João Coqueiro era fluminense e fluminense da gema. Nascera na Rua do Parto em uma das casas de seus pais, quando estes eram ricos.

Que o foram. Viera-lhes a fortuna do avô materno, um português ambicioso e econômico, que a conquistara no tráfico dos negros africanos; ao morrer legou à filha, ainda criança, para cima de quinhentos contos de réis. Esta, mais tarde, foi solicitada em casamento pelo homem a quem pertenceu para sempre — Lourenço Coqueiro, os maiores bigodes que nesse tempo negrejavam na Corte do Império.

Lourenço, todavia, era já um destroço quando casou. Do que fora e do que possuíra, apenas lhe restava, além do bigode, o hábito de não fazer coisa alguma; nos melhores grupos citava-se, entretanto, o seu ar distinto de fidalgo e falava-se com boa vontade de seus dotes pessoais e do seu belo espírito eternamente galhofeiro.

O casamento representou para ele uma tábua de salvação. A mulher adorava-o; tinha-o na conta de um ente superior; jamais vira homem tão lindo de rosto, tão insinuante no falar, tão delicado de maneiras.

Mas, pouco depois de casado, Lourenço começou a desgostá-la: era um nunca terminar de festas; a casa vivia num rebuliço constante; os intervalos das pândegas não davam sequer para a trazer arrumada e limpa. Quando não fossem bailes, eram passeios, piqueniques, manhãs no campo, dias passados na Tijuca ou no Jardim Botânico. Lourenço, às vezes, voltava ébrio, a cachimbar no fundo do carro, e a fazer carícias piegas à mulher, que ao lado, chorava silenciosamente. Ela, coitada! tinha muito medo sempre que o via nesse gosto, porque o demônio do homem dava então para brigar, mexia com quem passava, metia a bengala nos cocheiros e quebrava com os pés tudo que encontrasse no caminho.

Tiveram o primeiro filho — Janjão. Criancinha feia, dessangrada, cheia de asma. Até aos cinco anos parecia idiota: passavam os dois a babar-se debaixo da mesa de jantar ao pé de um moleque encarregado de vigiá-la.

A mãe desfazia-se em mil cuidadozinhos com a criança; era esta o seu enlevo, a sua vida. Mas o pai não estava por isso: — temia que o rapaz lhe saísse um maricas. Desejava-o forte, decidido!

E, com enormes sobressaltados da mulher, tomava-o pelas perninhas magras e suspendia-o no ar.

— Os homens assim é que se fazem, minha filha! dizia ele a rolar o pequeno entre as mãos.

E não admitia igualmente que o menino tivesse outra cama que não fosse um enxergão. Não o queria calçado, nem vestido e, em vez de estar ali a babar-se defronte do moleque, seria muito melhor que fosse correr para a chácara.

— Ele pode machucar-se, Lourenço, cair! observava a esposa timidamente.

— Pois deixa-o cair! deixa-o machucar-se! Quanto mais trambolhões levar em pequeno, melhor, depois se aguentará nas pernas!

— Mas ele é tão fraquito, coitadinho!

— Por isso mesmo! por isso mesmo precisamos torná-lo forte! E previno-te de que já é mais que tempo de acabar com esse insuportável tratamento de "Janjão!" Aqui não há janjões! Meu filho chama-se João! Tem o nome do avô, um herói, um fidalgo! Não desses que hoje se fazem aí a três por dois, mas dos legítimos, dos bons! — Entendes tu? — dos bons!

E inflamava-se, como sempre que se referia à sua procedência. Vinha, com efeito, de fidalgos: era sobrinho bastardo de um conde português.

À mesa exigia que o filho lhe ficasse ao lado e obrigava-o a comer bifes sangrentos e tomar vinho sem água.

Um dia a esposa revoltou-se:

— Pois tu vais dar conhaque ao menino, Lourenço?! exclamou ela escandalizada.

— Deixa-o cá comigo, senhora! Eu sei o que faço!

— Olha que isso pode sufocá-lo, homem de Deus!

— Qual sufocar o quê! Por essas e outras é que, para os estrangeiros, não passamos de "uns macacos"!

A mulher que se desse ao trabalho de saber como se fazia na Europa a educação física das crianças! Queria que ela visse a criação que tiveram D. Pedro e D. Miguel! E eram príncipes! — Entendia? — eram príncipes legítimos!

E, voltando-se para o filho, gritou, arregalando os olhos e soprando os bigodes, que já então se faziam cinzentos:

— Tu não queres ser um homem forte, João?! Queres ser um descendente degenerado de teus avós?!

Janjão olhou o pai com medo, e abriu a chorar.

— Aí tens o que procuravas! disse a mulher, correndo para junto do filho. — Assustar desse modo a pobre criança!

Janjão chorava mais.

— Isso! Isso é o que há de pôr pra diante! berrou Lourenço encolerizando-se. Beba já esse conhaque, menino!

