II MÉTODO DA PESQUISA


"A filosofia e a democracia não só partilham das mesmas origens históricas como também, de certo modo, dependem uma da outra."
A Ética da Discussão, Jürgem Habermas


Neste capítulo serão analisadas as definições de uma pesquisa com caráter qualitativo e suas indicações para o estudo de organizações. Este capítulo se apresenta no início do trabalho em função da relevância do aprofundamento teórico para o desenvolvimento de toda a pesquisa, há uma análise prévia dos norteamentos da teoria. Ainda, é fundamentada a escolha do método de estudo de caso, empregado inicialmente através de uma pesquisa exploratória e descritiva — baseada em pesquisa em bibliografias impressas e eletrônicas —, com o uso da observação direta/participante e em conjunto da aplicação de entrevista e questionário aberto como instrumentos para a coleta dos dados relativos ao objeto de análise. A pesquisa empírica possui caráter qualitativo e fora realizada entre os meses de dezembro do ano de 2007 e abril de 2008, através de esforços críticos frente à Wikipédia lusófona.

Segundo Chizzotti (2006), define-se pesquisa um esforço durável de observações, reflexões, análises e sínteses para diagnosticar forças e potencialidades da natureza e da vida, e transformá-las em benefício da humanidade. Tal esforço não é resultado de uma cognição isolada em um determinado espaço temporal, mas é o produto de um esforço coletivo e permanente da humanidade, ao longo do tempo, para elaborar suas dimensões vitais. A pesquisa reconhece o saber acumulado na história da humanidade e se investe do interesse em aprofundar as análises e realizar novas descobertas em favor da vida do homem.

O autor caracteriza a pesquisa científica "pelo esforço sistemático de — usando critérios claros, explícitos e estruturados, com teoria, método e linguagem adequada — explicar ou compreender os dados encontrados e, eventualmente, orientar a natureza ou as atividades humanas."(CHIZZOTTI, 2006, pág. 20). Pressupõe teorias ou olhares de mundo que moldam a atividade de investigação e ajudam a pesquisa.

Na mesma linha, Silva, Godoi e Mello (2006) propõem que na prática da pesquisa, trabalha-se somente com as mais superficiais formulações de critérios, com padrões o mais flexíveis quanto possível, à medida que se observa a investigação como uma reformulação de crenças aos invés de descoberta da natureza dos objetos.

Ainda de acordo com os autores, assume-se a pesquisa como um processo de mudanças das crenças do pesquisador e aprende-se que o melhor meio para encontrar algo é crer e escutar quantas sugestões forem possíveis, pois a compreensão de grande parte dos fenômenos organizacionais exige, em vez de um conhecimento objetivo e explicativo, métodos que visam obter um conhecimento intersubjetivo e compreensivo. A visão do pesquisador tende, inicialmente, observar o horizonte das formas simbólicas onde se desenvolvem as ações sociais, porém cujos estudos o interessa, não por tais formas, mas por seu caráter comunicativo de mediador e formador de experiências e das necessidades sociais. Para Chizzotti (2006), desta forma, as ciências sócio-históricas exploram as relações dinâmicas e mutáveis que acontecem entre indivíduos em uma situação social definida e na qual eles realizam experiências vividas.

"As pesquisas desvinculam-se dos referenciais positivísticos e tendem para o estudo de questões delimitadas, locais, apreendendo os sujeitos no ambiente natural em que vivem, nas suas interações interpessoais e sociais, nas quais urdem os significados e constroem a realidade. Outras disciplinas contribuem para superar o confinamento das pesquisas em estudos microanalíticos ou o isolamento nas interações interpessoais dos atores sociais a fim de analisar os liames entre a pesquisa e a estrutura social de classe ou avaliar o efeito da pesquisa na mudança social e no desenvolvimento material e cultural da sociedade." (CHIZZOTTI, 2006, p.55)

Segundo Silva, Godoi e Mello (2006), pesquisa qualitativa é um conceito que abrange várias formas de pesquisa e auxilia a compreensão e a explicação de fenômenos sociais com o menor afastamento possível do ambiente natural. O interesse pela investigação qualitativa centrada no controle experimental é determinado de acordo com a concepção epistemológica relativa à interação entre sujeito e objeto. Todos os tipos de pesquisas qualitativas se baseiam na visão de que a realidade é construída pela interação entre indivíduos com seu mundo social.

