"A experiência, acumulada e transmitida por gerações sucessivas, ensinou ao homem que, ao
se unir a outros homens, sua conservação é mais segura e seu bem-estar maior."
A Anarquia, Errico Malatesta

Neste capítulo serão analisados os conceitos que envolvem uma comunidade e como se manifesta um pacto social que permitirá sua perpetuação ou dissolução. Ainda, sendo o ciberespaço um meio potencial para o surgimento de novas faces da esfera pública, com características facilitadoras da participação democrática, se observa o modo como as comunidades que emergem deste ambiente podem formar um arcabouço estrutural para a emancipação social de seus integrantes em uma nova visão de mundo denominada cibercultura.

De acordo com o anarquista Errico Malatesta (2001), "a solidariedade, isto é, a harmonia dos interesses e dos sentimentos, o concurso de cada um ao bem de todos e de todos ao bem de cada um, é o único estado no qual o homem pode explicar sua natureza e atingir o maior desenvolvimento e o maior bem-estar possível." (MALATESTA, 2001, p.39) Para o autor, um mundo ideal deve conjugar a solidariedade nas relações com a liberdade para, portanto, dar fim ao atual processo dialético onde o capital sobrepuja alguns homens em detrimento de outros.

Ainda segundo o autor, tal solidariedade "é objetivo rumo ao qual caminha a evolução humana; é o princípio superior que resolve todos os antagonismos atuais, e faz com que a liberdade de cada um não encontre limite, mas complemento, condições necessárias à sua existência na liberdade dos outros." (MALATESTA, 2001, p.39)

Nesse contexto, de acordo com Bauman (2003), a noção de comunidade remete a uma sensação de bem estar, já que pertencer a uma comunidade ou estar em comunidade transmite uma idéia de proteção. Entretanto, a vida no meio comunitário parece privar o ser humano da liberdade tão valorada nos tempos modernos, surge assim uma tensão entre esses valores, entre comunidade e individualidade. Segundo o autor,

"Numa comunidade, todos nos entendemos bem, podemos confiar no que ouvimos, estamos seguros a maior parte do tempo e raramente ficamos desconcertados ou somo surpreendidos. Nunca somos estranhos entre nós. Podemos discutir — mas são discussões amigáveis, pois todos estamos tentando tornar nosso estar juntos ainda melhor e mais agradável do que até aqui e, embora levados pela mesma vontade de melhorar nossa vida em comum, podemos discordar sobre como fazê-lo. Mas nunca desejamos má sorte uns aos outros, e podemos estar certos de que os outros à nossa volta nos querem bem." (BAUMAN, 2003, p.8)

Ainda de acordo Bauman,

"é da natureza dos 'direitos humanos' que, embora se destinem ao gozo em separado (significam, afinal, o direito a ter a diferença reconhecida a continuar diferente sem temor a reprimendas ou punição), tenham que ser obtidos através de uma luta coletiva, e só possam ser garantidos coletivamente." (BAUMAN, 2003, p.71)

Um simples olhar ao longo da história humana já denuncia o valor da ação coletiva, sobretudo sob a ótica do materialismo dialético com o contínuo processo de lutas sociais. Já Piotr Kropotin, outro pensador anarquista, indica o fim dos contratos livres como um dos fatores responsáveis pela dominação do homem capitalista e estabelecimento das instituições que a fomentam, segundo o autor:

"Conhecem-se os meios pelos quais essa associação entre o senhor, o padre, o mercador, o juiz, o soldado e o rei assentou o seu domínio. Foi pelo aniquilamento de todos os contratos livres: comunidades de aldeia, guildas, compagnonnanges, fraternidades, conjunções medievais. Foi pela confiscação das terras da comuna e das riquezas das guildas; foi pela proibição absoluta e feroz de toda a espécie de livre entendimento entre os homens; foi pelo massacre, pela roda, pela forca, pela espada, e pelo fogo que a Igreja e o Estado estabeleceram o seu domínio, que conseguiram reinar doravante em aglomerações incoerentes de súditos, não havendo mais nenhuma união direta entre eles". (KROPOTIN, 2001, p.51)

Por este contexto pode-se entender a comunidade como um contrato livremente estabelecido entre seus membros, ou seja, um pacto social. A partir do momento onde o pacto passa a ser fruto de mecanismos coatores ele deixa de refletir a vontade coletiva e se transfigura na imposição da vontade de alguns.

O contratualista inglês Thomas Hobbes (2004) propõe que, em estado de natureza, o homem tem direito a tudo, pode realizar o que bem quiser e usufruir de tudo que puder adquirir. Entretanto, apesar do direito natural que possui, não poderia usufruir desse "tudo", pois seu vizinho possui igualdade de direito e poder e poderá pretender a mesma coisa que ele, por conseguinte tal relação resultaria num conflito entre eles e transforma o estado de natureza em estado de guerra. Segundo o autor,

"Os homens não podem esperar uma conservação durável se permanecerem no estado de natureza, ou seja, de guerra, e isto se deve à igualdade de poder que existe entre eles, e a outras faculdades de que são dotados. Conseqüentemente o ditado da reta razão (da lei da natureza) é que busquemos a paz sempre que houver alguma esperança de a obter e, se não houver nenhuma, que estejamos preparados para a guerra." (HOBBES, 2004, p.38)

Nesse sentido expõe sua visão sobre o que chamará de a primeira lei natural, ou seja, a busca pela paz sempre que for possível obtê-la, para tanto os direitos de todos sobre tudo não deve ser retido, todavia alguns deles devem ser transferidos ou renunciados e tal ato de transferência mútua de direitos é chamado de contrato.

