XL
Outro género de perigo não menos urgente é o duns, que andam enfeitiçados com amigos ; seguem com êles caçadas, folguedos, banquetes, viagens, e tôdas as mais acções que traz consigo a ociosidade. Digo a v. m. que êste dano compreende mais aos homens de inferior sorte ; porque verdadeiramente entre os grandes são tam poucos os amigos, que assim como não há gozar dos proveitos da amizade, assim não há perigar dos inconvenientes dela ; mas dêles sempre se guarde.
Parecerá contudo mal, e será mau, que o casado escolha por amigo o solteiro, principalmente se êle é de vida solta ; porque como a amizade consiste na semelhança, por milagre tivera que o casado não fizesse o que visse fazer ao solteiro.
Dêstes os mais costumam dar maus conselhos, exortar ao casado que se não sujeite à mulher, e viva como livre. É manha antiga de nossa fraqueza folgarmos de fazer os vícios comunicaveis. Os doentes desconfiam de que haja quem se guarde de seu mal. Aqueles que padecem, ou afectam sua soltura, procuram de a pegar aos que vivem em devido recolhimento.
É para ser seguido, e acompanhado do bom casado, o casado de bom procedimento ; e dêstes sempre deve de ser o parente preferido. São bons para amigos aqueles, cujas mulheres são também amigas das mulheres próprias. Podem-se ajudar, e prestar nas ocasiões ; desabafa-se com êles o enfadamento familiar com mais confiança de compaixão, e remédio ; porque além de se referir a pessoa que os conhece, fica dito a pessoa, que outro dia pode fazer o mesmo.