Turin, 23 de Maio de 1888

Prezado senhor,

[..] Por acaso, hoje uma questão casual me fez perceber que um dos mais básicos conceitos da vida foi apagado de minha consciência: o de "futuro". Nada desejo, nem um mísero traço de desejo eu sinto. Um quadro vazio! Será porque tenho vivido por tanto tempo às portas da morte que eu não mais abro os olhos para todas as atraentes possibilidades? O certo é que eu me confino a pensar dia após dia, que eu decido o que deve acontecer amanhã, e nenhum dia a mais! Talvez isto seja irracional, impraticável, e mesmo não-cristão - apesar daquele pregador da montanha ter proibido preocupações com "o amanhã" - mas certamente me abala de maneira filosófica. Respeito-me um pouco demais para isso. Parece que eu desaprendi a desejar, sem ao menos sequer tentar.

Nessas semanas tenho estado a "transvalorar valores". Você compreende esta expressão? Quando você a considera mais de perto, o alquimista aparece como o mais louvável dos homens: me refiro àquele que transforma algo insignificante ou desprezível em algo de valor, ou mesmo em ouro. Minha tarefa neste momento é completamente singular: pergunto a mim mesmo o que o gênero humano sempre odiou, temeu, e desprezou em geral - e justamente disso tenho feito o meu "ouro"...

Se ao menos eu não fosse acusado de falsificação! Ao invés disso, eu me restrinjo a isso.