Bases da Ortografia Portuguesa/Introdução

Ex.mo Sr.

Para respondermos às perguntas que nos teem sido feitas acêrca da ortografia adoptada pelos editores técnicos da «Enciclopédia de ciéncia, arte e literatura — Biblioteca de Portugal e Brasil[1]» temos a honra de dirijir a V. Ex.ª esta circular, e rogamos-lhe que faça tão conhecidos, quanto em seu poder esteja, os fundamentos em que essa ortografia assenta.

Os princípios que servem de base à reforma ortográfica iniciada por nós ambos e usada ha dois anos pelo segundo signatário desta circular, em escritos particulares e oficiais, e em artigos publicados em alguns papéis periódicos, são resultado de estudo consciencioso e larga discussão dos iniciadores. São princípios deduzidos ou antes expressão dos factos glotolójicos examinados com rigor; são todos demonstráveis, e de simplicidade tal que os poderá compreender a sã intelijéncia, aínda que para ela sejam estranhos os estudos de glotolojia.

Vamos expô-los à apreciação pública desde já, e assim começará a preparar-se a crítica de todos os indivíduos, que, por se prezarem de Portugueses, não queiram que estranjeiros censurem não haver, para a nossa formosíssima lingua, ortografia científica e uniforme a que deva chamar-se Ortografia Portuguesa.

No futuro Congresso que temos a peito convocar breve, essa crítica será o único juíz a que todos nós os Portugueses havemos de nos sujeitar para adopção de ortografia portuguesa e rejeição absoluta de toda ortografia individual, seja quem for seu autor.

De V. Ex.ª

atentos veneradores

Lisboa, outubro de 1885.

A. R. Gonçalves Vianna. G. de Vasoncellos Abreu.

Notas editar

  1. Estão publicados: o 1.º vol. da Colecção científica «A Literatura e a Relijião dos Árias na Índia», por G. de Vasconcellos Abreu; e o 1.º vol. da Colecção literária «Mágoas de Werther», romance traduzido do orijinal alemão, de J.W. von Goethe, por A. R. Gonçalves Vianna.
    O custo de cada volume é de 300 réis, brochura, 400 réis, cartonado.
    Estes volumes por serem os primeíros, e particularmente «Werther», saíram com erros tipográficos que não devem ser levados à conta do sistema de ortografia.
    São editores técnicos A. R. Gonçalves Vianna, G. de Vasconcellos Abreu (a quem devem ser dirijidos os manuscritos e toda a correspondéncia), S. Consiglieri Pedroso, em Lisboa.
    São editores-impressores Guillard, Ailland & C.ª, em Paris.
    Todos nós, os que lemos, e mais aínda os que escrevemos para o público, sabemos quão diverjentes são as ortografias das várias Redacções e estabelecimentos tipográficos. Teem escritores suas ortografias próprias, como as teem as imprensas particulares e as do Estado. E nas do Estado são diferentes as ortografias da Imprensa Nacional e as da Imprensa da Universidade — estes plurais são a expressão real de um facto, sem censura pessoal.
    Com a exposição que vamos fazer dos princípios mais jerais em que assenta a reforma ortográfica, por nós iniciada, temos em vista mostrar, a todo o país capaz de pensar e ler, que o nosso intuito é realizar uma das verdadeiras condições da vida nacional — existéncia de ortografia uniforme e cientificamente sistemática a que deva chamar-se Ortografia Portuguesa.
    Sigamos dois bons exemplos a que largos anos deram ha muito já a sanção: o exemplo da Hispanha e o mais antigo da Itália. V. Ex.ª a quem dirijimos esta nossa exposição, honrar-nos ha dando-lhe a maior publicidade que puder; e por certo se julgará honrado se entender que com essa publicação presta bom serviço à pátria a quem devemos êste respeito.