Personagens: MARIA, DOUTOR PEREIRA e LUÍSA

DR. PEREIRA (Com alguns folhetos.) — O Doutor Martins ainda não veio?

MARIA — Ainda não.

DR. PEREIRA — A cerimônia do grau está marcada para o meio-dia...

MARIA — Devem ser nove horas apenas. Aí vem Luísa.

DR. PEREIRA (A Luísa que entra e apertando-lhe a mão.) —Colega!

LUÍSA (Apertando a mão a Pereira.) — Colega!

MARIA (À parte; imitando-os.) — Colega! Colega!... E ali estão dois noivos!

LUÍSA — Que folhetos são esses?

DR. PEREIRA — São exemplares da minha tese que pretendo distribuir por alguns amigos que vão assistir ao grau.

LUÍSA — Ah! é verdade! Sabe que esta noite fui chamada para ver um doente de febre amarela.

DR. PEREIRA — Caso grave?

LUÍSA — Gravíssimo. Termômetro a 41 graus, ansiedade epigástrica e todo o aparato para romperem-se as hemorragias; compreende o colega a dificuldade de uma terapêutica apropriada para debelar-se o mal cuja patogenia é ainda desconhecida.

DR. PEREIRA — Patogenia desconhecida! Pois a colega não tem notícia do cryptococus xantogenicus...

LUÍSA — O cryptococus... o cryptococus...

MARIA (À parte.) — Parece incrível! Isto contado ninguém acredita.

DR. PEREIRA — O cryptococus sim; revelado pelo microscópico nos luminosos trabalhos do Doutor Freire. Não sei como se possa ignorar os efeitos da vacinação pela cultura atenuada.

LUÍSA — Mas quem lhe disse que eu ignoro?

DR. PEREIRA — Pelo menos a colega...

LUÍSA — O que eu sustento, com os conhecimentos profundos que tenho da matéria é que esta teoria microbiana, tratando-se de febre amarela, pode ser quando muito uma aspiração do futuro.

DR. PEREIRA — Uma aspiração do futuro, quando o presente nos está demonstrando todos os dias a verdade!

LUÍSA — Ora! colega!... Leia os trabalhos de Stemberg, de Gibier e convença-se de que na clínica mais vale a sintomatologia do que teorias abstratas.

DR. PEREIRA — Abstratas, não; tenha paciência.

LUÍSA — Abstratas sim; porque não receberam a sanção das autoridades da nossa ciência.

DR. PEREIRA — Mas foram aplaudidas pela Sociedade Dosimétrica de Paris.

LUÍSA — Não foram tal.

DR. PEREIRA — Foram, sim, senhora.

LUÍSA — Não foram.

DR. PEREIRA — Foram.

MARIA (Colocando-se entre eles.) — Não acham que este cryptococus xantogenicus, na sua qualidade de micróbio, pode infeccionar dois corações que daqui a pouco terão de se unir à face da igreja e que aí deverão aparecer sem rancores, sem azedumes, ungidos de mística poesia?

LUÍSA — Aí vem mamãe com a sua poesia.

DR. PEREIRA — Os nossos corações, Senhora Dona Maria Praxedes, não têm rancores nem azedumes. Estamos apenas discutindo um ponto de ciência.

MARIA (Para os dois.) — Então amam-se deveras?

Os Dois — Certamente.

MARIA — É um amor singular.

LUÍSA — Não é como o de Julieta e Romeu, com balcão, escada de corda, cantos de cotovia...

DR. PEREIRA — Está visto!

MARIA — Pois olhem, meus filhos, eu tinha até aqui a ingenuidade de acreditar que aos 20 anos o coração é como o cálice perfumado de um lírio...

LUÍSA — O coração, mamãe, é um músculo oco que tem as suas funções próprias como o baço, o fígado, os rins e outras vísceras do organismo.