Em seqüência à primeira lei natural, a relativa à paz, Hobbes esboça outras dezenove, todas elas com a finalidade de garantir a ordem gerada por um pacto social regido por fundamentos imutáveis e eternos que, segundo o autor, nada mais são do que a legítima expressão da moralidade regida pela razão. Para o autor, é a lei natural que ordena o exercício de bons modos e da virtude como caminho para a paz, sendo ela, por conseguinte, uma lei moral. Portanto, a visão hobbesiana das leis naturais implica numa tentativa de estabelecer os preceitos morais que deveriam nortear as ações dos indivíduos frente ao contexto da vida em coletivos, tal moral deveria ser a garantia para a perpetuação das organizações formadas espontaneamente pelos homens em sociedade.

Nesse contexto, para o também contratualista Jean-Jacques Rousseau, o direito individual é sempre subordinado ao direito da comunidade sobre todos, pois sem isso não existiria solidez no laço social. Para o autor, o pacto social ao invés de destruir a igualdade natural, "substitui, ao contrário, por uma igualdade moral e legítima toda desigualdade física, que entre os homens lançara a natureza, homens que podendo ser semelhantes na força, ou no engenho, tornam-se todos iguais por convenção ou por direito." (ROUSSEAU, 2006, p. 35) Portanto, o pacto social livremente estabelecido dá ao corpo político poder sobre os membros que compõem a sociedade, contudo garante a liberdade e a igualdade entre seus membros, na medida em que todos se obrigam das mesmas condições e usufruem dos mesmos direitos.

De acordo com Piozzi (2006), a doutrina de Rousseau estabelece um modelo social onde a ordem não é o resultado instável de um pacto de interesses, mas nasce da confluência de todos os interesses em torno da vontade geral, tendo por conseqüência o enfraquecimento dos instrumentos coercitivos do Estado. Para a autora,

"O contrato rousseauniano assinala o rompimento com as relações marcadas pelo puro interesse, deitando raízes na exigência de renovação moral do homem moderno, que carrega em si o arquétipo do homem da natureza -- reconciliado com as coisas e com o semelhante -, e encontra no pacto político o meio racional para redimir o conhecimento e a civilização." (PIOZZI, 2006, p.36)

Nessa perspectiva, a proposta de Rousseau pretende realizar uma comunidade compacta de cidadãos com base em um contrato entre sujeitos livres, iguais e autônomos. De acordo com Bobbio (1987), o contrato é a maneira com que os indivíduos regulamentam suas relações no estado de natureza, ou seja, no estado onde não há um poder público soberano instituído. O autor indica que as relações contratuais extrapolaram a dimensão dos indivíduos e pequenos grupos para reemergir numa dimensão superior das relações políticas de duas formas: "nas relações entre grandes organizações sindicais para a formação e renovação de contratos coletivos, e nas relações entre partidos para a formação das coalizões de governo." (BOBBIO, 1987, p.26)

O autor apresenta uma visão enfocada nas teorias de formação do Estado moderno, entretanto pode-se analisar sua visão sob a ótica da organização de coletivos formados por seres humanos conscientes e com relações políticas implícitas à coexistência em grupos, já que em geral possuem sua origem na filosofia dos contratualistas. Porque, "o Estado como sistema político é, com respeito ao sistema social, um subsistema." (BOBBIO, 1987, p.62)

Portanto, o direito dos privados (não público) pode ser definido pelo conjunto das normas que os indivíduos estabelecem para regulamentar suas relações, mediante acordos bilaterais baseados fundamentalmente na reciprocidade.

Na mesma linha, de acordo Bauman (2003), toda unidade coletiva precisa ser construída, e um acordo "artificialmente" produzido é a única forma disponível para tal unidade. Em uma comunidade o entendimento comum só pode ser uma realização após um longo e difícil processo de argumentação e persuasão. O acordo comum nunca estará livre da memória desses embates passados e das escolhas feitas ao longo dele. Ainda, propõe que o acordo nunca ficará imune à reflexão, contestação e discussão; quando muito atingirá um patamar de "contrato preliminar", um acordo que precisa ser periodicamente renovado, sem que qualquer renovação garanta a renovação subseqüente.

Silveira (2006) analisa o tema da comunidade com o intuito de contextualizá-lo frente às mudanças ocorridas na sociedade digital da contemporaneidade. Segundo o autor,

"o conceito de comunidade não é consensual em ciências sociais. Muitas são suas definições e classificações, entretanto, boa parte delas vinculam a comunidade a um território especificamente limitado e a proximidade de seus membros. Em geral, sociólogos empregam este termo para grupos de pessoas que convivem numa associação face a face, em um espaço geográfico pouco extenso." (...) "a singularidade e identidade distintas diante dos outros são também freqüentemente apontadas como características de uma comunidade. Obviamente a acepção vinculada à idéia de espaço e de presença física é muito limitada para enquadrar o fenômeno das comunidades distantes e ligadas a partir da comunicação mediada por computador." (SILVEIRA, 2006, p.76)

Nesse sentido, o autor apresenta a inconsistência da territorialidade no momento da definição do que é uma comunidade frente aos avanços tecnológicos.

