CANÇÃO DO BEBADO

 

Na lama e na noite triste
Aquelle bebado ri!
Tu’ alma velha onde existe?
Quem se recórda de ti?

Por onde andam teus gemidos,
Os teus noctambulos ais?
Entre os bebados perdidos
Quem sabe do teu — jamais?

Porque é que ficas á lua
Comtemplativo, a vagar?
Onde a tua noiva nua
Foi tão depressa a enterrar?

Que flores de graça doente
Tua fronte vem florir
Que ficas amargamente
Bebado, bebado a rir?

Que vês tu nessas jornadas?
Onde está o teu jardim
E o teu palácio de fadas,
Meu somnambulo arlequim?

De onde trazes essa bruma,
Toda essa névoa glacial
De flôr de languida espuma,
Regada de óleo mortal?

Que soluço extravagante,
Que negro, soturno fél
Põe no teu ser doudejante
A confusão da Babél?

Ah! das lagrimas insanas
Que ao vinho misturas bem,
Que de visões sobrehumanas
Tu’alma e teus olhos têm!

Bocca abysmada de vinho,
Olhos de pranto a correr,
Bemdito seja o carinho
Que já te faça morrer!

Sim! Bemdita a cóva estreita,
Mais larga que o mundo vão,
Que possa conter direita
A noite do teu caixão!