A 13 de Novembro de 1853, encostado pensativo ao mastro de ré do vapor “Olinda,” transpunha a barra do Rio de Janeiro em demanda das costas de Portugal. Com que dor tinha os olhos fitos naquelas paisagens soberbas que pareciam apagar-se pela distância! Quando deixei de ver as vagas enroladas baterem nos rochedos; quando as montanhas que sé desenhavam ao longe, sumiram-se no horizonte, o pranto correu-me pelas faces, como nunca havia corrido. Eu chorava deveras como hoje suspiro saudoso, porque era a pátria que eu deixava; a terra onde nasci; porque lá ficava meu pai e minha mãe, meus irmãos, tudo que de mais caro tinha no mundo!

Ai! é triste e solene esse momento cruel. Vagando na amplidão dos mares, alongando saudoso a vista e os olhos só vêem o azul do céu confundir-se ao longe com o azul das vagas! Os joelhos trêmulos, dobram-se; os lábios ardentes de desespero murmuram meu Deus! minha pátria! minha mãe! o pranto corre livre e o peito arqueja e cansa.

E todas as noites quando pelo postigo do meu beliche via o firmamento salpicado de estrelas, soltava um suspiro. Quando no outro dia contemplava o sol no ocaso, dourando com seus raios moribundos as nuvens acasteladas no poente, suspirava também! Quisera ver esse mesmo céu estreitado nas lindas noites da minha terra, quando os raios da lua brincam com as flores do prado e adormecem nas águas quietas do rio. Quisera ver o astro do dia em vez de se mergulhar nas vagas, esconder-se por traz das colunas, refletindo seus pálidos e últimos fulgores na cúpula elevada do campanário da aldeia. Quisera ver tudo isso... e a pátria já estava tão longe!...

Depois, mais alguns dias de balancear monótono sobre as águas, e pisei terra estranha. Era este Portugal velho e caduco que hoje dorme um sono longo à sombra dos louros que ganhou outrora; era este Portugal que ainda repercute o tinir das armaduras e das espadas de seus guerreiros extintos; era este Portugal que ainda repete as doces harmonias exaladas de tantas liras sonoras; era este Portugal, pátria de meus avós, mas não minha pátria. Aqui fala-se a mesma língua que se fala no Brasil; aqui também há sol, há lua, há aves, há rios, há flores, há céu, mas o oi da minha terra é mais ardente, a lua mais suave, o canto das aves é mais terno, os rios são mais soberbos, as flores tem mais perfumes, o céu tem mais poesia.

Já dois anos se passaram longe da pátria. Dois anos! Diria dois séculos. E durante este tempo tenho contado os dias e as horas pelas bagas do pranto que tenho chorado. Tenha embora Lisboa os seus mil e um atrativos, ó eu quero a minha terra; quero respirar o ar natal, o ar embalsamado daquelas campinas ridentes; quero aspirar o perfume que exalam aqueles bosques floridos. Nada há que valha a terra natal. Tirai o índio do seu ninho e apresentai-o de improviso em Paris: será por um momento fascinado diante dessas ruas, dessas praças, desses templos, desses mármores; mas depois falam-lhe ao coração as lembranças da pátria, e trocará de bom grado ruas, praças, templos, mármores, pelos campos da sua terra, pela sua choupana na encosta do monte, pelos murmúrios das florestas, pelo correr dos seus rios. Arrancai a planta dos climas tropicais e plantai-a na Europa: ela tentará reverdecer, mas cedo pende e murcha, porque lhe falia o ar natal, o ar que lhe dá vida e vigor. Como o índio, prefiro a Portugal e ao mundo inteiro, o meu Brasil, rico, majestoso, poético, sublime. Como a planta dos trópicos, os climas da Europa infezam-me a existência, que sinto fugir no meio dos tormentos da saudade.

Feliz aquele que nunca se separou da pátria! Feliz aquele que morre debaixo do mesmo céu que o viu nascer! Feliz aquele que pode receber todos os dias a benção e os afagos maternos! Mil vezes feliz, por que não sente esta dor que me arranca do peito as lágrimas ardentes que me escaldam as faces. Mas eu conservo ainda a esperança, esse anjo lindo que nos sorri de longe. É quem deixará de ter esperanças? Só o desgraçado, que, crestada a fronte pelo hálito maldito das tempestades da vida, solta em um dia de desespero a blasfêmia atroz: não creio em Deus!... Só esse.

Eu, não. Estou na idade das ilusões; arde-me no peito o fogo dos meus dezessete anos; creio em Deus do fundo da minha alma, como o justo crê na recompensa divina. Sim, um dia verei a minha pátria, os meus únicos amores; um dia entre prantos e soluços abraçarei minha mãe; um dia... à sombra triste da funérea cruz descansarei na mesma terra que me viu nascer. Deus é justo. O dia em que devo sentir uma nova vida, chegará. Esperemos.

No dia 18 de Janeiro representou-se no teatro de D. Fernando a cena dramática “Camões e o Jau” primeira composição minha, ao menos a primeira que passou da pasta dos meus acanhados ensaios ao domínio da crítica. Ninguém é mais do que eu, cônscio dos inúmeros defeitos que tem. Bem se vê que essas notas são tiradas pelas mãos trêmulas de um novato, na mais humilde e desconhecida lira. No entanto foi recebida no meio dos bravos e aplausos.

Mas esses aplausos e esses bravos, compreendi-os bem. Não eram a coroa de louros que me lançaram, coroando o mérito da peça. Não. Eram as vozes de um povo amigo e hospitaleiro, que bradavam — “avante!” ao jovem que uma carreira das letras encetava o seu primeiro passo.

Obrigado, mil vezes obrigado. Dissestes: avante? Bem; eu tentarei prosseguir o trilho. Maldito o que espezinha sem piedade a flor que tenta desabrochar! Aos dois atores que a desempenharam tão bem, renovo os meus agradecimentos. São o sr. Braz Martins e o sr. Santos.

O sr. Braz Martins tem a sua reputação feita como escritor e como ator; não carece dos meus elogios. Só lhe podem negar o mérito literário e artístico, almas baixas movidas por paixões mesquinhas. Demais, digo-o aqui com franqueza, cabe-lhe dupla glória: foi ele quem me deu o pensamento da cena dramática. O sr. Santos é um jovem de bastante mérito, para quem o futuro sorri auspicioso. Um dia, nessa carreira despinhos, há de ter a fronte coroada de flores.

Agora, ofereço esta minha produção a duas pessoas, ambas no Brasil. É ao meu antigo lente e amigo o ill.º sr. Cristóvão Vieira de Freitas, e ao meu amigo e colega Cristóvão Corrêa de Castro, que segue o curso de direito na academia de S. Paulo.

Ao primeiro, peço que quando ler o “Camões e o Jau” vá riscando e emendando com o lápis os muitos versos duros que lhe ferirem os ouvidos. As suas emendas são regras para mim.

Ao segundo, que foi meu companheiro de estudos durante quatro anos no Instituto “Freese,” rogo de me recomendar a todos os colegas desse tempo tão feliz. Quando nos separamos em Nova Friburgo, de certo não foi para sempre. Ainda um dia hei de ouvir o canto melodioso e terno do Sabiá; ainda um dia nos veremos.

Lisboa, 27 de Março de 1856.