Para Bauman (2003), a comunidade realmente existente se parece com uma fortaleza sitiada, continuamente atacada por seus inimigos (indivíduos, classes sociais, coletivos) de fora e freqüentemente assolada pela discórdia entre seus membros.

O autor ressalta o paradoxo entre segurança e liberdade, uma vez que a promoção da segurança sempre necessita sacrificar a liberdade, enquanto esta só pode ser aumentada à custa da segurança. Deste modo a vida em comum se transforma num conflito interminável, "pois a segurança sacrificada em nome da liberdade tende a ser a segurança dos outros; e a liberdade sacrificada em nome da segurança tende a ser a liberdade dos outros." (BAUMAN, 2003, p.24) Portanto, quem possui mais poder tende a sacrificar a liberdade de outro ao invés da sua própria no momento da busca pela segurança e, por conseguinte, sacrificar a segurança do mais fraco para aumentar sua liberdade.

Ainda segundo Bauman (2003), nenhum agrupamento de seres humanos é sentido como comunidade a menos que seja bem tecido de biografias compartilhadas ao longo de uma história duradoura e uma expectativa ainda mais longa de interações freqüentes e intensas. Porém, é preciso ressalvar a noção de duração na sociedade contemporânea, principalmente no que concerne aos relacionamentos ocorridos no ciberespaço. Uma partida de xadrez jogada através de correspondências enviadas via correio poderia levar alguns anos para acabar e ser tornar uma história duradoura de interações, entretanto a mesma partida pode ser jogada em algumas horas num ambiente virtual. O ciberespaço permite que as biografias sejam compartilhadas na mesma intensidade mas num tempo menor. O tempo é um conceito subjetivo em filosofia, portanto a duração de uma relação precisa ser relativizada no contexto do ciberespaço.

De acordo com Levy (2002),

"Com a imprensa, o tempo acelerou para se tornar revolucionário: revoluções científicas, religiosas, industriais, políticas. A emergência do ciberespaço, novo salto fundamental na história da linguagem, também apressa a transformação do tempo. A velocidade normal da evolução cultural deu lugar ao tempo real." (LEVY, 2002, p. 23)

No ciberespaço uma idéia é concebida, torna-se pública, começa a competir com outras, pode ganhar força num documento ou software, dentro de uma organização ou de uma rede. Tudo isso ocorre quase que instantaneamente, em tempo real.

O tempo numa comunidade baseada no ciberespaço é real, portanto é simultâneo e depende exclusivamente da tempestividade em que ocorre a conexão entre os atores em cada relação ou processo.

Para Bauman (2003), a comunidade deve confirmar a propriedade da escolha e emprestar parte de sua gravidade à identidade a que confere "aprovação social", deve ser tão fácil de se decompor como foi fácil de construir, deve permanecer flexível e aberta para reformulações quando for necessário. Sua criação e extinção devem ser determinadas pelas escolhas de seus membros em firmar ou retirar seu compromisso para com ela e tal compromisso não pode ser irrevogável. O vínculo gerado pelas escolhas não deve prejudicar escolhas adicionais e diferentes.

Nesse sentido, o autor analisa que a evolução histórica da humanidade, sobretudo após a revolução burguesa - com conseqüente desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte -- provocou o surgimento de um grupo humano não dependente dos serviços da comunidade. Tais pessoas não conseguem visualizar o que ganhariam permanecendo com e na comunidade além do que já tenham obtido por conta própria ou ainda esperam asseguram com suas próprias forças, mas verificam vários itens que poderiam perder caso se submetessem às demandas da solidariedade comunitária. Bauman nomeia tal grupo como os "bem-sucedidos em secessão", uma nova elite cosmopolita global com um estilo de vida que

"(...) celebra a irrelevância do lugar, uma condição inteiramente fora do alcance das pessoas comuns, dos "nativos" estreitamente presos ao chão e que (caso decidam desconsiderar os grilhões) vão encontrar no "amplo mundo lá fora" funcionários da imigração pouco amigáveis e severos em lugar dos sorridentes recepcionistas dos hotéis. A mensagem do modo "cosmopolita" de ser é curta e grossa: não importa onde estamos, o que importa é que nós estamos lá." (BAUMAN, 2003, p.54)

Contudo, ressalta que "a 'bolha' em que a elite cosmopolita global dos negócios e da indústria cultural passa a maior parte de sua vida é uma zona livre de comunidade. (...)A 'secessão dos bem-sucedidos' é, antes e acima de tudo, uma fuga da comunidade". (BAUMAN, 2003, p.55) Para tais pessoas os desejos de dignidade, mérito e honra pelo próprio trabalho exige, paradoxalmente, a negação da comunidade.

