VI
A IMMIGRAÇÃO PORTUGUESA

Ha porventura melhor immigrante do que o português? Direi, sem receio de contradicta, que, para o Brasil, é o melhor, apezar das condições especiaes em que tem estado a nossa patria quanto á instrucção publica.

No Annuario de Estatistica demographo-sanitaria de 1895, Bulhões Carvalho, aliás nem sempre justo com a nossa colonia, reconhece que o português é o immigrante «que tem mais inclinação para se fixar no paiz». É certo. Patriota até onde póde elevar-se esse sentimento, o português, em regra, não se naturaliza. Affeiçôa-se ao novo domicilio; não elege nova patria. Não significa o seu proceder menos estima ao Brasil, senão mais acendrado amôr a Portugal. Para elle ha um paiz sem egual é o seu, que não tem defeitos, que é o mais intrépido e o mais feliz do mundo…

O sentimento exalta-se-lhe com a distancia. A recordação dos mais lentos annos amplifica a sua visão saudosa. Mas é preciso reconhecer que, mesmo quando revê a sua terra, a nossa, tão bella e tão infeliz, a dôr que lhe causa o descalabro geral não consegue arrancar-lhe do intimo esse ardente amôr. Póde a evidencia dos factos transformar-lhe as aspirações, rasgar-lhe horisontes fulgentes para o lado que entes se lhe affigurava caliginoso.

Que importa? O seu sonho é a felicidade de Portugal. E ou tenha visto e sentido o mal, ou tenha ficado alheio á verdade da situação portuguesa, permanece português.

O seu domicilio é que já não é Portugal. A sua vida, em geral, adaptou-se ao meio brasileiro. Fixou-se. A sua prole é brasileira; os costumes, que contrahiu, criaram-lhe segunda natureza.

O Brasil só lhe pode ser grato porque elle lhe da o seu trabalho indefesso e honrado e por que os seus filhos são brasileiros. Elle cumpre a missão do homem que se expatria para melhorar de fortuna.

Não concordamos com a affirmação de Bulhões Carvalho, no Annuario referido, quanto á pretendida tendencia dos portugueses para afastarem, dos logares em que dominam, qualquer outro elemento estrangeiro. Existem, é certo, nucleos de portugueses e em alguns pontos póde um exame superficial permittir a supposição de que se encontram sós por haverem expellido os outros immigrados. Não é essa a razão do phenomeno, que tambem se manifesta com os italianos, os allemães e os hespanhoes. Um inquerito minucioso demonstraria que esses agrupamentos não se limitam ás nações, descem ás provincias, ás regiões e até ás villas e aldeias. Não se comprehenderia a immigração espontanea, que não é quantidade desprezivel, sem o reencontre de parentes, visinhos e conhecidos. Um parte porque o outro partiu antes. Assim se congregam os trabalhadores em todos os paizes americanos. Assim tinha de acontecer com os nossos patricios no Brasil.

Forçoso é convir que o director geral da Estatistica tem razão quando affirma que «o progresso na industria, no commercio, nas letras e nas artes é mais bem representado por outros povos do que pelo velho Portugal com as suas grandiosos tradições historicas».

Ha mistéres para todos, mesmo para os mais atrazados, num paiz novo: os mais humildes cabem aos menos preparados para a lucta pela vida. O accrescimo physiologico não soffre com essa inferioridade. O que é claro e que dahi decorre a imminente subalternização da nossa colonia. O aviso do distincto funccionario brasileiro mereceria a nossa gratidão official, se acaso nas regiões do poder se olhasse a sério para os interesses nacionaes. É um brado affectuoso: «Olhae para os vossos competidores. Defendei-vos!»

Defender nos… Como havemos de nos defender, se o regimen tem medo do a b c?

A miseria impelle para o mar os camponios analphabetos e elles lá vão, heroes obscuros, trabalhar pela Patria! E como trabalham alegres, confiantes e esperançados!

