Não há coisa mais interessante de que observar uma venda.
Toda a gente tem mais ou menos escrúpulo em entrar em uma delas. Já o tive também; mas, agora, é um prazer e meu agrado.
Aposentado e satisfeito da vida, logo, nas primeiras horas, a minha satisfação é visitá-las na minha redondeza.
Não me arrependo com isso, porquanto muito observo e adivinho.
Tem meu amigo, o senhor Carlos Ventura, um excelente camarada e discípulo - o Alípio.
Prego-lhe todas as doutrinas subversivas que me vêm à cabeça; e ele me ouve e medita.
Estou emprazado até para ser servente de pedreiro, desde que ele seja chefe da empreitada.
O que quero é que ele me dê o atestado de que eu fui de alguma forma trabalhador manual.
Entretanto, a coisa que mais curiosidade me provoca, é a atitude dos vendedores das casas chamadas atacadistas.
São em geral rapazes finos, limpos e agradáveis. Chegam, sempre com um jornal, mesureiros e delicados e dizem:
— "Seu" Ventura, cá estou! Tenho um arroz finíssimo, Iguape. O senhor quer?
O Senhor Ventura diz que não quer e o homem insiste. Daqui a instantes, lá vem outro, também fino, delicado e elegante:
— "Seu" Ventura, eu me lembro do senhor.
— Porque?
— A razão é simples. Tenho uma banha com pouca água.
São todos assim e os varejistas ou, como chama o povo, taverneiros, têm que atendê-los de hora em hora. Já lhes deram um nome muito engraçado; são os tocadores de realejo.
Não há mais essa espécie de necessitados; mas ficaram os caixeiros vendedores para substitui-los e atribular os varejistas, os vendeiros, que, às vezes, são a providência de muita gente pobre.
Entretanto, não são eles só perseguidos por esses rapazes vendedores. Há um flagelo maior; são os almofadinhas do comissariado. Conhecidos são eles por afinadores de piano.
Merecem muito esse apelido, mesmo não trazendo o diapasão.
Para eles não há necessidade disso. Basta para a sua economia política a tabela do comissariado e por parte dos afinadores do comissariado e as ordens do Vieira Souto.
Um pobre taverneiro sofre de ambos lados, isto é, por parte dos afinadores do comissariado e por parte dos tocadores de realejo. Eis aí a fortuna de um taverneiro.
Careta, Rio, 27-9-1919.