Personagens: MARIA e MANUEL PRAXEDES

PRAXEDES — Deves estar contente. Já és sogra!

MARIA — Contentíssima!

PRAXEDES — Mas vamos a saber de uma coisa, e isto para mim é o mais importante: Luísa deixou definitivamente a clínica?

MARIA — Ainda o duvidas?

PRAXEDES — Pois então por um mero capricho, por uma fantasia, por uma caraminhola que se encaixou na cabeça, ela atira sem mais nem menos pela janela fora o seu futuro?

MARIA — Que futuro?

PRAXEDES — Ora que futuro! O futuro dela. Está visto que não há de ser o teu nem o meu.

MARIA — Mas o futuro dela é o presente que estamos vendo.

PRAXEDES — Carregar o filho e dar-lhe de mamar?...

MARIA — Sim.

PRAXEDES — Mas, para amamentar uma criança não era preciso cursar seis anos uma Academia. Se eu a tivesse destinado para isso tinha dado outra orientação à sua vida.

MARIA — Que queres? As leis da natureza são mais fortes que a vontade dos reformadores.

PRAXEDES — Não! Isto não pode continuar assim. A menina tinha uma carreira brilhante diante de si. O seu nome principiava a ser conhecido, a clínica aumentava de dia para dia, e com ela o interesse do casal.

MARIA — O que pretendes fazer?

PRAXEDES — O que pretendo fazer?

MARIA — Sim.

PRAXEDES — Vou ter uma conferência com Luísa.

MARIA — Para quê?

PRAXEDES — Para dizer-lhe que não seja tola, que mande recolocar a placa na porta da rua e continue a clinicar, porque este é o seu meio de vida.

MARIA — E quem dá de mamar ao filho, ao teu neto, pelo qual és um verdadeiro babão?

PRAXEDES — Ora, mulher, pois faltam por aí amas-de-leite para o netinho?

MARIA — E achas isso natural? Olha, meu amigo, se a galinicultura, com todos os seus galos vigilantes e procriadores não é bastante para satisfazer a tua atividade, trata de arranjar outra empresa. Há tanta coisa por aí. Um elevador para o Pão de Açúcar por exemplo, um túnel submarino para a Praia Grande, um restau­rante no Bico do Papagaio, uma nova fábrica de papel, se quise­res... Mas pelo amor de Deus, deixa em paz a vida de Luísa.

PRAXEDES — Paz! Paz! A vida é a luta, senhora. E o que a senhora chama de paz, não é paz!

MARIA. — O que é então?

PRAXEDES — É pasmaceira. Não posso nem devo consentir que a Doutora Luísa Pereira, ou antes, que a Doutora Luísa Praxedes, como é conhecida, sacrifique a posição brilhante que já tinha conquistado.

MARIA — Aos deveres... de mãe!

PRAXEDES — Aí vem a senhora com a cantilena de todos os dias; os deveres de mãe... Pois ela não pode ser mãe e médica ao mesmo tempo? Não quer chamar uma ama, quer dar de mamar ao pequeno... Pois que dê de mamar e clinique... uma coisa não impede a outra...

MARIA — Com esta lógica prática...

PRAXEDES — E além disso sendo a especialidade dela moléstias de crianças, nada mais natural do que ser chamada para a clínica daquelas enfermidades a médica que tem filhos. Pelo menos está mais experimentada.

MARIA — Queres então fazer reviver nesta casa as lutas de outrora! Há um ano, pouco mais ou menos, quando me disseste: — se eles tivessem um filho, não entrava em tua mente o sonho de felicidade que presenciamos? O que sonhavas então?

PRAXEDES — Não sonhava coisa alguma; não tenho por hábito sonhar. Desejei-lhe um filho, porque sempre ouvi dizer que os filhos apertam mais os laços conjugais. Mas o que eu nunca podia prever, é que ele desse este resultado. Isto não está direito.