Geoff Dench apud Bauman (2003), aponta que é parte integrante de uma comunidade a obrigação fraterna de partilhar as vantagens entre seus membros, independente das habilidades ou importância deles. Esse fator, portanto, torna o "comunitarismo" uma filosofia dos fracos. E, para Bauman, os "bem-sucedidos" não podem dispensar a visão meritocrática do mundo sem afetar o fundamento social do privilégio que prezam e não pretendem deixá-lo. Segundo o autor,

"Os 'poderosos e bem-sucedidos' podem ressentir-se, ao contrário dos fracos e derrotados, dos laços comunitários -- mas da mesma forma que os demais homens e mulheres podem achar que a vida vivida sem comunidade é precária, amiúde insatisfatória e algumas vezes assustadora. Liberdade e comunidade podem chocar-se em conflito, mas uma composição a que falte uma ou outra não leva a uma vida satisfatória." (BAUMAN, 2003, p.57)

A liberdade é um conceito amplamente debatido ao longo da história humana, pode ser entendido e definido de diferentes formas em variados contextos. Neste momento, deve-se entender liberdade como, segundo Bauman, "a capacidade de fazer com que as coisas sejam realizadas do modo como queremos, sem que ninguém seja capaz de resistir ao resultado, e muito menos desfazê-lo." (BAUMAN, 2003, p.26)

De acordo com Silveira (2006), a colaboração baseada na liberdade do conhecimento, ao mesmo tempo, distribui os ganhos do aperfeiçoamento para todos. Deste modo, na sociedade em rede, a liberdade está gerando igualdade e isso está reconfigurando todo o espectro político.

A liberdade do conhecimento citada acima parece incorporar à noção de Baumam os benefícios da segurança fornecidos pelas relações comunitárias. Pois, a comunidade e seus membros partilham de características comuns em suas aspirações que potencializam as forças individuais e garantem as condições para serem usufruídas.

Nesse sentido, os excluídos do grupo de poderosos e "bem sucedidos" continuam a buscar por comunidade para a obtenção de algumas vantagens que não são oferecidas pela vida individualizada dos comuns.

Entretanto, ressalva Bauman, em certos momentos surgem comunidades estéticas ou, ainda, "comunidades-cabide". Uma comunidade estética ou "cabide" pode se formar em torno de uma festividade, outra podem se formar em torno de problemas comuns aos indivíduos. Esse tipo de comunidade ganha vida pela duração do ritual previsto e se dissolve assim que � assegura aos seus membros que enfrentar problemas individuais com sua própria força é a coisa certa e uma coisa que todos os outros indivíduos fazem com sucesso. Os grupos como os dos "vigilantes do peso" são um exemplo de comunidade estética, tal qual uma comunidade para celebrar um festival de rock.

Qualquer que seja o foco, a característica comum dessas comunidades, é a natureza de superficialidade e transitoriedade das relações que surgem entre os participantes. Os elos são descartáveis e pouco duradouros, podem ser desmanchados e não há temor nisso. Para o autor, uma comunidade estética definitivamente não faz tecer entre seus membros uma rede de responsabilidades éticas e, portanto, de compromissos a longo prazo.

Esse não é, contudo, o estímulo que leva os indivíduos a buscarem ser senhores do próprio destino por meio de ações e não meramente declarações públicas. A comunidade que procuram seria uma comunidade ética, oposta à estética. Segundo o autor, uma comunidade tecida de compromissos de longo prazo, de direitos inalienáveis e obrigações inabaláveis e que graças à sua durabilidade prevista e institucionalmente garantida, pode ser tratada como base para planejamentos futuros.

Os compromissos que tornam ética uma comunidade são os de compartilhamento fraterno, onde é reafirmado o direito de todos a uma segurança comunitária contra os erros da vida individual. Buscam nas comunidades éticas garantias de certeza, segurança e proteção, as qualidades que mais fazem falta na vida e não são passíveis de serem obtidas isoladamente.

Os dois modelos de comunidade são muito diferentes e costumam ser misturados ou confundidos no discurso "comunitário" em moda na sociedade contemporânea. Quando misturados, conclui Bauman, "as importantes contradições que os opõem são falsamente apresentadas como problemas filosóficos e dilemas a serem resolvidos pelo refinamento do raciocínio -- em lugar de serem apresentadas como produto dos genuínos conflitos sociais que na realidade são." (BAUMAN, 2003, p.68)

Ainda nesse modelo de comunidades, em virtude da enorme capacidade advinda da tecnologia eletrônica, podem ser criados espetáculos que proporcionam uma chance de participação e um foco compartilhado de atenção a uma multidão indeterminada e de espectadores fisicamente remotos.

Segundo Levy (1993), são as pessoas que povoam e alimentam o ciberespaço que constituem sua maior riqueza. E a imersão em comunidades abertas de pesquisa, de prática e de debate imuniza de forma mais segura que qualquer outro antídoto contra o dogmatismo e a manipulação unilateral da informação.

