XXI. UM DESAPIEDADO E UM BONDOSO

Andaram mais uma légua, e chegaram a um sítio, a uma fazenda de criação de gado, à beira da estrada. Era quase noite, e, sem discussão, resolveram dormir ali. A princípio, pensaram em andar mais um pouco, e ir pedir pousada na casa da fazenda: mas estavam tão cansados, e a casa ainda devia ser tão distante, que deliberaram pousar no rancho deserto que encontraram: estariam mais em liberdade, e não incomodariam o fazendeiro.

Entraram, apanharam lenha, acenderam uma fogueira, e forraram com folhas secas o chão do casebre.

Enquanto Juvêncio e Carlos preparavam o jantar, Alfredo saiu, e adiantou-se alguns passos pelo campo. A essa hora, vinha o gado recolhendo. O céu ia pouco a pouco trocando a cor pálida do crepúsculo pela cor escura da noite. As estrelas começavam a palpitar no firmamento. Alfredo, encantado, contemplava os bois, os bezerros, as cabras, os carneiros que passavam com a cabeça baixa, num tropel cerrado e confuso. Atrás do rebanho, vinha o vaqueiro. Era um homem de feia catadura, barbado. Avistando o menino, parou, mirou-o durante alguns segundos, e chamou-o. Alfredo hesitou, acanhado, mas animou-se.

— Quem é você? — perguntou o vaqueiro, com voz rude.

— Sou... sou... — titubeou o pequeno.

— Sou... sou... hem? É com certeza algum vagabundo. Não quero vagabundos aqui! Afaste-se, afaste-se quanto antes!

Transido de medo, com os olhos cheios de lágrimas, Alfredo voltou ao rancho e contou aos companheiros o que lhes sucedera.

— Que maldade! — exclamou Carlos — enxotar-nos daqui, a esta hora! Que mal lhe fazíamos nós?!

— Ora, paciência! — disse Juvêncio — vamos levantar acampamento! Dormiremos no mato. A noite está boa.

Saíram, e enveredaram pelo negror da noite. Carlos ia acabrunhado, pensando na dureza da alma daquele homem. Alfredo mal podia caminhar, e gemia. Cerca de trezentos metros adiante, avistaram uma luz, fixa e brilhante como a de um farol.

— Ali há uma casa. Vamos ver se nos dão pousada! — disse Juvêncio.

— Não, protestou Carlos; — prefiro dormir no mato a sujeitar-me a ser expulso outra vez!

— Mas nem todos os homens são perversos como aquele bruto! — retrucou o rapaz. — Quem sabe? Talvez acharemos ali gente de bom coração... Se nos repelirem, paciência; mas o nosso dever é ver se arranjamos um pouso. Olhe que seu irmão está quase caindo de cansaço, e não está acostumado a dormir ao relento!

Esta última razão bastou para vencer a resistência de Carlos. Felizmente, a casa não estava longe. Alcançaram-na com algumas passadas. Era uma construção baixa e modesta, mas muito limpa, tendo ao lado um curral de cabras, e mais adiante uma roça bem cuidada. Bateram à porta; acudiu logo ao chamado um homem ainda moço, simpático, que era o dono da casa. Juvêncio não se enganara: tinham encontrado gente de bom coração. O homem acolheu-os com afabilidade, e tratou de agasalhá-los do melhor modo possível, dando-lhes comida boa e abundante.

Quando estavam terminando a refeição, alguém bateu à porta, que se abriu para dar passagem a um visitante. Carlos, Alfredo e Juvêncio não puderam conter um grito de alegre surpresa: o recém-chegado era aquele mesmo carreiro, com quem se tinham encontrado de manhã. Era irmão do dono da casa, e vinha também pernoitar ali, depois de ter depositado a lenha num sítio próximo.

No dia seguinte, Alfredo acordou com os tornozelos vermelhos e inchados. Ser-lhe-ia impossível continuar a viagem a pé, sem ter descansado mais algum tempo. O dono da casa declarou terminantemente que não o deixaria sair naquele estado: e a mulher começou logo a tratar o pequeno, lavando-lhe os pés com uma mistura de água quente, aguardente e sal.

Depois do almoço, o dono da casa e o carreiro saíram para o trabalho. Enquanto Alfredo ficava em casa, repousando, Carlos e Juvêncio foram a passeio, e internaram-se pelo mato próximo. Juvêncio sentia-se ali dentro como em sua casa, movendo-se e dirigindo-se com facilidade naquele intrincado de ramos e cipós.

— E se nos perdêssemos por aqui... — lembrou Carlos.

— Qual! Não vê como vou assinalando todos os lugares por onde passamos?

Efetivamente, de distância em distância, Juvêncio quebrava ou torcia um ramo, marcando assim, quase de passo em passo, o roteiro que seguia. O mato era rico de caça. O sertanejo, de vez em quando, mostrava a Carlos um rasto de animais no chão, ou apontava um pássaro grande pousado nos galhos altos de uma árvore:

— Ah! Seu Carlos! — exclamava ele — quem me dera aqui uma boa espingarda! Já não voltaríamos para a casa com as mãos abanando!