-se Emmy La Grua.

É uma bela moça, de formas elegantes, de grandes olhos, de expressão viva e animada. A boca, sem ser pequena, é bem modelada; os lábios são feitos para esses sorrisos graciosos e sedutores que embriagam.

Bem entendido, se o retrato não mente, e se aquela moça esbelta e airosa que vi desenhada não é uma fantasia em crayon.

Quanto à sua idade, bem sabeis que a idade de uma moça é um problema que ninguém deve resolver. Os indiscretos dizem que tem vinte e três anos; quando mesmo tenham trocado os números, não é muito para uma moça bonita.

As belas mulheres não têm idade; têm épocas, como os grandes monumentos; nascem, brilham em quanto vivem, e deixam depois essas melancólicas ruínas, em face das quais o viajante da terra vem refletir sobre o destino efêmero das coisas deste mundo.

Terminando, tenho de dar-vos os meus parabéns pela escolha do novo senador pelo Pará, o Sr. Conselheiro Souza Franco. É uma daquelas graças que honram a quem as faz, honrando ainda mais quem as recebe.

Como sei que alguns dos meus leitores são amantes de originalidades, recomendo-lhes que não deixem de ir contemplar uns jardins babilônicos que a Câmara Municipal e a polícia estão mandando fazer na Rua do Ouvidor, esquina da Vala.

Tem a altura de cerca de quarenta palmos; e, se um dos jarros cair, poderá esmagar algum pobre passante.

Mas é tão divertido, que não vale a pena proibi-los, por causa de tão mesquinha conseqüência.

Deveis ter lido hoje no Correio Mercantil um artigo da Revolução de Setembro sobre o tráfico de africanos no Brasil. Isto mostra quanto é apreciada, mesmo nos países estrangeiros, a grande regeneração que devemos aos esforços do Sr. Eusébio de Queirós.

É também um motivo para que paguemos com generosidade quaisquer serviços que se tenham prestado neste importante objeto; há dívidas sagradas que, uma vez contraídas, importam a honra e dignidade do governo, que neste caso equivale a uma injúria; e o governo não pode deixar de fazer calar essas queixas, ou pelo menos justificar-se delas.