Nice, meio de março de 1885

Quando li sua carta uma vez mais me tornei consciente da razão pela qual as mais admiráveis cabeças da Alemanha me consideram doido e porque chegaram a espalhar no exterior o boato de que eu havia morrido no hospício. Estou arrogante demais para considerar que alguém possa me amar, isto é, o amor requer a pré-condição de que a pessoa saiba quem eu sou. Tampouco acredito que eu vá amar alguém. Isto iria exigir – assombro dos assombros! – encontrar alguém do mesmo vulto que eu. Não esqueça que eu desprezo, tanto quanto sinto piedade, seres como Richard Wagner ou A. Schopenhauer, e que acho o fundador do cristianismo superficial comparado a mim; eu os amei todos enquanto não tinha entendido o que é o ser humano é.

Isto me afeta como um dos enigmas que pensei um dia – Como é possível que estejamos unidos pelo sangue? O que quer que tenha me ocupado, preocupado, ou elevado nunca trouxe-me um co-sabedor ou amigo! É uma pena que não haja nenhum Deus, porque existiria ao menos um sabedor – Enquanto eu estiver saudável, mantenho bom-humor suficiente para tocar minha função e me esconder do mundo sob esta função: por ora professor na Basiléia. Infelizmente, tenho estado muito doente e odiaria, inacreditavelmente, as pessoas que eu conheci, incluindo eu mesmo. -

Querida irmã, vamos deixar isto tudo entre nós – e você pode queimar logo esta carta. Se eu não foste um exemplo tão bom ou um ator, não toleraria viver mais nenhuma hora.

Para pessoas como eu, o casamento não se adequa: poderia ser apenas ao estilo de nosso Goethe [que casou eventualmente com Christiane Vulpius, uma costureira não-literata]. Eu nunca pensei em ser amado.

Quando lhe exibi minha grande raiva, foi porque você me forçou a abrir mão dos últimos seres humanos [Lou Salomé e Paul Rée] com os quais eu poderia falar sem tartufaria. Agora estou só.

Com eles, fui capaz de conversar sem máscaras acerca de coisas que me interessam. O que eles pensam sobre mim é completamente insignificante. Agora estou só.

Esconda de nossa mãe esta carta e —– [...]Não fique zangada por esta carta. Existe mais cortesia nela do que se, como de hábito, eu representasse uma comédia.