1Cansado de vos pregar
cultíssimas profecias,
quero das culteranias
hoje o hábito enforcar:
de que serve arrebentar,
por quem de mim não tem mágoa?
verdades direi como água,
porque todos entendais
os ladinos, e os boçais
a Musa praguejadora.
Entendeis-me agora?

2 O falar de intercadência
entre silêncio, e palavra,
crer, que a testa se vos abra,
e encaixar-vos, que é prudência:
alerta homens de Ciência,
que quer o Xisgaravis,
que aquilo, que vos não diz
por lho impedir a rudeza,
avalieis madureza,
sendo ignorância traidora.
Entendeis-me agora?

3 Se notais ao mentecapto
a compra do Conselheiro,
o que nos custa dinheiro,
isso nos sai mais barato:
e se da mesa do trato,
de bolsa, ou da companhia
virdes levar Senhoria
mecânicos deputados;
crede, que nos seus cruzados
sangue esclarecido mora.
Entendeis-me agora?

4 Se hoje vos fala de perna,
quem ontem não pôde ter
ramo, de quem descender
mais que o da sua taverna:
tende paciência interna,
que foi sempre D. Dinheiro
poderoso Cavalheiro,
que com poderes iguais
faz iguais aos desiguais,
e Conde ao vilão cad'hora.
Entendeis-me agora?

5 Se na comédia, ou sainete
virdes, que um D. Fidalgote
lhe dá no seu camarote
a xícara de sorvete:
havei dó do coitadete,
pois numa xícara só
seu dinheiro bebe em pó,
que o Senhor (cousa é sabida)
lhe dá a chupar a bebida,
para chupá-la num'hora.
Entendeis-me agora?

6 Não reputeis por favor,
nem tomeis por maravilha
vê-lo jogar a espadilha
co Marquês, co grão Senhor:
porque como é perdedor,
e mofino adredemente,
e faz um sangue excelente
a qualquer dos ganhadores,
qualquer daqueles Senhores
por fidalgo igual o adora.
Entendeis-me agora.