— Deixa a criança!... suplicava a mãe. — Olha como treme o pobrezinho!... o coração parece que lhe quer saltar!...

E tomou-o ao colo.

— É melhor mesmo que leves daí esse mono! Tira-mo dos olhos! Já estou vendo a boa lesma que isso há de dar! — Mães ignorantes!...

Quando Janjão principiou a crescer, o pai levava-o a toda a parte, dava-lhe charutos, obrigava-o a tomar cerveja nos cafés. Foi, porém, uma campanha conseguir uma vez que o pequeno se assentasse por dois minutos na sela de um cavalo em que Lourenço havia chegado do seu passeio favorito a Botafogo.

Janjão, trêmulo da cabeça aos pés, agarrava-se com ambas as mãos nas crinas do animal e berrava pela mãe de toda a força de que era capaz. Tiveram de desmontá-lo para não o verem rebentar ali mesmo.

— Ora, como diabo havia de sair este mono! lamentava o pai desesperado. — Ninguém acreditaria que aquele choramingas era seu filho!

Não foram mais felizes com as primeiras tentativas de natação ou as primeiras experiências de atirar ao alvo: Janjão, só com a vista do mar ou a presença de um revólver, desatava a soluçar e a berrar pela mãe.

— Não! Isso agora hás de ter paciência! resmungava Lourenço. — Tu ao menos ficarás sabendo dar um tiro! Sou eu quem te assegura!

E, com muita sutileza, comprou para o filho uma bela pistolinha de brinquedo que estalava fulminantes, e depois uma outra, mais séria, que admitia carga de pólvora.

Janjão era, porém, cada vez mais refratário a tudo isso. Preferia ficar a um canto da sala, entretido a vestir os seus bonecos ou a fazer de cozinheiro. A mãe por esse tempo dava-lhe uma irmãzinha, que se ficou chamando Amélia, e desde aí o maior encanto do menino era tomar conta do caixão em que estava a pequerrucha toda envolvida em panos, e não consentir que as moscas lhe pousassem na moleira.

Um dia, o pai, descendo ao quintal, encontrou-o muito empenhado com o moleque a armar um oratório. Iam fazer procissão: o andor e o santo estavam prontos; uma sombrinha enfeitada de franjas, faria as vezes de pálio.

Lourenço ficou desesperado, e com dois pontapés reduziu tudo aquilo a frangalhos.

— Era o que lhe faltava! — que o basbaque do filho, além de tudo, lhe saísse carola!

E quando subiu, disse terminantemente à mulher que não admitia que o filho corrompesse o espírito com as patacoadas daquela ordem.

— Se me constar, bradou ele ao pequeno — que me tornas a fazer igrejinhas, racho-te de meio a meio, pedaço de uma lesma! Ora vamos a ver! Cai noutra, e terás uma sapeca que te deixa a paninhos de sal! Experimenta e verás!

Ele queria lá filhos devotos! Era só o que lhe faltava! Era só! Aquele menino parecia o seu castigo! parecia a sua maldição!

Aos doze anos Janjão entrou para o internato de Pedro II. A princípio custou-lhe bastante compreender as lições, mas, como era muito estudioso e muito paciente, os professores em breve o elogiavam. Tinham-no em boa estima pelo seu espírito católico, pela docilidade de seu gênio e pelo irrepreensível de sua conduta. João Coqueiro, de fato, fora sempre um menino sossegado metido consigo, respeitador dos mestres e dos preceitos estabelecidos, devoto e extremamente cuidadoso de seus livros e de suas obrigações. Ninguém lhe ouvia palavra mais áspera ou gesto menos conveniente, e às vezes entrava pela hora do recreio grudado aos livros sem os querer deixar.

O pai via-o então com orgulho. Profetizava já que ali estivesse um sábio.

Tirou distinção nos primeiros exames. A mãe quase morre de alegria. Lourenço quis solenizar o acontecimento com um banquete correlativo; mas as suas condições de fortuna já não eram as mesmas; o dinheiro ia minguando de um modo assustador. Se lhe viesse a falhar uma especulação, em que se havia lançado ultimamente, como recurso extremo — Adeus! estaria tudo perdido! a ruína seria inevitável!

Fez-se a festa, não obstante, e o menino voltou aos estudos.

Mas Lourenço principiava a sofrer gravemente de uma lesão cardíaca. Tinha ataques nervosos, sufocações, e caía, de vez em quando, em fundas melancolias, durante as quais se enterrava no quarto, sem poder suportar a presença de ninguém, muito frenético, cheio de apreensões, com grande medo de morrer.