Nesse sentido, Oliveira (2007), conceitua pesquisa qualitativa como sendo um processo reflexivo e analítico da realidade através da utilização de métodos e de técnicas para uma compreensão detalhada do objeto em seu contexto histórico e/ou sua estruturação.

Ainda de acordo com a autora, uma pesquisa qualitativa vai além de acumular dados e quantificá-los, deve analisar causas e efeitos com uma contextualização no espaço e no tempo dentro de uma análise sistêmica. Tal procedimento objetiva a busca por informações fidedignas que expliquem em profundidade o significado e as características em cada contexto que se apresente o objeto. A opção pela abordagem qualitativa deve ter como fundamento a existência de uma relação dinâmica no mundo, o sujeito e o objeto, portanto uma relação entre o objetivo e o subjetivo. Não há verdades absolutas, ou se existem não devem ser encaradas como tal neste tipo de pesquisa.

Chizzotti (2006) preconiza o crescimento da consciência e do compromisso sobre a validade da pesquisa qualitativa, bem como sua necessidade prática para a construção solidária da vida social. Os pesquisadores que optaram por esse tipo de pesquisa não pretenderam, nem pretendem, furtar-se de rigor e objetividade.

O estudo de caso aparece na linha das pesquisas qualitativas na medida em que objetiva reunir informações relevantes sobre o objeto de estudo no sentido de alcançar um maior conhecimento sobre este, além esclarecer dúvidas prévias, nortear ações posteriores e analisar as relações de um fenômeno no contexto ao qual se insere.

Para Oliveira (2007), o estudo de caso deve ser empregado para atingir os objetivos estabelecidos pelos pesquisadores através de um estudo aprofundado que busque fundamentos e e explicações para um determinado fato ou fenômeno empírico.

De acordo com Chizzotti (2006), os estudos de caso objetivam explorar um caso singular na vida atual contemporânea, bem delimitado, contextualizado em tempo e lugar para a busca sistemática de informações. Para o autor, um caso pode se concentrar como

"estudo de uma comunidade, entendida como um grupo relativamente homogêneo de pessoas com relações interacionais difusas e algumas características espaciais (bairros), profissionais (trabalhadores, empresários) etc., pode concentrar o estudo sobre o que ocorre na vida cotidiana, como membros interagem, como se comportam em determinadas circunstâncias etc." (CHIZZOTTI, 2006, p.136)

Nessa direção, para Yin (2001) "o estudo de caso é uma investigação empírica que analisa um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão bem definidos." (YIN, 2001, p. 32) Ainda segundo o autor, tal procedimento metodológico estabelece que

"a investigação de estudo de caso enfrenta uma situação tecnicamente única em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados, e, como resultado, baseia-se em várias fontes de evidência, com os dados precisando convergir em um formato de triângulo, e, como outro resultado, beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e a análise de dados." (YIN, 2001, p. 32-33)

Portanto, este método deve possuir um norteamento teórico prévio que indicará as fontes de evidência durante o processo de pesquisa e poderá ocorrer a ratificação, a contestação ou, ainda, o surgimento de uma síntese deste modelo teórico, de acordo com os resultados que forem obtidos em relação ao objeto.

Neste momento se faz necessário sintetizar o assunto tratado pela pesquisa para que o leitor possa, mais facilmente, entender a pesquisa realizada, como ela se conecta com o objeto de pesquisa e, sobretudo, com a proposta teórica construída para a análise dos dados. Desta forma ficará mais explícito o norteamento teórico que fora traçado.

