XLVII. MORTE E ENTÊRRO

Era Juvêncio que voltava. Vinham com ele três homens, empregados do velho, e traziam uma rede, e alguns remédios.

Apesar da sua pouca idade, Juvêncio, na organização dos socorros, portou-se como o mais velho e o mais experiente de todos. Foi ele quem explicou como deviam, com o auxílio, de cordas, içar o enfermo até a borda do valo, laçando-o pela cintura e pelos sovacos, — o que se fez sem grande dificuldade.

Mas o pobre homem não dava acordo de si. Estava como morto, já quase sem respirar. Já nem gemia. E, quando conseguiram depô-lo no chão, sobre a estrada, todos tinham a impressão de estar diante de um cadáver... Abriram-lhe a boca, separando-lhe os dentes à força, e deram-lhe algumas gotas de vinho, que o reanimaram durante poucos minutos. Mas logo depois recomeçou aquela sonolência, que já era, sem dúvida, o começo da agonia.

— Creio que não devemos perder tempo — disse Carlos — se queremos entregá-lo vivo à família.

— De certo! — apoiou Juvêncio.

Colocado o corpo na rede, foi esta solidamente suspensa de uma longa vara resistente; de cada uma das extremidades tomou conta um dos homens que tinham chegado com Juvêncio. Como tinham trazido animais, os dois meninos e o sertanejo puderam fazer comodamente a viagem de regresso à vila, escoltando a rede em que ia o ferido.

Enquanto o préstito se punha a caminho, o terceiro empregado seguiu a galope, em direção à Vila Nova, afim de trazer um médico.

A viagem foi triste.

Marchavam a passo. De quando em quando, Carlos aproximava-se da rede, e examinava o moribundo.

O seu estado era o mesmo. Nem sentia o balanço, e apenas um leve erguer e abaixar do peito denotava que a vida ainda não o abandonara.

Entraram na povoação às quatro horas da tarde. À porta de cada uma das casas, chegavam pessoas curiosas, a quem os dois empregados contavam o que sucedera ao patrão. No “sítio” deste, estavam apenas uma sua filha casada e o marido; numa ansiedade terrível, levaram o velho a uma alcova, e deitaram-no, esperando ainda poder salvá-lo com o auxílio do médico que tinham mandado chamar a Vila Nova.

Mas, poucos minutos depois, o homem expirava, sem ter voltado a si.

Carlos, quando viu que tinha passado a primeira explosão de dor, chamou de parte o genro do morto, e entregou-lhe o maço de dinheiro sem se referir à recomendação, que o velho lhe fizera, de guardar o dinheiro: repugnava-lhe aceitar aquele legado, cuja legitimidade não poderia provar.

À noite, o cadáver foi levado pela família e pelos três rapazes. O genro — chamava-se Oliveira — quis conhecer os nomes e a história dos meninos. Carlos contou-lhe sumariamente o que lhes havia acontecido até então. Oliveira, quando soube das precárias condições em que eles estavam realizando a sua viagem, quis imediatamente facilitar-lhes todos os recursos para o transporte até a Baía.

— Digam! Digam o que desejam! Digam quanto querem! Que tudo quanto eu lhes der será ainda pouco para lhes pagar o favor que lhes devo!

— Não, senhor! — protestou Carlos — nada nos deve! Cumprimos apenas o nosso dever. Qualquer outra pessoa teria feito o que fizemos... E nada podemos aceitar.

— Menino! — disse Oliveira, com carinho — por que há de ser orgulhoso? É necessário que todos nos ajudemos nesta vida! Pensa, então, que depois do socorro que prestou ao meu sogro, e da probidade, de que deu prova, entregando-me o dinheiro, hei de consentir que vão daqui até a Baía, a pé, e sem recursos? Está muito enganado!

Carlos ia ainda protestar. Mas Juvêncio interveio, com bom senso:

— Tudo se pode arranjar, a contento geral...

E dirigindo-se a Oliveira:

— O senhor empresta-nos algum dinheiro com que possamos tomar passagem de Segunda classe até a Baía. Estes meninos têm parentes no Rio Grande do Sul; e há na Baía um negociante, que se interessa por eles; de maneira que poderão pagar-lhe depois esse dinheiro.

Oliveira quis opor-se à idéia do empréstimo; cedeu, porém, para não desgostar Carlos, que só nessas condições queria aceitar o auxílio.

No dia seguinte, logo às primeiras horas da manhã, fez-se o enterro do velho, sendo o caixão acompanhado até o cemitério pelos três rapazes/

Oliveira quis ainda detê-los:

— Não, não vão hoje! Devem estar cansados, depois desta noite passada em claro...

Mas era tal a ansiedade de Carlos, por chegar à Baía, que não houve meio de convencê-lo.

Foi aí que Juvêncio veio a saber que o padre, seu conhecido, já não residia mais em Alagoinhas.

Logo depois de almoçar, os três compraram as passagens, e tomaram o trem.