Que importa o horror da morte do Pai-Raiol?
Que importa o castigo justíssimo de Esméria, que perante a autoridade pública acabara por confessar todos os seus crimes?
Que importa que Paulo Borges rasgasse o testamento que fizera e que em assanhos de serôdia vingança e em desvarios de remorsos, desprezasse, e arredasse de sua casa o filho que tivera da perversa crioula, punindo assim no inocente a sua própria depravação?
Que importa tudo isso?
Teresa tinha vivido vida de martírio em seus últimos meses, e morrera envenenada.
Luís e Inês, filhos legítimos de Paulo Borges, tinham também morrido por atroz e dilacerante veneno.
O pobre anjinho do berço que fora privado dos seios de sua honestamãe, bebera a sífilis e a morte nos peitos imundos de negra corrupta.
Paulo Borges, enfim, sobrevivia a todas essas vítimas da malvadeza dos dois escravos e da sua sensualidade abjeta, para arrastar sombria velhice atormentada pelos estragos da organização, pelo perdimento da saúde pelo desprezo público que o perseguia, e por incessantes e desabridos remorsos, que reproduziam insistentes e implacáveis aos olhos de sua alma as agonias aflitivas, de sua esposa e de seus dois filhos.
A asa negra da escravidão roçara por sobre a casa e a família de Paulo Borges, e espalhara nelas a desgraça, as ruínas e mortes violentas dos senhores.Pai-Raiol e Esméria, algozes pela escravidão, esses dois escravos assasinos não podem mais assassinar...
A escravidão, porém, continua a existir no Brasil.
E a escravidão, a mãe das vítimas-algozes, é prolífica.