O leitor pode ser acometido de uma certa estranheza em relação ao nomes e temas que serão abordados no decorrer da leitura dos capítulos teóricos (III, IV e V). Autores com divergências são apresentados ao lado de outros que trataram dos temas em épocas e contextos diferentes. Todavia, cabe observar que o foco do trabalho são as organizações, independente de sua época ou ideologia. Nessa linha, as organizações formadas por seres humanos são o alvo de todos estes autores, cada qual ao seu modo. Os fatores como a melhor forma de governo, a propriedade privada, a necessidade do Estado, não foram objeto de análise direta, se foram abordados em algum momento ocorreu de forma sutil e sem haver confronto entre os pontos divergentes.

Tal omissão se deu de maneira intencional, uma vez que o trabalho não se propõe a comparar as diferentes visões em relação às melhores formas de manter uma organização social, mas observar uma forma específica de organização, que emerge no atual contexto: as organizações no ciberespaço, independente da sua classificação. Desta forma, é possível estudar o objeto com um certo distanciamento em relação aos instrumentos e com uma visão menos influenciada por paradigmas modernos.

Entretanto, para analisar tais organizações foi preciso traçar um modelo que pode ser tido como consenso no mundo ocidental contemporâneo. Um modelo baseado nas noções de democracia e com os fundamentos iluministas, novamente, sem questionar os méritos das práticas econômicas ou de governo. Basicamente, se tem como substrato o consenso do uso da razão para a obtenção da igualdade entre os homens através da liberdade em suas ações.

O modelo foi construído ao longo dos destes capítulos (III, IV e V) e de forma concomitante à sua contextualização no ambiente que emergiu com as novas tecnologias digitais, o ciberespaço. Da mesma maneira, o que se entende por ciberespaço e suas implicações às coletividades foi traçado em conjunto com a elaboração do modelo de organização social. Portanto, ao realizar uma leitura com este formato é possível identificar os fatores inerentes às organizações sociais em consonância com sua face no meio digital.

Nesse contexto, no capítulo III - O ciberespaço e a sociedade civil é apresentado o que se entende por ciberespaço, o que se entende por sociedade civil, o que se entende por esfera pública e qual pode ser a relação entre esses três conceitos e o modelo democrático. No capítulo IV - O ciberespaço e o projeto democrático ocorre uma análise mais direta em relação ao modelo tido como base, então se observa: a participação e sua função democrática, a sociedade civil - porém sob um contexto de ator social ativo -, a instrumentalização da razão e o modelo comunicativo habermasiano e, por fim, as potencialidades dessas ações no ciberespaço. Os dois capítulos iniciais tratam fundamentalmente das noções de liberdade nas organizações, primeiro as de expressão e em seguida as políticas. Já, o capítulo V - O pacto das comunidades na cibercultura apresenta os conceitos que norteiam a sociabilidade nas comunidades, tais como: valores éticos, necessidade de segurança e liberdade, solidariedade e cooperação. Estes temas são relacionados com a necessidade de um contrato coletivo e com sua contextualização no ambiente da cibercultura. Todo esse direcionamento teórico, ainda que aparentemente difuso, visou captar algo que se aproxime de um senso comum entre modelos divergentes de análise da sociedade, ou ainda, da organização como fenômeno social inserida no ambiente da humanidade digitalizada.

Nestes capítulo foram construídas as redes teóricas oriundas de uma pesquisa bibliográfica influenciada pela visão de mundo do autor, contudo esta visão também fora reconstruída e influenciada pelas bibliografias consultadas, através de um ciclo interativo e dialético de construção do conhecimento. Nesse sentido, o modelo teórico elaborado não se apresenta como uma verdade para o objeto, é um processo de construção que ocorre ao longo de toda a pesquisa e, mesmo se apresentando como verdade, esta não será absoluta e estará sempre comprometida ao objeto e ao contexto do estudo, porém proporcionará indícios para pesquisas semelhantes. A construção teórica serve, inicialmente, para realçar os fenômenos que deverão ser aprofundados, conforme foram ressaltados acima, e para a escolha da unidade de análise de pesquisa.