A America, disse um publicista italiano, é, pelo menos, a esperança. A esperança move os que emigram, e emigra quem é capaz de luctar, quem se sente disposto a não mendigar e a não morrer de fome. É a regra, com as naturaes excepções. Ora, sendo assim, os povos emigrantistas perdem energias preciosas, que não sabem ou não podem utilizar, e que, bem ou mal, feliz ou infelizmente, são compensadas pelas remessas de dinheiro e pelo consumo dos seus productos.

É o nosso caso. Lévas de emigrantes vão para o Brasil, onde se fixam e de onde nos auxiliam.

Convém ao Brasil o trabalhador portugués? Convêm, pelas affinidades dos dois povos, e principalmente porque, graças a essas affinidades, é o que mais se fixa no paiz.

Todavia o elemento emigratorio português é insufficiente para o povoamento do Brasil. Se constituissemos uma grande massa humana, mesmo atrazada e de pequena cultura, o Brasil não recorreria a outras raças. Não temos, porém, seis milhões de habitantes…

A colonia portuguêsa no Brasil, cuja importancia se nos affigura tanto maior quanto menor é o numero dos que a compõem e acodem ao nosso balanço economico, está muito áquem dos dois milhões a que o rei D. Carlos se referiu.

Os dados estatísticos que pudemos colher e conferir em documentos officiaes dos dois paizes dão as seguintes entradas de portugueses nos annos de 1890 a 1908, que são os de maior emigração de Portugal:

1890 
 25.174
1891 
 32.349
1892 
 17.797
1893 
 28.989
1894 
 25.773
1895 
 40.390
1896 
 23.998
1897 
 17.793
1898 
 13.348
1899 
 14.493
1900 
 14.493
1901 
 14.489
1902 
 15.003
1903 
 14.527
1904 
 21.448
1905 
 24.815
1906 
 26.147
1907 
 31.483
1908 
 37.628
445.775

Nos 19 annos de maior movimento emigratorio de Portugal, entraram, pois, no Brasil 445.775 portugueses A média annual do periodo de maior emigração é, segundo esses algarismos, de 23.461 pessoas. Se imaginarmos que o português vive no Brasil até a edade de 70 annos — o que é absurdo; se suppuzermos que a edade em que se emigra é de 11 annos — outro exagero; se admittirmos — novo absurdo — que nenhum português morreu desde 1850, no Brasil, nem de lá voltou; e se, afinal, dermos de barato que ha 50 annos a média dos immigrantes nossos patricios é alli a dos ultimos annos (e nos 40 annos de 1850 a 1889 foi muito menor) poderemos dizer que ha no Brasil:

59 × 23.461 = 1.384.199 portugueses.

Muito menos do que os taes dois milhões. Ora, o retorno é de 25% a 30%; a edade média dos emigrantes é 28 annos; a média da vida é de 65 annos; e em 1906, depois do saneamento, a média da mortalidade no Brasil foi de 20,74 por mil habitantes.

Já em um artigo de imprensa[1] tivémos occasião de dizer que a média da emigração portuguesa para o Brasil não excede 18.000 e que o total da nossa colonia não chega a 700.000 pessoas. Diziamos, então:

«Isto não diminue, senão que augmenta o beneficio feito pelos portugueses domiciliados no Brasil á economia da sua patria, visto que são menos a mandarem esses 18.000 contos de réis, que são, segundo o sr. Anselmo de Andrade, a nossa salvação, o «dinheiro que melhor nos serve para saldar a parte do deficit geral em ouro que o dinheiro das outras proveniencias deixa a descoberto».

E depois de analysar as avultadas remessas que os colonos de todas as origens fazem, concluiamos:

«É evidente que esta situação economica é transitoria Um paiz em formação, como o Brasil, cujo povoamento se está fazendo com intensas correntes immigratorias, tem de pensar em impedir este escoamento de ouro, que lhe sangra constantemente as energias. Quer por instituições legaes tendentes a nacionalizar os estrangeiros, quer por medidas que fixem o colono á terra tornada sua, quer finalmente por providencias de franca defesa, esse é o caminho de todos os povos para cujo rapido crescimento é aproveitado o excesso de população ou de pobreza de outros paizes».


  1. Carta no Seculo, publicada, em 14 de janeiro de 1909, sob a epigraphe «Portugueses no Brasil — Quantos são?»