XXX
Costumam alguns homens de grande sorte introduzir suas mulheres em suas pretensões, entendendo quantos grandes negócios se acabaram já por elas. Poucos são os casos, a meu juízo, em que me pareça lícito ficar um homem passeando, e mandar a sua mulher que vá falar, e requerer por êle. A prisão do marido, a honra da sua casa, do seu ofício, do seu título, a vinda do marido ausente, e risco de morte do filho : estas são, e não outras, as cousas que farão lícita esta diligência, sempre perigosa, e não sempre proveitosa.
Um certo ministro grande costumava dar audiência às senhoras fóra de sua casa, em um logar tam decente, que era demasiado recolhido. Levaram ali dous fidalgos suas mulheres para semelhante negociação ; e deixando-as lá, se saíram logo. Viam isto outros, e então disse um dêles : Certo que fulano, e fulano não fizeram bem de se saírem ; porque estando ali autorizavam o seu negócio. Respondeu outro : Hide-vos disso, que fulano, e fulana não são dos que querem autorizar o seu negócio ; são dos que querem fazer o seu negócio.
Nunca será bem acabada de louvar aquela sentença tam repetida do discretíssimo conde de Vimioso : Quem perde a honra pelo negócio, perde o negócio, e mais a honra.
Senhor N., nenhum prudente, nenhum honrado pretenda com riscos suas melhoras. ¿ Que há-de ganhar do por vir, quem logo de antemão entra perdendo ? Os bons mercadores seguram as encomendas de mór valia.
Seja a mulher honrada, como dizem que é o corpo santo, que não aparece senão nas grandes tempestades, e sempre para remédio delas. Acuda aos males de sua casa, aos trabalhos de seu marido, e de seus filhos. Procure salvá-lo, e salvá-los a êles. Seja sua voz, não seu requerente. Possa ser instrumento ao remédio da necessidade, não ao lôgro do interêsse.