De acordo com Silva, Godoi e Mello (2006), o estudo de caso é indicado especialmente para a exploração de processos e comportamentos dos quais se tem uma compreensão limitada, pois desempenham um importante papel ao possibilitar a geração de hipóteses explicativas e a elaboração de teoria. A conceitualização e a abstração propostas podem ir de simples relações interacionais até a elaboração de uma teoria. Entretanto, neste contexto uma teoria não deve ser vista como grandes sistemas fortemente inter-relacionados de proposições ou conceitos que explicam amplos fenômenos, mas como algo de alcance mais limitado que objetiva a organização e o desenvolvimento de um conjunto integrado de conceitos e das relações entre eles.

Este procedimento é indicado por como um estudo de caso interpretativo, ou seja, há uma elaboração de um relato detalhado do fenômeno social, envolvendo sua configuração, estrutura, atividades, mudanças no tempo e relacionamento com outros fenômenos, ainda, busca demonstrar a complexidade da situação e os aspectos nela envolvidos. Porém, procura, sobretudo encontrar padrões e desenvolver categorias conceituais que possam ilustrar, confirmar ou opor-se a suposições teóricas.

Ainda de acordo com Silva, Godoi e Mello (2006), a unidade de pesquisa deve ser escolhida tendo em vista a contribuição do caso para a formulação da teoria que emerge, portanto é uma amostragem teórica selecionada a partir da sua relevância para as questões de pesquisa e para dar suporte ao desencadeamento teórico que vem sendo desenvolvido. São buscados os casos que possuam significância teórica porque possuem características que auxiliam o pesquisador a desenvolver e testar suas proposições.

Em face da questão problema "Quais são as características de uma organização social que surge e se fundamenta no ciberespaço em consonância com as características das organizações já concebidas e estudadas pela bibliografia existente?" bem como da relevância contextual se identificou como unidade de análise a Wikipédia em língua portuguesa. Um projeto colaborativo para a produção de uma enciclopédia de conteúdo livre e onde qualquer pessoas possa editar e consultar as informações. As informações mais detalhadas sobre a unidade de análise foram expostas no capítulo VI — A organização dos pares na Wikipédia.

Nesse sentido, inicialmente ocorreu um trabalho de exploração no objeto de pesquisa, realizado através de navegações e observações com o intuito de aprofundar os conhecimentos sobre as funcionalidades e características da Wikipédia. De acordo com Oliveira (2007), a pesquisa exploratória visa oferecer uma explicação geral sobre determinado fato, através da delimitação do estudo, levantamento bibliográfico, leitura e análises de documentos. Proporcionam uma explicação geral e serve como base para um estudo mais amplo.

Ainda segundo a autora, a pesquisa descritiva vai além do experimento, busca analisar os fatos e fenômenos através de uma descrição detalhada da maneira como estes se apresentam. É uma análise em profundidade frente à realidade pesquisada. É uma pesquisa abrangente e permite análises sob aspectos sociais, políticos, percepções de grupos, comunidades, dentre outros. Também pode ser utilizada para compreender comportamentos e transformações.

De acordo com Chizzotti (2006), na fase inicial é indispensável realizar uma análise na literatura existente sobre o caso para elaborar as primeiras noções frente ao assunto. Portanto, ocorreu uma busca por outros trabalhos que tiveram o mesmo objeto de pesquisa, desta forma também foi possível absorver mais informações e verificar se não havia redundância na proposta elaborada. Tal redundância não foi encontrada nos trabalhos pesquisados.

A fase exploratória compreendeu os meses de novembro e dezembro do ano de 2007 e os meses de janeiro e fevereiro do ano de 2007. Tal etapa forneceu subsídio para a elaboração do capítulo VI- A organização dos pares na Wikipédia, onde se apresentam algumas informações relevantes sobre a unidade de análise. Tanto aquelas encontradas no próprio objeto, quanto as provenientes de pesquisa bibliográfica.

Entretanto, somente o uso da pesquisa exploratória não seria satisfatório para obter informações mais detalhadas sobre a estrutura de funcionamento do projeto enciclopédico digital, foi necessário lançar mão de alguns instrumentos de coleta de dados. De acordo com Yin (2001), a coleta pode ser realizada através, principalmente, de seis fontes de evidências: documentos, registros em arquivos, entrevistas, observação direta, observação participante e artefatos físicos. Tais instrumentos podem ser combinados de diferentes formas.