"Uma comunidade virtual pode, por exemplo, organizar-se sobre uma base de afinidade por intermédio de sistemas de comunicação telemáticos. Seus membros estão reunidos pelos mesmos núcleos de interesses, pelos mesmos problemas: a geografia, contingente, não é mais nem um ponto de partida, nem uma coerção. Apesar de 'não-presente', essa comunidade está repleta de paixões e de projetos, de conflitos e de amizades. Ela vive sem lugar de referência estável: em toda parte onde se encontrem seus membros móveis... ou em parte alguma. A virtualização reinventa uma cultura nômade, não por uma volta ao paleolítico nem às antigas civilizações de pastores, mas fazendo surgir um meio de interações sociais onde as relações se reconfiguram com um mínimo de inércia." (LEVY, 1996, p. 20)

Nesse contexto, observa-se que a virtualidade rompe com as barreiras geográficas e temporais em benefício do relacionamento humano. O ciberespaço fornece, portanto, meios para uma volta ao agrupamento humano em comunidades.

Para o autor, "conectadas ao universo, as comunidades virtuais constroem e dissolvem constantemente suas micrototalidades dinâmicas, emergentes, imersas, derivando entre as correntes turbilhonantes do novo dilúvio." (LEVY, 1999, p. 128) Propõe que a humanidade possui, quanto à sua universalidade, três grandes etapas em sua história: a das pequenas sociedades fechadas, de cultura oral, que vivem uma totalidade sem universalidade, a das sociedades "civilizadas", imperialistas, usuárias da escrita, que fizeram surgir um universal totalizante, por último, a da cibercultura, correspondendo à globalização concreta das sociedades, que inventa um universal sem totalidade. Universal pela presença virtual da humanidade para si mesma e não total pela não existência de um fechamento semântico abrangente. Contudo, é preciso ressaltar que as duas últimas etapas não eliminam a anterior: relativizam-na, acrescentando-lhe mais dimensões. Para o autor,

"a cibercultura, terceira etapa da evolução, mantém a universalidade ao mesmo tempo em que dissolve a totalidade. Corresponde ao momento em que nossa espécie, pela globalização econômica, pelo adensamento das redes de comunicação e de transporte, tende a formar uma única comunidade mundial, ainda que essa comunidade seja — e quanto! — desigual e conflitante." LEVY, 1999, p. 249)

Ainda segundo Levy, a finalidade da inteligência coletiva é colocar os recursos de grandes coletividades a serviço das pessoas e dos pequenos grupos, e não o contrário. Representa aquilo que a cibercultura tem de mais positivo para oferecer nos planos econômico, social e cultural.

O ciberespaço facilita as conexões, as coordenações, as sinergias entre as inteligências individuais, e sobretudo se um contexto dinâmico for melhor compartilhado, se os indivíduos e os grupos puderem se situar mutuamente numa paisagem virtual de interesses e competências, e se a diversidade dos mecanismos cognitivos comuns ou mutuamente compatíveis aumentar. Proporciona propriedades novas, que fazem dele um valioso instrumento de coordenação não hierárquica, de sinergização rápida das inteligências, de troca de conhecimentos, de navegação nos saberes e da autocriação deliberada de coletivos inteligentes.

Levy preconiza que o ciberespaço apresenta-se, portanto,

"a efervescência de suas comunidades, a ramificação entrelaçada de suas obras, como se toda a memória dos homens se desdobrasse no instante: um imenso ato de inteligência coletiva sincrônica, convergindo para o presente, clarão silencioso, divergente, explodindo como uma ramificação de neurônios." (LEVY, 1996, 1999)

De acordo com o autor, permitir que os seres humanos conjuguem suas imaginações e inteligências a serviço do desenvolvimento e da emancipação das pessoas é o melhor uso possível das tecnologias digitais. Essa abordagem tem diversas aplicações , dentre as quais:

  • econômicas: para o advento de uma economia dos conhecimentos e de um

desenvolvimento concebido como valorização e otimização das qualidades humanas;

  • políticas: democracia mais direta e mais participativa, abordagem planetária e comunitária dos problemas, governança eletrônica e, num plano mais utópico,

democracia direta;

  • culturais: criação coletiva, não-separação entre a produção, e liberdade do conhecimento com

diminuição das restrições para difusão e interpretação das obras.

Nesse contexto,

"podemos entender que a inteligência coletiva se constrói através do diálogo de saberes. O diálogo entre os saberes diversos pode permitir o estabelecimento de consensos que se apoiam sobre os elementos do mundo da vida, permitindo aos indivíduos compartilhar seus planos de ação e fomentar a ação comunicativa que é a responsável pela coordenação do ato social. A ação voltada ao entendimento pressupõe a existência de um espaço democrático de construção, potencializado pela ação crítica que vai desencadear a capacidade de construção crítica do pensamento e da ação." (BRENNAND apud MEDEIROS, 2001)

Portanto, as coletividades cognitivas se auto-organizam, se mantêm e se transformam através do envolvimento de seus componentes. Levy (1993) ressalta que pensar é um devir coletivo onde seres humanos se misturam com as coisas, uma vez que tais coisas tem seu papel nos coletivos pensantes.

Segundo Silveira (2001), é a construção de coletivos inteligentes — capazes de qualificar as pessoas para a economia e as maneiras de socialização que surgem na cibercultura — que permitirá ao indivíduo o uso de ferramentas de compartilhamento de conhecimento para exigir direitos, alargar a cidadania e melhorar as condições de vida. Sendo esse modelo de organização social um grande potencial do ciberespaço para a diminuição do abismo social da atualidade.

