X. A CACHOEIRA DE PAULO AFONSO

— Ah! — exclamou Carlos, a cachoeira de Paulo Afonso! Vê-la é um dos meus sonhos mais ardentes! Sei de cor os versos em que Castro Alves a cantou:

“...Mas súbito da noite no arrepio

Um mugido soturno rompe as trevas...

Tibubeantes — no álveo do rio —

Tremem as lapas dos titãs coevas!...

Que grito é este sepulcral, bravio,

Que espanta as sombras ululantes, sevas?

É o brado atroador da catadupa,

Do penhasco batendo na garupa!

— Mas — disse o moço, sorrindo — por mais talento que tenha um poeta, por mais que saiba exprimir em seus versos a grandeza de uma cena, não poderá jamais descrever o que é aquele assombro! Aquilo é indescritível!

— O senhor já viu a cachoeira de perto? — perguntou Alfredo.

— Já fiz duas vezes a viagem a cavalo, só para admirá-la. E se Deus me der vida e saúde, hei de voltar.

— Conte! Conte o que viu! — exclamou o pequeno, batendo palmas.

— É difícil contar... Imaginem os senhores que o rio São Francisco se despenha, com toda a sua massa formidável de água, de uma altura de oitenta e um metros! O salto dá-se justamente uns trezentos e dez quilômetros acida da foz do rio.

— Trezentos e dez quilômetros! — disse Alfredo. — Mas isso deve ser uma distância enorme!

— Ora! — disse Carlos. — O rio São Francisco é um dos maiores do globo: o seu percurso é avaliado em dois mil e novecentos quilômetros! Mas vamos ouvir este senhor que já teve a fortuna de ver a cachoeira.

— Quando o rio chega a esse ponto, — continuou a dizer o viajante, satisfazendo a curiosidade dos dois meninos — as suas ondas passam apertadas entre duas altíssimas muralhas de rocha. Obrigadas a passar por essa garganta, as águas avolumam-se, esmagam-se, atropelam-se, atiram-se vertiginosamente por uma rampa de granito, e desabam da altura de oitenta e um metros, formando quatro canais, de muitos metros de largura... Mas, o mais admirável é que, sendo curvos os canais, as correntes de água encontram-se em certo ponto, num choque tremendo, cujo barulho se escuta e muitas léguas de distância. O viajante ainda vem longe, longe... e já ouve o mugir soturno da cachoeira.

— Mas quando se está perto é que o espetáculo deve ser belo — disse Carlos.

— Não é somente belo: é amedrontador: Toda a terra estremece... parece que há, ao mesmo tempo a erupção de vários vulcões rugindo. As águas crescem, confundem-se, brigam, separam-se, tornam a chocar-se numa peleja titânica, com um fragor que ensurdece. Em torno da cachoeira, todo o espaço fica toldado, de um nevoeiro denso, formado pelo vapor da água que espadana em espuma. E imaginem agora o sol atravessando esse vapor, e acendendo nela vários arco-íris em que brilham topázios, rubís, esmeraldas e safiras! Ah! Não se pode dizer o que é aquilo!

Carlos e Alfredo ouviam extáticos a narração de seu amável companheiro de viagem. Mas, nesse momento, o trem, com um estrondo mais forte, de ferragens entrechocadas, atravessou uma ponte.

— É a ponte do rio Moxotó. Estamos entrando no Estado de Pernambuco! — disse o viajante.

— Mas então não estamos longe de Jatobá...

— Estamos perto. O Moxotó é a divisa entre Alagoas e Pernambuco.

— Mas, quem foi que marcou essas divisas? — interrogou Alfredo, que nunca perdia o costume de mostrar a sua curiosidade.

— Todas essas divisas são antigas, e foram sendo marcadas à medida que se foi explorando o território das capitanias em que o rei de Portugal D. João III dividiu o Brasil, — disse-lhe Carlos. — O governo português, reconhecendo a necessidade de povoar o Brasil, e receoso do desenvolvimento que o comércio francês ia tendo, resolveu ceder grandes porções de território a alguns favoritos, encarregados de povoá-las e administrá-las. Essas capitanias eram doze, e já tinham limites vagos, que se foram depois precisando e marcando com segurança. Ainda hoje a precisão não é absoluta: ainda há discussão sobre os verdadeiros limites de alguns Estados, em certos pontos do seu território...

— Jatobá! — gritou o chefe do trem.