Em face deste contexto, o uso de documentos e registros já haviam sido empregados no momento da pesquisa exploratória. Portanto, a observação se mostrou válida como o próximo instrumento a ser utilizado para a obtenção dos dados. Para Silva, Godoi e Mello (2006) a observação possui um papel fundamental no estudo de caso qualitativo, através dela procura-se apreender aparências, eventos e comportamentos. Segundo os autores, na observação participante o pesquisador deixa de ser um espectador podendo assumir uma variedade de funções dentro do caso e participar dos eventos estudados, o observador deve manter uma perspectiva da totalidade, entretanto precisa focar-se nos aspectos de interesse. Deste modo, evita a coleta de informações sem relevância e diminui o risco de não observar o que é realmente importante.

Ainda de acordo com os autores, o conteúdo das observações envolve uma parte descritiva que ocorre no campo e outra fase reflexiva onde são colocados os comentários pessoais do observador. Para Oliveira (2007), a observação participante pode ser definida como natural ou artificial. A observação natural ocorre quando o observador faz parte do grupo, já na observação artificial o pesquisador se integra ao coletivo com a intenção de realizar o trabalho, podendo revelar a motivação de sua integração temporária ou simplesmente agir de forma disfarçada como pesquisador. Ainda segundo a autora, o pesquisador deve procurar cooperar com o campo pesquisado e ter sempre presente suas questões de pesquisa e sua problemática. No caso desta pesquisa se utilizou a observação artificial, porém o grupo soube o motivo da integração, uma vez que concomitante ao início da observação foi possível analisar a necessidade de um maior reconhecimento dos pares para atuar em alguns patamares da estrutura política da comunidade. Todavia, apesar de ser fundamental a importância para um aprofundamento na análise das relações entre o grupo, o instrumento não se mostrou suficiente para uma pesquisa mais elaborada e imparcial, uma vez que o reconhecimento da comunidade ocorre somente após um período de dedicação às suas causas.

Portanto, para finalizar o trabalho de campo foi elaborado um roteiro de entrevista no intuito de analisar algumas questões referentes ao escopo do projeto e que foram traçadas no decorrer das pesquisas bibliográfica e exploratória. O roteiro e questionário -- Apêndice A, "Roteiro de entrevista" - foram elaborados com 14 questões abertas com o intuito de elucidar alguns elementos levantados na teoria e que poderiam se mostrar presentes no objeto de análise. Após algumas informações de caráter geral, tais como apelido do entrevistado ou respondente, país de origem e endereço de correio eletrônico, o indivíduo deveria responder as questões abertas. O Quadro 1 apresenta a análise referente às origens teóricas e às pretensões de cada pergunta:

Pergunta Justificativa
1) Qual é a sua formação?

As três primeiras questões devem fornecer informações sobre as atividades econômicas do entrevistados. Desta forma, há a intenção de encontrar dados relevantes à contraposição entre a atividade principal e a atividade voluntária.

2) Qual é o seu trabalho/ ocupação?
3) Quantas horas por semana dedica a esse

trabalho/ ocupação?

4) Participa de algum movimento ou

organização social e/ou político?

Esta questão possui o intuito de analisar se há

pré-disposição política por parte do entrevistado, bem como seu grau de consciência de participação nas dimensões institucionais da sociedade. As noções teóricas sobre participação política devem ser observadas nas respostas desta questão.

5) O que você costuma fazer na Wikipédia? Esta questão deve fornecer informações em

relação ao trabalho realizado no projeto e eventuais participações no processo político interno da comunidade.

6) Quanto tempo por semana dedica

aproximadamente à Wikipédia? É o seu tempo livre?

A resposta desta pergunta deverá indicar a

noção de voluntariedade do trabalho e o grau de dedicação.

7) Recebe alguma compensação financeira

direta ou indireta por sua atuação na Wikipédia?

