"Eu, o Infante Dom Henrique, Regedor e governador da ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, duque de Viseu e senhor da Covilhã, faço saber a quantos esta minha carta virem e o conhecimento dela pertencer que eu dou cargo a João Gonçalves Zarco, cavaleiro da minha casa, da minha ilha da Madeira da terra desde o Caniço dez passos como se vai pelo ribeiro acima e daí atravessa a serra até a ponta de Tristão, que ele dito João Gonçalves a mantenha por mim com justiça e direito e morrendo ele por mim praz que seu filho primeiro ou segundo, se tal for, tenha cargo pela guisa acima dita assim (...) de descendente por linha direita e sendo em tal idade o dito seu filho que a não possa reger Eu e os meus herdeiros poremos aí quem a reja e até que ele seja em idade para a reger.
Item me praz que ele tenha em esta sobre dita ilha a jurisdição por mim. E em meu nome do cível e crime ressalvando morte ou talhamento de membro que isto venha perante mim, porém sem embargo da dita jurisdição a mim praz que todos meus mandados e correição sejam aí cumpridos assim como em causa própria minha. Outrossim me praz que o dito João Gonçalves haja para si todos os moinhos de pão que houver na dita ilha de que assim lhe dou cargo e que ninguém não faça aí moinhos senão ele, ou quem lhe aprouver e isto não entenda em mó de braço que a faça quem quiser e não moendo a outrem nem atafonas senão ele ou quem lhe aprouver.
Item me praz que haja de todas as serras da água que aí fizeram, de cada uma, um marco de prata em cada ano, ou seu certo valor ou duas tábuas cada semana das que costumarem serrar pagando porém a nós o dízimo de todas as ditas serras. E isto haja também o dito João Gonçalves de qualquer engenho que aí fizer tirando vieiros de ferrarias ou outros metais.
Item me praz que todos os fornos de pão em que houver poia sejam seus, porém não embarque que quem quiser fazer fornalha para seu pão que a faça e não outro para nenhum.
Item me praz que tendo ele sal para vender que o não possa vender outro, senão ele, dando-o a ele a razão de meio real o alqueire ou a sua valia e mais não, e quando não tiver que o vendam os outros da ilha à sua vontade até que o ele tenha.
Outrossim me praz que tudo o que Eu houver de renda na dita terra que ele haja, de dez, um, e o que Eu hei-de haver na dita ilha e é contudo no foral que para isto mandei fazer por esta guisa me praz que haja esta renda seu filho ou outro seu descendente por linha direita que o dito cargo tiver.
Item me praz que ele possa dar por suas cartas a terra desta parte fora do foral a quem lhe aprouver, com tal condição que aquele aquem derem a dita terra a aproveite até cinco anos e não a aproveitando que a possa dar a outrem e depois que aproveitada for e a deixar por aproveitar até outros cinco anos que isso mesmo a possa dar. (...)
E por esta presente encomendo e rogo a todos os meus herdeiros e sucessores, que depois de mim vierem, hajam por firme esta minha carta e a cumpram e façam cumprir e guardar em tudo e por tudo assim e pela guisa que nela é contido, porque Eu fiz esta mercê ao dito João Gonçalves por ele ser o primeiro que, por meu mandado a dita ilha provoou e por outros muitos serviços que me fez. (...)
E mais me praz que os ditos vizinhos possam vender suas herdades aproveitadas a quem lhe aprouver. Outrossim me praz que os gados bravos possam matar os da ilha sem haver aí outra defesa, ressalvando o gado que anda nos ilhéus ou outro algum lugar cerrado que o lance aí o senhorio em testemunho da verdade lhe mandei dar esta minha carta assinada de minha mão e selada do selo das minhas armas. Dada em a minha vila, primeiro dia do mês de Novembro. Gil Fernandes a fez, ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quatrocentos e cinquenta."
Carta de doação da capitania da ilha da Madeira (parte ocidental), in SILVA MARQUES, Descobrimentos Portugueses.