XXXIV. UMA BRIGA

Entregue a carta, Juvêncio comprou um pão, jantou frugalmente, e, recolhendo-se sob um alpendre que havia na praça da Matriz, ali passou a noite.

Ao amanhecer, percorreu com descanso as duas ou três ruas da vila, para matar o tempo, e ao meio-dia, foi postar-se à porta da igreja à espera dos companheiros. Só se afastou daí para jantar: jantou numa venda, ali perto, e, enquanto comia, não perdia de vista a igreja. Mas a espera foi baldada. Passou-se a tarde, passou-se a noite, e os companheiros não apareceram. Juvêncio, aborrecido, andou passeando sem destino, e recolheu-se de novo ao alpendre, onde já passara uma noite.

— Que terá acontecido? — pensava. — Ter-se-ão eles perdido no caminho? Talvez não... talvez a roupa não tenha ficado enxuta, e eles tenham adiado a viagem para amanhã.

A madrugada veio encontrá-lo já de pé. Não sabendo como matar o tempo, interessou-se pelo movimento das ruas. Assistiu à partida de uma tropa, e chegou a ajudar os tropeiros. Depois, foi até a porta de uma escola pública, e presenciou a chegada dos alunos, pobremente vestidos, mas limpos; levavam nas sacolas os livros e a merenda. Em seguida foi ao mercado da vila, onde os vendedores de hortaliças se reuniam. Às onze horas, postou-se de novo à porta da Matriz; as horas continuaram a correr, monótonas e tristes...

Sentado num poial, o rapaz começava a cochilar, quando ouviu uma grande gritaria. Uma pobre velha atravessava a praça, perseguida por alguns desocupados, que a apupavam:

— Maluca! Maluca!

A pobre velha nada dizia, e ia caminhando, ofegante, com a cabeça baixa e os passo trôpegos.

— Maluca! Maluca! — berravam os garotos.

Um deles apanhou no chão uma pedra, e arrojou-a sobre a desgraçada. A pedra passou-lhe por cima da cabeça, e veio cair a poucos passos de Juvêncio. O sertanejo, indignado contra a covardia dos perseguidores, levantou-se e tomou a defesa da velha.

— Que é que você tem com isto, seu atrevido? — perguntou-lhe desaforadamente um dos vadios, rapaz de dezesseis ou dezessete anos. Juvêncio mirou-o, e os seus olhos fuzilaram de raiva e desprezo:

— Você não se envergonha do que está fazendo?... que mal lhe fez esta pobre mulher?... Você é que é um malvado e um covarde!

O rapazola, que era forte e sacudido, avançou e atirou-se para Juvêncio, disposto a sová-lo. Juvêncio esperou-o, e desviando rapidamente o corpo, recebeu-o com um soco, que o atirou a quatro passos de distância. O valentão voltou à carga, meio tonto, e o sertanejo, ágil como um gato, segurou-lhe a cintura, pelas costas; mas o malvado era forte, e os dois rolaram no chão, esmurrando-se. Nisto, acudiu gente da venda fronteira, em auxílio de Juvêncio, e o vadio agressor teve de fugir, para não sofrer maior castigo.

Ao meio-dia, Juvêncio, com a roupa rasgada, estava outra vez sozinho à espera dos meninos. Sentia bastante ter estragado a roupa, que era a única, mas ao mesmo tempo estava satisfeito por Ter dado uma boa lição ao atrevido. Às três horas da tarde, a sua preocupação aumentou: “Não! Não era natural aquela demora! Com certeza, alguma cousa tinha havido!...

Quando anoiteceu, o sertanejo resolveu partir para o lugar em que havia deixado Carlos e Alfredo. Não podia mais suportar aquela incerteza. A noite devia ser de luar, e a viagem era curta...