Nesta questão se observa a importância da

remuneração financeira para a continuidade

8) O que te motiva a dedicar seu tempo à Wikipédia? A motivação do wikipedista é importante para analisar outras formas de remuneração ao trabalho que não as monetárias.

do projeto.

9) No caso de receber compensação financeira pelo trabalho na Wikipédia, continuaria se dedicando a ela com a mesma intensidade, aumentaria o ritmo, cessaria de

contribuir? Por quê?

Esta questão analisa o grau de consciência do

entrevistado em relação as noções do projeto, bem como suas motivações e expectativas.

10) No caso do suas outras atividades pessoais e econômicas exigirem mais tempo de sua dedicação, continuaria se dedicando à Wikipédia com a mesma intensidade, aumentaria o ritmo, cessaria de contribuir?

Por quê?

Aqui pretende-se verificar conceitos de como o comportamento num ambiente digital pode se refletir em mudanças no comportamento ético, sobretudo frente uma situação de coação física.
11) Na sua opinião, qual a importância do consenso na Wikipédia? Esta pergunta deve analisar o papel de um contrato na comunidade e os momentos em que este pode ser colocado em dúvida.
12) Na sua opinião, qual a importância da Wikipédia para a sociedade? Esta questão pretende observar a concepção do entrevistado sobre o seu papel para a sociedade em face do seu trabalho na Wikipédia. Se relaciona com a questão 8.
13) Há alguma situação que o levaria a sair da Wikipédia? Qual? Por que? A questão deve verificar algumas situações que levariam ao rompimento do pacto entre wikipedista e Wikipédia.
14) Há alguma informação, impressão pessoal ou curiosidade sobre a Wikipédia que não fora abordada aqui e você acha interessante ressaltar? Esta questão serve para o entrevistado salientar algumas características que julga importante em relação ao projeto do qual faz parte, ou ainda, expor conceitos ou percepções próprias que gostaria de compartilhar, independente do escopo da pesquisa.

Quadro 1: Justificativa das perguntas

Estas foram as bases que levaram a elaboração das questões, porém no processo de análise podem surgir mais elementos a serem observados e correlacionados. Todavia, ao receber noções sobre a dedicação, a motivação e a continuidade do trabalho do wikipedista será possível atingir o objetivo do trabalho que é analisar as característica de estruturação e de manutenção de uma organização social não-monetária com relações baseadas fundamentalmente no ciberespaço.

Conforme o leitor pode conferir no Anexo B - "Contribuições do usuário", no dia 26 de fevereiro de 2008, foi realizada a inscrição na Wikipédia e, em seqüência, o contato com um dos burocratas da comunidade com a intenção de receber informações sobre algum procedimento exigido para a realização das entrevistas. Não houve resposta e, portanto, a mesma questão foi postada na área denominada "Linha Direta" e destinada ao contato com a Wikipédia. Neste momento, houve a resposta de alguns integrantes da comunidade e a informação passada indicava que não era necessário qualquer autorização por parte dos membros, bastava que o pesquisador estabelecesse o contato direto para realizar a pesquisa, ainda indicaram um outro pesquisador que havia realizado o trabalho de mestrado com o mesmo objeto de pesquisa há pouco tempo.

O contato com o outro pesquisador resultou em algumas orientações em face da experiência vivida. Como sugestão fora indicada a área do portal denominada "Esplanada" destinada à anúncios e a página onde são evidenciados os maiores contribuidores do projeto -- Anexo C, "Lista de usuários por número de contribuições". O convite para interessados em participar da entrevista foi realizado na "Esplanada" e obteve apenas uma resposta, com esse usuário realizou-se a entrevista piloto e que demonstrou um roteiro conciso e com perguntas claras.