O autor ainda indica a sinergia proporcionada por essa arquitetura digital tem enormes potencialidades de transformação social, pois a

"sinergia — integração, auxílio mútuo e troca de conhecimentos e experiência -- é uma das explicações que o sociólogo espanhol Manuel Castells dá para o advento e desenvolvimento da Terceira Revolução Tecnológica ter ocorrido em uma reduzida região do oeste dos Estados Unidos, o Vale do Silício." (SILVEIRA, 2001, p.22)

Castells, grosso modo, é o teórico que usou o termo "sociedade em rede" para explicar a maneira como as relações se dão no mundo atual, sobretudo após a consolidação das relações mediadas pelos computadores, ou ainda, a emergência da cibercultura. Nesse contexto, Silveira (2001) conclui que a inclusão digital e a disseminação veloz do uso dos computadores devem potencializar as forças sinérgicas que o Brasil necessita para diminuir a desigualdade social que nele prospera.

Não é possível existir uma comunidade sem haver cooperação entre seus membros, pois tal forma de relacionamento proporciona a segurança oferecida pela vida em comunidade e, ainda, abre um novo contexto para romper com as limitações individuais. Pode-se resumir que a cooperação da comunidade virtual é a execução de um trabalho qualquer, sendo feito por um grupo de pessoas dentro de um espaço virtual que visam chegar a um produto final, que pode ser uma tabela, uma reportagem, um software, um verbete, uma idéia, um conhecimento ou qualquer tipo de algorítimo digital. Portanto, apesar de tratarem de resultados não-palpáveis, as relações cooperativas virtuais se dão de maneira análoga às relações de cooperação comuns ao ambiente físico, apenas se acrescentam novas interfaces para mediar este processo.


De acordo com a Wikipédia, a enciclopédia livre,

"cooperar é acima de tudo um ato social e, portanto requer todos os tipos de interação humana, desde a fala até a linguagem de sinais, passando pela escrita. Cooperar pode ser considerado também um acordo de cavalheiros, onde todos se comprometem a trabalhar para atingir um objetivo concreto comum."(WIKIPEDIA, 2007)

Nesse sentido, segundo Lemos (2004) "o crescente número de comunidades urbanas virtuais tem como resultado a busca de espaços eletrônicos para o convívio dos cidadãos- ciborgue numa nova esfera pública virtual, o ciberespaço." O ciberespaço pode permitir uma reconstrução de comunidades sem proximidade tais como grupos de usuários que compartilham de interesses comuns mas não estão fisicamente próximos, mas sobretudo permitem a construção da comunidade ética proposta por Bauman, ou ainda, a comunidade de iguais.

Conforme conclui Bauman (2003), uma comunidade dos e para os indivíduos precisa ser tecida em conjunto a partir do compartilhamento e do cuidado mútuo; uma comunidade de interesse e responsabilidade para com os direitos iguais dos seres humanos e da ação em defesa desses direito.

Torna-se necessário relativizar a função do pacto social dentro destas comunidades virtuais uma vez que as relações de poder se modificam e adquirem novas dimensões. Um dos conceitos básicos da teoria contratualista é o estado de natureza do homem, pois neste contexto são todos iguais e podem fazer o que desejarem ao outro, ou seja, pode se apoderar de um direito alheio, pois este é também dele. O principal direito garantido pelo pacto é justamente o da vida. Outra função do contrato social é igualar as diferenças de poder, no Estado natural do poder físico. Pois, de acordo com Hobbes,

"a razão mais freqüente para que os homens desejem ferir uns aos outros, provém do fato de que muitos tenham um apetite pela mesma coisa ao mesmo tempo, e que freqüentemente eles não podem desfrutar em comum e nem dividir. Segue-se a isto, que o mais forte há de tê-la, e o mais forte necessariamente se decide pela espada." (HOBBES, 2004, p.34)

Em face desse contexto, o pacto social pretende assegurar as maneiras da preservação individual em face à coletividade, ou seja, "a primeira fundação do direito natural está no empenho de todo homem, na possibilidade de suas forças, em proteger sua vida e membros." (HOBBES, 2004, p.34)

De acordo com Locke (2006), o homem no estado de natureza tem a liberdade de exercer dois poderes. O primeiro é fazer o que julgar necessário para a própria preservação e a dos outros, dentro dos limites da lei natural e o segundo é de punir os crimes cometidos contra essa lei. "E não fosse a corrupção e o vício de homens degenerados, não haveria a necessidade de nenhuma outra, nem seria preciso que os homens se afastassem desta grande comunidade natural e, por acordos e convenções, se associassem em grupos menores e separados." (LOCKE, 2006, p. 92). Portanto, se organizam numa comunidade formando uma sociedade única, abrem mão desses dois direitos naturais e os delegam ao corpo governante do coletivo.

