IV
OS ESTRANGEIROS NO BRASIL

Chegou a haver no Brasil uma forte corrente de opinião contraria á immigração italiana e alleman. Não ha negal-o; mas a verdade é que essa corrente deixava de encarar o problema tal qual era na verdade, para vêr unicamente um facto apparentemente grave para a existencia nacional, qual era a formação de poderosos nucleos de lingua italiana e alleman nos Estados do sul da Republica.

Esses nucleos não encontravam meio favoravel á conservação das suas nacionalidades de origem. É certo que para onde convergiam os italianos, como em S. Paulo, acorriam outros italianos, da mesma fórma que os allemães se congregavam no Rio Grande do Sul, Santa Catharina e Paraná. Era tal a força das affinidades nacionaes que em algumas regiões 80 a 95% da população era teutonica; e, como era natural, os teutos, por la, eram os que tinham de desempenhar todas as funcções publicas e de exercer todas as fórmas da actividade segundo as tendencias da sua raça e de accordo com as conquistas da propria civilização. Mas a verdade dos factos é que esses agglomerados ethnicos perdiam o espirito nacional á maneira que os filhos entravam na vida brasileira e a medida que a prosperidade no novo habitat os prendia a terra de adopção.

E adopção dizemos porque, de facto, os estrangeiros idos para o Brasil até I890 — anno em que, com a autonomia aos estados dada pela Republica, entrou a crescer de modo consideravel a immigração[1] — eram absorvidos, incorporados na massa nacional.

Affirma-o a estatistica. O censo de 1890 accusa, com effeito, 351.545 estrangeiros para 13.982.370 brasileiros. Quer isto dizer: 1.° que os filhos de immigrantes tinham adoptado a nacionalidade brasileira; 2.° que a propria gente exotica, em grande parte, tinha acceitado a naturalização tacita, por quanto so nos annos de 1880 a 1889, a entrada no Brasil — de todas as origens — tinha passado de 300.000 estrangeiros.

É, porém, verdade que alguns homens, alias eminentes, do Brasil tiveram receio dos grandes grupos de população de lingua estranha. Desse facto, nem sempre apreciado com justeza de criterio, resultou a noção de um perigo allemão e de um perigo italiano, que, se existiram algum dia, foi pela possibilidade de conflictos internos de gentes de culturas divergentes em fusão, e não pela ameaça de desviar a nacionalidade dos seus destinos resultantes de tendencias acima de tudo definidas pela lingua.

A Republica, ao ser proclamada, encontrou-se deante de «sérios problemas» neste terreno melindrosissimo Falava-se no espirito monarchico dos teutos; dizia-se que, a um aceno de Silveira Martins, se ergueriam dezenas de milhares de teutos; havia quem creditasse — na Europa principalmente! — que o Brasil se ia dividir em tres estados: ao norte, a Amazonia; ao centro uma nação em que viriam a preponderar os italianos; ao sul, uma nova Allemanha, que, lá para 1999, devia ter 30 a 35 milhões de habitantes…

Andou isto pela imprensa francesa, inglesa e alleman, que, sobre um artigo do Tempo,[2] de Lisboa, bordou longas e arbitrarias considerações historicas e ethnologicas e se perdeu em estopantes dissertações de direito.

Os «sérios problemas» existiam, em todo o caso. Era preciso introduzir trabalhadores no Brasil! Esse é que era o maximo problema. Faltavam os braços á lavoura. Aonde ir buscal-os senão aos paizes que os podiam fornecer em maior abundancia? Aonde, senão aos paizes de lingua estranha, já que Portugal só lhe dera 24.000 colonos em 1888 e 28.000 em 1889? Aonde, se, apesar de todos os esforços, o estado de S. Paulo só conseguiu, de 1890 a 1904 exclusivé, pouco mais de 36.000 portugueses contra 190.000 italianos?

A immigração subsidiada pelo Estado obedecia a uma imperiosa necessidade economica. Tinha de ser feita, com as raças que offerecessem mais braços disponiveis. Mas, se já na epoca das fracas lévas exoticas se falára em «perigos», que não seria depois de abolida a escravidão, depois de mudado o regimen politico?…

Mais do que nunca havia que cercar a nacionalidade de meios de defeza. Foi por isso que o governo provisorio tratou, logo nos seus primeiros dias, de decretar a grande naturalização. O decreto de 15 de dezembro de 1889, que deu a nacionalidade a todos os estrangeiros que, estando no Brasil em 15 de novembro, a quizessem, teve alcance muito maior do que se imagina, embora os protestos de Portugal, Hespanha, Inglaterra e Hollanda contra a lei tivessem attenuado, de certo modo, a sua efficacia.

No debate deste assumpto, no seio do governo provisorio, propondo que se mantivesse a lei, dizia Quintino Bocayuva, ministro das relações exteriores, que «a par da energia» que devia manter o governo para a com as nações estrangeiras, «devia tambem usar de certa delicadeza» porque o Brasil «dependia do problema maximo da immigração».[3]

Observou-se a delicadeza. Manteve-se a lei. Os resultados de tal politica estão no censo de 1890, como já vimos; mas vinha de longe esse esforço. O partido republicano, tantas vezes accusado, depois do novo regimen, de hostilizar o estrangeiro, sempre advogára as mais liberaes medidas para a naturalização. E essa pretensa hostilidade sómente significava justificado espirito nacionalista.

Já em 1881, ao dirigir-se aos eleitores de S. Paulo, o grande cidadão, que se chamou Francisco Rangel Pestana, dizia (Programma dos Candidatos) que o seu partido tinha, no seu manifesto de 1880, tomado nessa materia um compromisso solemne, que impunha «uma reforma na legislação de modo a ser facilitado ao estrangeiro domiciliado no Brasil o meio de entrar, sem vexame e com o conhecimento exacto das necessidades do paiz, na communhão social» brasileira.

E, depois de criticar a legislação então vigente na materia e de mostrar as necessidades que havia para o bom exito da medida, dizia:

«Nem especialmente em relação ao augmento da corrente de immigração, nem em relação ao progresso moral e material do paiz, a propaganda em favor da naturalização trará resultado seguro e vantajoso, se outras reformas não vierem mudar este estado de coisas que entristece os bons pensadores de todos os partidos.»

Entendia Rangel Pestana que o estrangeiro não procuraria adoptar a nova patria se não reconhecesse que havia nella «garantias para os seus direitos civis e mesmo para os politicos».

A Republica não faltou aos seus compromissos.


  1. A desorganização do trabalho, pela abolição do elemento servil, impunha o fomento da immigração pelos Estados e ate pela União. Foram, por isso, subvencionadas emprezas varias que contractaram o serviço de introducção de trabalhadores ruraes.
  2. O artigo do Tempo era de Oliveira Martins, ao que diz Eduardo Prado, (Fastos pag. 14). O. Martins previa a absorpção do sul pela Argentina! O artigo, com o ser citado em tanta parte, foi, segundo Prado, um «exito virgem para a imprensa portuguesa.» A prophecia é que desacredita o auctor e não menos os que lhe deram curso. Tal qual no caso Mac-Murdo... (Vide José Caldas, — Os Jesuitas — em nota.)
  3. Dunshee da Abranches — «Actas e actos do governo provisorio».