O baixo grau de retorno ao anúncio na "Esplanada" levou o pesquisador tomar algumas ações no sentido de haver uma maior empatia com os integrantes da comunidade. Para tanto, realizou algumas alterações em sua página de usuário — "Página de usuário", Anexo A -, inseriu mais informações sobre o caráter do trabalho, informações pessoais de características possivelmente comuns ou que levassem o visitante da página a acreditar na seriedade do trabalho (cidade e país de origem, afinidade por software livre, dentre outros) e, em destaque, a seguinte frase: "Espero, de alguma forma contribuir para a aproximação entre acadêmicos e Wikipédia.". O distanciamento entre cientistas e acadêmicos em relação à construção do projeto é um fator que a comunidade deseja melhorar, portanto essa frase tinha o objetivo de demonstrar uma propensão do pesquisador a também ajudar a Wikipédia, não simplesmente coletar informações sem oferecer nada em troca. Nenhuma informação dada foi incorreta, apenas se julgou necessário publicá-las para que houvesse uma empatia do integrante da comunidade com a pesquisa e/ou pesquisador.

Por se tratar de um trabalho qualitativo, se julgou pertinente utilizar os integrantes da "Lista de usuários por número de contribuições", com aproximadamente 90 nomes de usuários, como foco de possíveis respondentes da pesquisa. Portanto, foi enviado um convite para cada um destes nomes onde havia algumas informações sobre o pesquisador e o escopo da pesquisa. Em um primeiro momento houve a intenção de realizar somente entrevistas através de comunicador instantâneo. Entretanto, alguns integrantes do grupo e que se manifestaram interessados em participar da pesquisa preferiam responder de forma assíncrona. Em virtude da aplicação de uma entrevista em caráter piloto onde não surgiu qualquer interpretação dúbia ou necessidade de maiores orientações ao entrevistado se julgou viável o envio do roteiro via correio eletrônico com o formato de questionário aberto. O usuário que indicou o pesquisador que havia realizado seu trabalho tendo como objeto a Wikipédia foi o primeiro respondente da entrevista, em caráter de teste, como entrevista piloto.

Após o envio dos convites se iniciou a fase de aplicação das entrevistas. No total foram 18 entrevistas respondidas, destas 7 através de comunicador instantâneo e outras 11 por correio eletrônico. Entre os 18 entrevistados apenas 1 não integrava a lista dos maiores contribuidores do projeto, além disso, 2 são burocratas e 9 administradores. Ainda, houve entrevistados residentes no Brasil, Portugal, Moçambique e Guiné-Bissau. Essas considerações servem para validar o caráter qualitativo da pesquisa, uma vez que são entrevistados ativos na comunidade e com diferentes graus de liberdade no uso do software. Após os 18 respondentes, julgou-se suficiente as informações coletadas dada a qualidade da amostra em função do tipo de pesquisa. Para completar o trabalho de campo o próprio pesquisador realizou algumas publicações, ou seja, contribuiu para o projeto. Não houve a publicação de nenhum artigo novo, apenas algumas correções em artigos pré-existentes com a intenção de se familiarizar com o processo do trabalho na comunidade. Todas as informações indicadas aqui podem ser conferidas pelo leitor ao acessar, na Wikipédia lusófona, a página do usuário "Pietro usp" e que se encontra disponível no endereço <http://pt.wikipedia.org/wiki/Usuário:Pietro_usp> (Anexo A).

Cabe agora analisar as informações coletadas. De acordo com Tesch (1990) apud Silva, Godoi e Mello (2006), existem muitas maneiras de analisar os dados obtidos em campo sendo difícil definir qual delas é a mais adequada quando se desenvolve um estudo de caso. No entanto, Tesch (1990) reune dez princípios e práticas como orientações fundamentais para a análise qualitativa.

— "A análise não é a última fase do processo de pesquisa; ela é concomitante com a coleta de dados ou é cíclica. A análise começa com o primeiro conjunto de dados e torna-se, além de paralela à coleta, integrada aos próprios dados. — O processo de análise é sistemático e abrangente, mas não rígido. Caminha de forma ordenada, requer disciplina, uma mente organizada e perseverança. A análise só termina quando os novos dados nada mais acrescentam. Neste ponto diz-se que o processo analítico 'exauriu' os dados.

— A análise de dados inclui uma atividade reflexiva que resulta num conjunto de notas que guia o processo, ajudando o pesquisador a mover-se dos dados para o nível conceitual. Os dados são segmentados, isto é, divididos em unidades relevantes e com sentido próprio mantendo, no entanto, a conexão com o todo. A análise se concentra em conjunto de partes dos dados, cada vez menores e mais homogêneas.

