ΑΠΟΘΕΩΣΙΣ

POETICA

AO ILLUSTRISSIMO, E EXCELLENTISSIMO

SENHOR

LUIZ DE VASCONCELLOS

E SOUSA,

VICE-REI, E CAPITÃO GENERAL

de Mar, e Terra do Brazil, 🙰c. 🙰c. 🙰c.

CANÇÃO

OFFERECIDA NO DIA 10 DE OUTUBRO DE 1785

POR

MANOEL IGNACIO DA SILVA

ALVARENGA,

Profeſſor Regio de Rhetorica na Capital do Rio de Janeiro.

LISBOA

NA REGIA OFFICINA TYPOGRAFICA

ANNO

ANNO M. DCC. LXXXV.

Com licença da Real Mera Cenſoria.

 

Serus... redeas;
Hic ames dici Pater,

HORAT. Lib. I. Od. II


 
CANÇÃO.
 

EGREGIA flor da Luſitana Gente,
Nobre inveja da eſtranha,
D’antigos Reis preclaro deſcendente,[1]
Luiz, a quem ſe humilha quanto banha
Do Grão Tridente o largo Senhorio,
Deſd’o Amazonio, até o Argenteo Rio.[2]

Em quanto concedeis repouſo breve
Ás redeas do Governo,
Ouvi a Muſa, que a levar ſe atreve,
Ao ſom da Lyra de ouro, em canto eterno,
O Nome voſſo a ſer brilhante Eſtrella,
Onde habita immortal a Gloria bella.

Só ás Filhas do Ceo foi concedido
Do Lethes frio, e laſſo
Os Heroes libertar; calca atrevido
Tempo devorador, com lento paſſo,
Tudo quanto os mortaes edificarão;
Nem deixa os écos das acções, que obrarão.

Receba o vaſto Mar no curvo ſeio[3]
Os marmores talhados;
O amoroſo Delfin, o Tritão feio
Reſpeitem temeroſos, e admirados
A Muralha, onde Thetis québra a furia;
Do maritimo Jove eterna injúria.

Ao ar ſe eleve Torre mageftoſa,[4]
Theſouro amplo, e profundo
Das riquezas, que envia a populoſa
Europa, e Alia grande ao Novo Mundo;
Por quem ſoberbo, ó Rio, ao mar te affomas,
Tu, que do Mez primeiro o nome tomas.[5]

Lago triſte, e mortal, no abyſmo eſconda[6]
Peſtiferos venenos;
E o leito, onde dormia a eſteril onda,
Produza os Boſques, e os Jardins amenos,
Que adornando os freſquiſſimos lugares,
Dem ſombra á terra, e dem perfume aos ares.

O voſſo invicto Braço os bons proteja,
E os ſoberbos opprima:
Modêlo ſempre illuſtre em Vós ſe reja
De alma grande, a quem bella gloria anima;
Regendo o Sceptro reſpeitado, e brando;
Digno da Mão, que Vos confia o Mando.

Os juſtos premios de emula Virtude
Da voſſa mão excitem
Ao nobre, ao generoſo, ao fraco, e rude:
As Artes venturoſas reſuſcitem;
E achando em Vós hum inclyto Mecenas,
Nada invejem de Roma, nem de Athenas.

A Paz, a doce Paz contemple alegre
As Marciaes bandeiras:
Prudente, e juſto o voſſo Arbitrio regre,
E firme a forte de Nações inteiras;
Derramando por tantos meios novos
A ditoſa abundancia ſobre os Póvos.

Crefça a próſpera Induſtria, que alimenta
Os folidos theſouros:
O Ocio torpe, e a Ambição violenta
Fujão com funeſtiſſimos agouros;
Fuja a céga Impiedade; e por caſtigo
Negue-lhe o Mar, negue-lhe a Terra abriga

Acções famofas de louvor mais dignas,
Que as de Ceſar, e Mario!
Vós não ſereis ludibrio das malignas
Revoluções do Tempo iniquo, e vario:
Que as bellas Muſas, para eterno exemplo,
Já vos conſagrão no Apollineo Templo.

Lá ſe erige mais folida columna,
Que o marmore de Paros;
E longe dos teus golpes, ó Fortuna,
Lá vive a imagem dos Heróes preclaros:
Aſſim reſpeita o tempo os nomes bellos
De Scipiões, de Emilios, de Marcellos.

Entre eſtes vejo o Achilles Luſitano,[7]
Que prodigo da vida,
Foi o açoute do barbaro Africano,
E exemplo raro d’alma eſclarecida,
De que são teſtemunhas nunca mortas
D’Ourique o campo, de Lisboa as portas.

