O namoro prosseguiu assim durante alguns meses.

As duas amigas comunicavam regularmente as cartas e redigiam prontas as respostas. Às vezes divertiam-se em dificultar-lhe a situação. Por exemplo, uma dizia que iria ver tal procissão da rua tal número tantos, e que o esperava à janela às tantas horas, ao passo que a outra marcava a mesma hora para o esperar à janela de sua casa. João dos Passos arranjava como podia o caso, sem escapar nunca aos arrufos de uma delas, coisa que o lisonjeava sobremaneira.

As expressões amorosas das cartas de Mariquinhas e Lúcia eram contrastadas pelas boas caçoadas que faziam do namorado.

— Como vai o bobo?

— Cada vez melhor.

— Ontem, voltou-se tanto para trás, que esteve quase a esbarrar com um velho.

— Pois lá na Rua do Príncipe escapou de cair.

— Que pena!

— Não cair?

— Decerto.

— Tens razão. Tinha vontade de vê-lo de pernas para o ar.

— E eu!

— E o andar dele, já reparaste?

— Ora!

— Parece um boneco de engonço.

— Imposturando com a luneta.

— É verdade; aquilo há de ser impostura.

— Pode ser que não... porque ele tem realmente a vista curta.

— Isso tem; curtíssima.

Tal era a opinião real que as duas moças faziam dele, mui diferente da que exprimiam nas cartas que João dos Passos recebia com o maior prazer deste mundo.

Quando estavam juntas e o viam vir ao longe, a linguagem delas era sempre do mesmo gênero. Mariquinhas, cujo espírito era tão buliçoso como o corpo, rompia sempre o diálogo.

— Olha! olha!

— É ele?

— O cujo... Como vem engraçado!

— É verdade. Olha o braço esquerdo!

— E o jeitinho do ombro?

— Jesus! que rosa tamanha no peito!

— Já vem rindo.

— É para mim.

— É para mim.

E João dos Passos aproximava-se nadando num mar de delícias, e satisfeito de si mesmo, visto estar convencido de que realmente embaçava as duas moças.

Durou esta situação, como disse, alguns meses, creio que três. Era tempo suficiente para aborrecer a comédia; ela porém continuava, com uma modificação apenas.

Qual seria?

A pior de todas.

As cartas de João dos Passos começaram a não ser comunicadas entre as duas amigas. Lúcia foi a primeira que disse não receber cartas de João dos Passos, e não tardou que a outra dissesse a mesma coisa. Ao mesmo tempo já a pessoa do namorado lhes não causava riso, e sendo ele a princípio o objeto quase exclusivo da conversa de ambas, dessa data em diante foi assunto interdito.

A razão, como o leitor adivinha, é que as duas amigas, estando a brincar com fogo, vieram a queimar-se. Nenhuma delas, entretanto, lendo no seu próprio coração, chegou a perceber que igual coisa se passava no coração da outra. Estavam convencidas de que se enganavam muito habilmente.

E ainda mais.

Lúcia refletia assim:

— Ele, que já lhe não escreve e continua a escrever-me, é porque me ama.

Mariquinhas discorria deste modo:

— Não tem que ver. Ele acabou com o gracejo de escrever a Lúcia, e a razão naturalmente é que só eu domino no seu coração.

Um dia, a Mariquinhas arriscou esta pergunta:

— Então João dos Passos nunca mais te escreveu?

— Nunca mais.

— Nem a mim.

— Naturalmente perdeu a esperança.

— Há de ser isso.

— Tenho pena!

— E eu também.

E no seu interior a Lúcia ria da Mariquinhas, e a Mariquinhas ria da Lúcia.