— Os segmentos de dados são categorizados de acordo com um sistema de organização que é predominantemente derivado dos próprios dados. O material pertencente a cada categoria particular é agrupado, tanto conceitual como fisicamente, de forma indutiva.

— A principal ferramenta intelectual é a comparação. O método de comparar e contrastar é usado praticamente em todas as tarefas intelectuais durante a análise para formar as categorias, estabelecer suas fronteiras, atribuir segmentos de dados às categorias, sumariar o conteúdo de cada categoria e encontrar evidências negativas.

— As categorias são tentativas e preliminares desde o início da análise e permanecem flexíveis já que, sendo derivadas dos próprios dados, devem acomodar dados posteriores.

— A manipulação de dados qualitativos durante a análise é uma tarefa eclética. Não há melhor meio de realizá-la, sendo a marca registrada da pesquisa qualitativa o envolvimento criativo do pesquisador.

— Os procedimentos não são mecanicistas. Não há regras estritas que possam ser seguidas. Embora a pesquisa qualitativa deva ser conduzida 'artisticamente', ela requer muito conhecimento metodológico e competência intelectual. O resultado da análise qualitativa é algum tipo de síntese de nível mais elevado. Apesar de muito da análise consistir em 'quebrar em pedaços' os dados, a tarefa final é a emergência de um quadro mais amplo e consolidado." (TESCH 1990 apud SILVA, GODOI e MELLO 2006, p. 137-138)

De acordo com Chizzoti (2006), freqüentemente surgem objeções quanto ao uso do estudo de caso, pois este não possui um fundamento amostral adequado ou não proporciona bases para generalizações. Outra objeção indica o risco do pesquisador se basear demais em falsas evidências ou envolver-se com um caso extremamente específico, levando-o a se sentir senhor da situação e enganosamente capaz de responder a qualquer tipo de questão relativa ao objeto.

Segundo o autor, no uso do estudo de caso não há pretensão de extrapolar para outros, porém nada impede que se façam analogias consistentes com casos similares. Quanto ao fato do envolvimento do pesquisador, os risco são os mesmos com o envolvimento em qualquer pesquisa, portanto recomenda-se a elaboração de um plano de pesquisa bem estruturado para a prevenção de possíveis equívocos subjetivos e evitar o viés analítico ou convicções meramente emocionais que podem se impor como uma neblina perante ao estudo.

Não há como dizer que se trata de um trabalho com uma visão totalmente imparcial, sobretudo pela influência dos conceitos teóricos consultados no momento do norteamento da pesquisa, as noções levantadas na teoria são aquelas buscadas com a aplicação das entrevistas. Portanto, é possível destacar que o trabalho se apresenta sob influência de alguns conceitos ideológicos relativos à liberdade - ou à não liberdade -, analisada em suas consequências numa organização social.

Ainda de acordo com Chizzotti (2006), o estudo de caso é uma pesquisa que não busca generalizações, mas um caso pode explicitar realidades universais, pois, dadas as peculiaridades, nenhum caso é um fato isolado, independente das relações sociais de onde ocorre. Isso implica em dizer que há a possibilidade de realizar suposições mais abrangentes com base nas características comuns existentes entre o caso e o todo. Por fim, é importante salientar que no decorrer deste capítulo o pesquisador procurou detalhar com precisão todos os caminhos percorridos desde o início do trabalho. Tal especificidade buscada pode tê-lo levado à redundâncias ou contradições no momento de expor as noções metodológicas apresentadas por outros autores, todavia cabe ao leitor ser complacente em face da enorme gama de métodos encontrados na literatura e do modo como alguns se complementam ou se contradizem em determinados momentos, desta forma captar que a essência da metodologia do trabalho não se apresenta como um devaneio no ciberespaço, mas sim é norteada pela comparação e contemplação de noções científicas relevantes. No capítulo subseqüente iniciam-se as explorações teóricas.