A mulher assustava-se: o marido não lhe parecia o mesmo homem. Estava acabado; crescera-lhe o ventre, o nariz tomara uma vermelhidão gordurosa, o cabelo encanecera totalmente, a cabeça despira-se, a pele do rosto fizera-se opaca e suja. Comprazia-se agora ir à noite pelas igrejas, embrulhado na sua sobrecasaca russa, apoiando-se à grossa bengala de cana-da-índia, os pés à vontade em sapatos rasos. Ajoelhava-se a um canto da nave, em cima das pedras, e aí permanecia longamente, a ouvir os sons lamentosos do órgão, com o rosto descansado sobre as mãos que se cruzavam no castão da bengala.

Às vezes chorava.

Seu estômago irritado já não queria os alimentos; era preciso enganá-lo de instante a instante com um pouco de noz-vômica ou carbonato de magnésia. Não se lhe podia suportar o hálito.

Quando recebeu a notícia de que a sua especulação falhara, estava no quarto, não conseguiu sair do lugar em que se achava. Uma onda vermelha subira-lhe à cabeça: os objetos principiaram a dançar-lhe em torno dos olhos; o chão fugia-lhe debaixo dos pés. Tentou ainda dar alguns passos, mas cambaleou e caiu afinal sobre as pernas embambecidas — como uma trouxa.

Morreu no dia seguinte.

A família ficou pobre. Foi preciso vender o melhor de dois prédios que restavam, para saldar as dívidas do defunto.

A viúva principiou então a tomar encomendas de costura e de engomagem.

Isso, porém, não bastava; era necessário, a todo o transe, que o menino continuasse nos estudos. Em tal aperto, lembrou-se a pobre mãe de admitir hóspedes; a casa que ficou tinha bastante cômodos e prestava-se admiravelmente para a coisa.

Vieram os primeiros inquilinos; arranjaram-se fregueses para o almoço e jantar, e o órfão prosseguiu nas suas aulas.

Dentro de pouco tempo, o sobrado da viúva de Lourenço era a mais estimada e popular casa de pensão do Rio de Janeiro.

Foi nela que Janjão se fez homem. Aí o viram bacharelar-se e aí se matriculou na Escola Central. A irmã respeitava-o como a um pai.

Amélia, por conseguinte, cresceu em uma — casa de pensão. Cresceu no meio da egoística indiferença de vários hóspedes, vendo e ouvindo todos os dias novas caras e novas opiniões, absorvendo o que apanhava da conversa dos caixeiros e estudantes irresponsáveis; afeita a comer em mesa redonda, a sentir perto de si, ao seu lado, na intimidade doméstica — homens estranhos, que não se preocupavam com lhe aparecer em mangas de camisa, chinelas e peito nu.

Ainda assim deram-lhe mestres. Aprendera a ler e a escrever, tocava já o seu bocado de piano e — se Deus não mandasse o contrário — havia de ir muito mais longe.

Um novo desastre, veio, porém, alterar todos esses planos: a viúva de Lourenço, depois de dois meses de cama, sucumbiu a uma pneumonia.

João Coqueiro estava então no segundo ano da Politécnica; Amélia a fazer-se mulher por um daqueles dias; parentes — não os tinham... capitais — ainda menos... Como, pois, sustentar a casa de pensão?... Oh! Era preciso despedir os hóspedes, alugar o prédio, abandonar os estudos e obter um emprego.

Arranjou-o de fato — na estrada de ferro de Pedro II. Coqueiro dissolveu logo a casa de pensão e foi mais a irmã residir em companhia de uma francesa, muito antiga no Brasil, e que durante longo tempo se mostrou amiga íntima da defunta.

Chamava-se Mme. Brizard.

Era mulher de cinquenta anos, viúva de um afamado hoteleiro, que lhe deixara muitas saudades e dúzia e meia de apólices da dívida pública.



Estava ainda bem disposta, apesar da idade. Gorda, mas elegante com uns vestígios assaz pronunciados de antiga formosura. Tinha os olhos azuis e os cabelos pretos, no tipo peculiar ao meio-dia da França. Carne opulenta e quadril vigoroso.

Notava-se-lhe a boca, com um desses lábios superiores que formam como duas camadas; o que aliás não obstava a que Mme. Brizard tivesse um sorriso gracioso, e ainda tirasse partido da brancura privilegiada de seus dentes. Mas a sua riqueza e a sua vaidade era o pescoço, um grande pescoço pálido, cheio de ondulações macias a fartas.

Nascera em Marselha.

Depois de certa idade tornara-se muito caída para o romantismo: desde então apreciava uma noite de luar; dava-se à leitura prolongada de poetas tristes; fazia-se mais infeliz do que era de fato, e contava a todos a sua história. — Um romance!

"Aos quinze anos saíra da família pelo braço de um diplomata russo, que a idolatrava; — ia casada. O russo tresandava a genebra e recendia sarro de cachimbo; ela abominou-o logo, abominou-o entre uma enorme corte de adoradores fascinados por sua beleza e sequiosos por um de seus sorrisos; era, porém, honesta: — conservou-se pura e fiel ao marido."

Mme. