O dia abriu um explosão d’oiro, dum oiro inflamado de forja, trescalando perfumes, cheirando acremente à terra.

Tu, gárrula vivandeira dos prados, que ao primeiro rumor sonoro do teu coração amoroso, como ao alegre rufo bizarro dum tambor de guerra ou à esfuziante vibração matinal de uma trompa de caça, toda estremeces e fremes, voltas agora púrpura dos campos onde te fecundaste, desabrochaste e floriste logo em papoula.

E voltas mais púbere, mais virtual, mais mulher, porque sorveste o leite o leite virginal e sadio aos abundantes seios da Natureza.

Quando para lá foste, o teu corpo frágil, tênue, traspassado do azulado enraizamento arterial das veias, era quase diáfano, transparente, vitrescível quase, através do qual bem facilmente a aurora coaria os seus flavos raios rútilos, como através de um delicado e aromático filó finíssimo, cor-de-rosa e translúcido.

Além disso, quando para lá foste, eras infantil ainda, ainda a ave implume, e entrarias daí por diante, como por uma zona de sol, nesse luxurioso período genesíaco da mulher, quando suas formas se ampliam, se completam e perdem essa volatilidade aérea, o borboletismo, essa tonalidade vaporosa da primitiva graça, para irem aos poucos adquirindo opulências, exuberante vigor germinativo no sangue que as alimenta, enlabareda e fecunda, arredonda e turgesce triunfais e alucinantes no colo as duas polposas saliência carnudas, das quais, em busca da instintiva subsistência, pende, mais tarde, como astros no firmamento, o encanto virgem dos filhos.

Mas, agora que de lá chegas, vens florescente como a vinha verde, dum sabor de uva branca, inundada do palpitante pólen doirado da antera dos vegetais, das emanações revigorativas da planturosa paisagem. Trazes a

carne emadurecida, sazonada em fruto, exalando essências de campos, sutilíssimos eflúvios de vergéis, alastrada de brilhos quentes, de elétricas faíscas narcotizantes, como se o teu imaculado torso inteiriço irrompesse, brotasse do noivado da Natureza no mesmo veemente e original impulso das árvores e dos rios.

Perfeito, soberbamente rico e raro, Campagnarde! esse humor campestre, esse alagamento e deslumbramento de luz com que regressas da Vida, do seio livre da grande amplidão da saúde, onde tudo, afinal, são concentradas forças, pujanças novas para o sangue, renascimento para a carne.

Ninguém, por certo, calcula, a ninguém sugere, por certo, a alta realidade do quanto é salutar e é nobre e supremo bem que lá se goza nos campos e como o corpo abalado pelos inevitáveis golpes da matéria falível, resiste o espírito, o fluido nervoso, dando à existência o equilíbrio sereno.

Nenhum pincel colorista, nenhuma entranhada emoção ou visão impressionista d’arte, nenhuma perciptibilidade acústica de músico, poderá bem com exatidão apanhar a cor, o sentimento, a errante, dispersa harmonia que se eterifica na liberdade dos campos e que assim te penetrou pelo coração e pelos olhos, primorosamente enflorescendo e viçando no teu corpo de graça, lirial e formoso.

Abres a veludosa e cerejada boca e os teus esmaltados dentes rutilam - lisos e claros - enrijados nos ares puros, nas frescas águas correntes, nos frutos castos e doces. Falas, e atua voz, em músicas, desfolha notas de canção feliz da tu’alma; e a tua voz pelo espaço voa, voa, voa de eco em eco, infinitamente, inefavelmente, parecendo então reproduzir o teu nome, Campagnarde! Campagnarde! e eternamente desdobrá-lo, arremessá-lo ao longe, por colinas e vales derramá-lo, Campagnarde! Campagnarde!