Eu tinha um único amigo;
Tinha só um e não mais;
Vivia sempre comigo
No exílio da desventura;
Por mais feliz criatura
Não me deixava jamais.

Na minha infância primeira,
Meus débeis passos guiou;
Na pobreza, na cegueira,
Meu condão amenizava;
E quando a esmola faltava,
Ele nunca me faltou.

Era o meu único afeto,
Na cegueira o meu bordão;
Debaixo do humilde teto,
Quando a febre me prostrava,
Quem de meus males cuidava
Era só ele ─ o meu cão.

Todo o dia de ontem chamei-o,
Não latiu, não respondeu!
Já, como dantes, não veio!
Quem sabe si anda perdido,
Ou de algum ferro transido,
Quem sabe si não morreu?...

Ou quem sabe se a velhice
Do cego o amedrontou?
Talvez, o ingrato... o que disse?
Chamei-te ingrato, amigo!
Perdão! não sei o que digo!
Quem nem já sei o que sou!

Ingrato ─ não! Tua não tinhas
No peito envolto de cão,
Uma irmã dessas mesquinhas
Afeiçoes vis dos traidores,
Que vão sorrir ao senhores,
Nos régios palácios, não!

Ai de mim! Tão desgraçado,
Que nunca mais te hei-de ter!
Quem hoje ao cego acurvado
Ao peso de tantos anos
Quem virá, dentre os humanos,
Piedosa mão lhe estender?!

Quem lhe há de guiar os passos,
Mendigando o escasso pão?
Ou quem lhe há de abrir os braços,
Quando, à mingua de alimento,
Ficar na rua, ao relento?
Ninguém, ninguém... nem um cão!

Quem me vir o meu “Pardinho”,
Por piedade, pelos céus!
Tenha dó do coitadinho,
Que talvez definhe à fome,
E dê-lhe do pão que come,
Uma migalha, por Deus!

Mas, si o topar moribundo,
Pelo amor que a mãe lhe tem!
Diga-lhe que neste mundo,
O cego que ele guiou,
Quando o seu cão lhe faltou,
Morreu de fome também!