Eſtribillo.

Ay que neve que faz![1]
Pois o Sol com ſer hum fogo,[2]
Tremendo de frio eſtà.

Coplas.

Com fazer Sol eſta noyte,
Tal he a neve que faz,
Que o Sol he o que ſe derrete,
E ella em ſeu ponto ſe eſtà.

Mas com fazer tanta neve,
He muyto mais de admirar,
Ver que nos peytos humanos
Haja neve muyta mais.[3]

Nunca o Sol taõ bayxo eſteve,
Nem nunca fez frio tal,
Tanto, que Deos de o ſentir,[4]
Hoje ſe poem a chorar.

Jà mais a neve da terra
Chega ao fogo celeſtial,
Mas hoje ao fogo Divino
Pode eſta neve esfriar.

O Sol eſtà derretido,
O fogo nevado eſtà,
O lume eſtà congelado,
E a luz toda eſtà mortal.

Buſca o Sol em tanto frio,
E abrigo naõ pode achar,
Que nem lhe val hum veſtido
Nem hum palheiro lhe val.[5]

Sò acha abrigo, & reparo
Em hum peyto Virginal,
Que como a ſeu Filho o trata,
E elle a buſca como Mãe.[6]

Aqui ſò encontra os incendios
Remedios de tanto mal,
Que neſte peyto abrazado
Todo o Amor Divino eſtà.[7]

Eſtribillo.
Ay que neve, &c.

  1. Na versão de 1682: "Ay, ay, que neve que faz!"
  2. Na versão de 1706: "Que athe o Sol com ſer hum fogo"
  3. "Copla" ausente na versão de 1708
  4. Na versão de 1706: "Tanto que o Ceo de o ſentir"
  5. Na versão de 1708: "Buſca o Sol em tanto frio/ Abrigo, & vem a encontrar/ Immovel o ſenſitivo,/ Porque ingrato o racional."
  6. Na versão de 1682: "De huma Dama que no ſeyo/ O recolhe como Mãy."
  7. Na versão de 1682: "Que neſte peito os ardores/ De amor Divino lhe traz."