Por entre celas místicas, silenciosas, lá te foste emudecer para sempre, ó harmonioso e célebre pássaro do canto, nos pesados claustros.
Cor de rosa e de ouro na iluminada sala dos teatros, trinava para o alto inefavelmente, e, agora, não sei por que tormentosa paixão que te desolou um dia, ficaste infinitivamente reclusa, sob os fuscos tetos de um convento, como uma rara rosa opulenta numa estufa triste, fugindo ao sol dos prados.
Fria e muda estarás, talvez, a estas horas, ajoelhada na capela de um Cristo glacial de marfim sagrado — branca, mais glacial e de mais branco marfim do que esse Cristo, com as níveas mãos de cera e face também de cera macerada pelos jejuns e pelos cilícios, dentro de sombrias vestes talares.
E, assim muda e assim fria, perpassarás como a sombra de um vivo afeto ou de um profundo sentimento artístico, ao frouxo clarão de âmbar das lâmpadas lavoradas.
O teu alado perfil, as tuas linhas suaves, serão, no religioso crepúsculo da capela, como que a recordação do aroma, da luz, do som que tu para a Arte foste.
Nos olhos, apenas uma centelha, uma leve faísca evidenciará o passado esplendor, o encanto que eles tiveram, quando amaram, cá fora no mundo, com as violências do desejo, com os ímpetos frenéticos, vertiginosos da carne.
E os corações que te adoraram, que te ouviram outrora os incomparáveis gorjeios da garganta, que te sentiram a carnação formosa palpitando sob a vitória dos aplausos, ficarão saudosos e perplexos ao ver-te agora assim para sempre enclausurada, para sempre gelada aos fulgores e sensações do mundo, mergulhada, enfim, na necrópole de um convento, como um astro através de frígidas e espessas camadas de neve...