XXX. DOENÇA

A velha lavadeira era casada. Já o marido a esperava em casa. Assim que entraram, ela explicou a presença dos dois rapazes:

— Estes mocinhos são de Juazeiro, e vão para o arraial do Riachinho.

O homem, que era de Juazeiro, entrou a pedir notícias de vários moradores de lá... Carlos, vendo que ia ser apanhado em flagrante mentira, foi obrigado a contar toda a sua história. O homem ficou comovidíssimo com a triste narração.

— E vosmecês arriscaram-se a fazer essa viagem tao longa?

— Ora! — acudiu Alfredo — porque não? Eu até era capaz de vir sozinho!

— Deixa-te de bazófias! — disse Carlos, sorrindo — queres mostrar-te valente, e ainda hoje choraste, de medo, quanto te tiraram um bicho do pé!

— Porque doía muito! Se você soubesse quanto doeu! e ainda está doendo!

De fato, nessa mesma manhã, Alfredo queixara-se de uma comichão do artelho; Juvêncio vira que o pequeno tinha um bicho no pé, e procurara fazer com todo o cuidado a extração.

Depois do jantar, os pequenos acomodaram-se. Já noite alta, Carlos percebeu que o irmão se agitava, choramingava, gemia. Apreensivo, levantou-se e foi apalpar o corpo do pequeno, achando-o muito quente. Alfredo sentia dores vivas no pé. A ferida inflamara-se, o pé inchara e avermelhara-se.

Carlos, sem saber como havia de aliviar o irmão, esperou que amanhecesse, e passou o resto da noite entre sustos e reflexões tristes. Como resolver essa dificuldade? Alfredo, naquele estado, ardendo em febre, não poderia continuar a viagem... com que recursos contaria ele, Carlos, para salvar o irmão, naquele lugar quase deserto, sem médico, sem farmácia? Ainda se o Juvêncio ali estivesse... Porque, enfim, o Juvêncio era expedito, experiente, decidido, e achava sempre uma solução para todos os casos difíceis... Justamente, uma das cousas que mais preocupavam o Juvêncio no Riachinho. Que pensaria e que faria ele, quando não visse chegarem aos companheiros?

Amanheceu. Entrou logo, no aposento em que Carlos e Alfredo tinham passado a noite, a velha lavadeira:

— Que é isto? O seu irmãozinho está doente? — perguntou ela, a Carlos, sobressaltada.

Examinou a ferida, e tranqüilizou-o:

— Foi porque não souberam tirar o bicho... Mas isso não é grave.

Lavou a ferida com aguardente canforada, colocou sobre ela uma cataplasma de tapioca também canforada.


Bento, — o dono da casa — veio também ver o menino, mostrou-se extremamente penalizado, e disse:

— Não há gravidade, felizmente. Mas, agora, o remédio que há é ficarem aqui um dia ou dois.

Carlos quase lhe pediu que fosse ao tal arraial avisar o Juvêncio, e dizer-lhe o motivo da demora. Mas não se animou a fazer o pedido, porque o homem disse logo que tinha de enfardar uma grande quantidade de algodão, já vendido.

Com a aplicação dos remédios, Alfredo melhorou consideravelmente. As dores diminuíram logo, e a febre cedeu. O menino bebeu uma cuia de leite, e adormeceu.

Carlos, acompanhado pela rapariga, Maria das Dores, passou o dia ao lado dele, mais sossegado, mas ainda preocupado com as consequências da melhora. Era provável que Juvêncio voltasse, para saber o que era feito deles... Era provável, mas não era certo. E se não voltasse? E se continuasse a viagem sozinho, — uma vez que não tinha o dever de se preocupar com a sorte de companheiros a quem mal conhecia? Esta idéia mortificou o espírito de Carlos: o Juvêncio era um companheiro tão bom, tão inteligente, Tão conhecedor dos caminhos! Além disso, aquela convivência de poucos dias criara no coração de Carlos uma grande amizade por aquele excelente rapaz, tão bravo, tão carinhoso e tão serviçal...

No meio dessas cogitações, surpreendeu-o a voz da velha, que o chamava:

— Venha almoçar! Seu irmãozinho está sossegado, e você já deve sentir fome...