Porque, afinal o que deve ser o casamento? Não é uma aliança de destinos que tem por mobil creador e belo adquirir a felicidade no exercicio do amor?
Traduzindo n'esse amor a expressão mais bela da vida não deve representar a união harmoniosa de dois séres partilhando igualmente todas as alegrias e todas as adversidades, fundidas no mesmo anhelo de reciproca felicidade sustentada n'um alicerce de ternura, de respeito, de delicadeza e abnegação mutua?
Essa união deve predispôr uma fórma de aperfeiçoamento e não uma fonte de martirio.
Deveria significar um tabernaculo de cristal jámais embaciado pela grosseria de expressões e pelo rigor de maneiras que ferem como espinhos bravos as naturezas sensiveis.
A's vezes uma palavra rude e injusta, causa mais mal que uma flecha envenenada atirada ao coração. Emquanto que a exortação carinhosa e branda estimula o desejo de aperfeiçoamento e a aspiração de agradar ao nosso companheiro.
A brandura e o carinho são raios de infinita doçura que vaporizam e adoçam a vida e consolam as naturezas mimosas. Dizia George Herber ― «As boas palavras não custam nada, entretanto são bem precisas e raras.»
¿Que expressões poderão traduzir as agonias de alma, os intimos desconsolos que desfibram o animo da mulher sujeita á humilhação continua e perturbante que lhe repudia sistematicamente as ideias, os actos, e as opiniões?! ¡Que desgosto intimo, ser retribuida no seu esforço de conforto e emoções gratas, com um desdem ou hostilidade contraditoria! Esmera-se em embelezar a vida interna com a subtileza do adorno, o feixe de flores que resplandece na meza, o acepipe que deleita o paladar, o cachet estetico que sobresai na disposição dos moveis. E em todos os seus movimentos o despotismo de uma contradição caustica, põe o selo do seu imperio dissolvente, do seu soberano desdem que afronta e magoa, que adoece e revolta.
E ás vezes, um gesto de graça e louvor, um sorriso de amoravel ternura, um estimulo que elogia, que anima e contenta, junto a um vislumbre de razão relativa aos direitos individuais, bastaria para manter n'um ménage civilizado a atmosfera luminosa e vivificante das fecundas e tranquilas felicidades.
A causa vem de longe. E' um eco de repetição da obscuridade barbara repercutida através de seculos gemendo em ondas de tortura que diz «esmaga a mulher, oprime-a porque ela é a presa do nosso dominio acorrentada ao nosso amor proprio materialista e absoluto».