Entretanto, nenhum indivíduo poderá ferir ou ser ferido fisicamente num ambiente virtual, seu alimento não poderá ser roubado por outro, sua filha ou esposa não serão violadas, sua preservação e a dos outros não estão ameaçadas -- pelo menos não diretamente com a tecnologia existente. Portanto, os direitos naturais, sobretudo os da visão de Hobbes, Locke e Rousseau, devem ser contextualizados ao meio. Os direitos continuam a existir no ciberespaço, continuam a ser objeto de contrato. O meio virtual deve, justamente por se apresentar distante ao Estado de natureza do homem, ser uma ferramenta para o alcance da tão sonhada relação igualitária com liberdade individual. O pacto nas organizações virtuais não nasce pelo temor da perda do direito da vida, nasce pela vontade de atingir objetivos e resolver problemas difíceis ao indivíduo de maneira isolada, pela necessidade de comunicação e relacionamento inerentes ao homem e pela segurança advinda da sociabilidade.

Para Habermas (2003), os sujeitos poderiam passar do estado de conflito permanente no estado natural para um estágio de cooperação protegida, caso compreendessem o significado de uma relação social apoiada no princípio da reciprocidade e, ainda, as partes deveriam assumir a postura de um "eu" coletivo frente ao pacto social, ou seja, uma visão do sujeito somente se ocorrer em conjunto de toda a sociedade.

Nesse sentido, o pacto nas organizações coletivas espontâneas do ciberespaço se apóia nos mesmos direitos fundamentais que fomentam a formação da esfera pública habermasiana,

"a liberdade de opinião e reunião, bem como o direito de fundar sociedade e associações, definem o espaço para associações livres que interferem na formação da opinião pública, tratam de temas de interesse geral, representem interesses e grupos de difícil organização, perseguem fins culturais, religiosos ou humanitários, formam comunidades confessionais, etc." (HABERMAS, 2003, p.101)

Uma comunidade dos indivíduos comuns, pode surgir no meio virtual caso proporcione a rede de responsabilidades éticas e de compromissos a longo prazo, desde que traga consigo os desejos de certeza, segurança e proteção aspirados pelo cidadão cibernético e, principalmente, que seja balizada pelo "compartilhamento fraterno". Ainda nesse sentido, os coletivos inteligentes que se basearem nesse modelo tenderão a extrair com maior eficácia todas as potencialidades advindas do ciberespaço por superarem a insegurança causada pela rieza impessoal dos relacionamentos em meio digital.

A comunidade virtual, na sociedade da cibercultura, deve fornecer a segurança proporcionada pela organização coletiva, conjugada com a cooperação e a igualdade existentes num ambiente distante do estado de natureza e, por fim, renovar os modelos para a liberdade dos indivíduos, englobando: liberdade para a participação política individual e coletiva, liberdade para a formação de esferas públicas autônomas e ressonantes e liberdade para o uso do conhecimento gerado pelo coletivo.

Ainda sob a ótica da comunidade e suas facetas adquiridas em ambientes digitais, o professor Yoschai Benkler (2002) observa o surgimento de um novo modelo econômico de produção baseado nas organizações colaborativas. Em suma, são organizações descentralizadas com relações fundamentadas no ciberespaço e que produzem bens não-rivais através do esforço coletivo e voluntário de seus membros. Alguns modelos de trabalhos realizados por comunidades cooperativas são verdadeiras "obras-prima" do esforço coletivo. A enciclopédia livre, Wikipédia, o sistema operacional Linux e os outros softwares livres são exemplos desse fenômeno. Porém, é preciso destacar que todos esses projetos primam pela liberdade do conhecimento, ou seja, não há restrições para execução, cópia, difusão, modificação e/ou aperfeiçoamento das "idéias" que os compõem, em outras palavras é possível dizer que não há um proprietário no produto e, por se tratar de um bem não-rival, não se esgota. Este formato organizacional rompe com o paradigma existente entre firma e merdado que fora proposto por Ronald Coase pois, de acordo com Lemos (2005),

"Segundo Coase, por causa dos custos de transação, há duas formas básicas de organização das forças de produção: por meio do mercado e por meio da empresa (firma). Grosso modo, a firma surge para racionalizar custos de transação: determinados recursos são mais baratos para serem obtidos dentro da firma do que no mercado. Quanto a outros recursos, é mais barato obtê-los diretamente no mercado, de modo descentralizado. Nestes casos não faz sentido a firma incorporá-los internamente. Assim, firmas racionais crescem na medida em que continuam racionalizando custos de transação. Quando não podem mais racionalizá-los, é melhor obter novos recursos no mercado." (LEMOS, 2005, p.81)

Portanto, sob essa visão dual as firmas são unidades produtivas que compram fatores

de produção para produzir bens e serviços de acordo com a demanda do mercado. Ela será viável enquanto for mais barato comprar e racionalizar tais fatores de produção internamente do que adquirí-los diretamente no mercado.

Entretanto, de acordo com Benkler (2002), os exemplos recentes de organizações sociais colaborativas e fundamentadas no ciberespaço não se enquadram em tal dualidade. Essas organizações surgem num ambiente onde os custos transacionais, de produção e de comunicação se tornam ínfimos, a produção não é orientada fundamentalmente pela demanda. Ainda, não há uma hierarquização na definição das tarefas de produção e o trabalho se dá de forma espontânea e sem que haja um retorno monetário imediato e condicional ao esforço realizado. Tal modelo de produção foi denominado por Benkler como "peer production", ou produção por pares. A produção por pares possui vantagens em relação às organizações do duo empresa e mercado, pois permite a conjunção de grupos maiores de pessoas em atividades de pesquisa, colaboração e combinação em níveis que não seriam alcançados pelas outras organizações em função do mercado, já que os custos transacionais seriam elevados.

O modelo que surgiu com os softwares livres já pode ser identificado em outros projetos colaborativos. De acordo com Lemos (2005),

"O principal exemplo é o GNU/Linux, um software criado a partir da colaboração de programadores de todo o mundo, que não se encontram vinculados diretamente nem a uma empresa nem à idéia de mercado, mas a um terceito tipo: um modelo colaborativo. A criação do GNU/Linux foi possível porque, na maioria dos casos, programadores dedicaram seu tempo "livre" a desenvolver o software, sem esperar remuneração ou direitos autorais em troca, mas apenas para poder participar de um modelo colaborativo global e, como o próprio Linus Tolvalds alega, por incentivos que não guardam relação direta com benefícios econômicos, mas sim com interesses sociais e individuais." (LEMOS, 2005, p.81)

Ainda segundo o autor, esses incentivos não-econômicos levam pessoas de todo o mundo a dedicar seu tempo a projetos colaborativos. Alguns o fazem por achar a atividade divertida, outros pela crença em estar retribuindo conhecimento à sociedade e outros, ainda, por se sentirem parte de uma iniciativa global. No início do fenômeno colaborativo, o sociólogo Peter Kollock (1999), analisou os fatores que facilitam ou dificultam o surgimento de projetos ou comunidades cooperativas. Para tanto, propôs a definição sobre economia da doação que se baseia na troca de presentes (gifts), no caso das comunidades virtuais são informações, serviços de ajuda ou fontes de conhecimentos. Essas trocas se caracterizam por serem inalienáveis, sem haver necessidade de reciprocidade e por tornarem-se bens públicos, na medida em que são partilhadas em locais acessíveis ao restante dos freqüentadores da comunidade.

A economia da doação implica nos resultados apontados, posteriormente, por Benkler ao propor a produção por pares. Entretanto, deve haver alguma motivação para que ocorra a participação de um indivíduo neste ciclo. Neste sentido, Kollock levanta quatro fatores fundamentais de motivação: reciprocidade, prestígio, incentivo social e incentivo moral.

De acordo com Spyer (2007), os fatores motivacionais levantados por Kollock, ao serem inseridos no contexto da cibercultura, devem ser observados da seguinte maneira:

  • Reciprocidade: Uma pessoa fornece informação relevante para um grupo na expectativa de que será recompensada recebendo ajuda e informações úteis no futuro. Há registros indicando, por exemplo, que participantes ativos de comunidades virtuais recebem respostas mais rápido do que desconhecidos. Da mesma maneira, uma pessoa que apenas pede e não oferece ajuda aos outros acaba ignorada dentro da comunidade.
  • Prestígio: Para ser respeitados e reconhecido dentro de um determinado grupo, um indivíduo pode oferecer informações de qualidade, fartura de detalhes técnicos nas respostas, apresentar disposição para ajudar os outros e redação elegante. Em função do prestígio, é comum que usuários que atuam em comunidade incrementem sua participação ao receberem um título diferenciado, como líder ou moderador.
  • Incentivo social: O vínculo a um determinado grupo leva pessoas a oferecerem voluntariamente ajuda e informações. Isso vale, por exemplo, para alunos e ex-alunos de uma escola ou universidade, torcedores de um time, freqüentadores de um estabelecimento comercial, entre várias possibilidades. Uma possível contrapartida para isso é a expansão dos vínculos sociais dentro do grupo. Um programador respeitado por suas contribuições ao sistema Linux, por exemplo, se torna conhecido entre seus pares e aumenta sua rede de contatos.
  • Incentivo moral: O prazer associado à pratica de boas ações estimula pessoas a doarem seu tempo e seu esforço. Na medida em que os custos de compartilhamento e distribuição forem próximos a zero, alguém que desenvolveu um programa para resolver um problema particular pode submeter seu trabalho para que outros se beneficiem dele. Um executivo da área de finanças pode se sentir bem oferecendo duas horas semanais para participar de um espaço colaborativo. Ele aplica sua experiência para, por exemplo, ajudar organizações assistenciais a resolverem questões ligadas à captação ou investimento de recursos. (SPYER, 2007, p.36-37)

Novamente, é possível verificar que não é o temor ressaltado por Hobbes que leva o homem à socialização num ambiente digital. Cabe, portanto, analisar como se manifestam tais fatores nas relações ciber-sociais com uma visão onde o cibernético e o humano fazem parte de um só todo, são interdependentes e se condicionam mutuamente. Na medida em que o ciberespaço só existe em função do homem, o homem pode ter encontrado nesta tecnologia um laboratório para se tornam efetivamente um ser humano livre, igual e fraterno, através da razão e da comunicação. Uma universidade, universal, sobre como ser humano.