O grande Vaſconcellos vejo armado,[8]
Que arranca, e deſpedaça
O alheio ferreo jugo enſanguentado;
E os ſoberbos Leões forte ameaça;
Da guerra o raio foi, da paz o leme;
America inda o chora, Heſpanha o teme.

Quem he o que entre todos ſe aſſinála
No provido conſelho,
E no valor, e na prudencia iguala
Da antiga Pylos o famoſo velho?[9]
He Pedro, que com hombros de diamante[10]
Foi d’hum, e d’outro Ceo robuſto Atlante.

Mas que lugar gloriofo Vos eſpera
A par de taes Maiores,
Inclyto Heroe, na ſcintilante esfera?
Eu vejo o Buſto, que entre reſplandores
As Virtudes, e as Muſas vos levantão
Ao ſom dos hymnnos, que alternadas cantão.

Luiz, Luiz a abobada celeſte
Por toda a parte ſoa;
E tu, ó Clio, tu que lhe tecefte
Co’a propria mão a nitida coroa,
A voz levantas, entornando as Graças
O nectar generoſo em aureas taças.

Delicia dos humanos, clara fonte
De Juſtiça, e Piedade,
Não ſentirás do pállido Acheronte
Ferreo ſomno, nem denſa eſcuridade.
Cantou a Muſa: a Inveja ſe devora,
E o Tempo quebra a fouce cortadora.

Então, d’entre ſegredos tenebroſos
Erguendo o braço auguſto,
Que vio naſcer os Orbes luminoſos,
Dá vida a Eternidade ao novo Buſto.
Hum chuveiro de luz ſobre elle deſce,
E nova Eſtrella aos homens apparece.

Aſtro benigno! eu te offereço a Lyra
De louros enramada;
Recebe... ella já voa, e ſobe, e gira,
Rompendo os ares de eſplendor cercada;
Já Satellite adorna o Firmamento,
E te acompanha lá no Ethereo Aſſento.

Canção, quanto te invejo!
Vai; e ao feliz Habitador do Téjo
Conta que a nova Eſtrella,
Banhada em luzes da Rainha Auguſta.,
Reflecte ao Novo Mundo a Imagem della.

 
FIM.
 

  1. Para verificar-ſe Real a Aſcendeneia deſta Excellentißima Familia, baſta notar, que fendo a ſua varonîa de Vaſconcellos, e tendo principio no Conde D. Oſorio, eſte caſou com D. Rufa, Neta d’El Rei D. Fernando; e igualmente que o Excellentiſſimo Senhor Affonſo de Vaſconcellos, ſetimo Conde da Calheta, caſou com a Princeza Pelagia Semfronia de Rohan, de quem naſceo o Illuſtriſſimo, e Excellentiſſimo Senhor Joſé de Vaſconcellos e Souſa, quarto Conde de Caſtello-Melhor.
  2. Deſde o Rio da Amazonas até o da Prata eſtão as Provincias, que formão o Eſtado do Brazil.
  3. O novo Caes na Marinha da Cidade.
  4. O magnífico edificio da Alfandega, que tem na frente eſta Inſcripção:
    En, Maria Prima regnante, è pulvere ſurgit,
    Et Vaſconcelli ſtat domus iſta manu.
  5. O Rio de Janeiro.
  6. O Paſſeio público no lugar, onde houve huma Lagôa, que inficionava a vizinha Cidade. Eſte ſitio he delicioſo, pela ſombra, e boa ordem das arvores, plantas aromaticas, e cryſtallinas fontes.
  7. Martim Moniz, Filho de D. Moninho Oſorio, e Nero do Conde D. Oforio, governou huma das linhas da batalha do Campo de Ourique, onde deo grandes provas do ſeu valor; e depois no anno de 1147, quando ElRei D. Affonſo I. ſitiou, e ganhou Lisboa, morreo valeroſamente nas portas do Caſtello, que ainda conſerváo o ſeu nome.
  8. D. João Rodrigues de Vaſconcellos e Sauſa, ſegundo Conde de Caſtello-Melhor, na guerra da Acclamação ganhou muitas victorias e governou as Armas das Provincias de Trás os Montes, do Minho, o Exercito do Alen-Téjo, e depois o Eſtado do Brazil.
  9. Neſtor o mais prudente dos Gregos.
  10. Pedro de Vaſconcellos e Souſa, Filho de Simão de Vaſconcellos e Souſa, Neto de D. João Rodrigues de Vaſconcellos e Soufa, foi Meſtre de Campo General com o Governo das Armas do Minho, Beira, e Alem-Téjo, Governador, e Capitão General do Eſtado do Brazil Embaixador extraordinario á Corte de Madrid, do Conſelho de Guerra, Eſtribeiro Mór da Princeza do Brazil, &c.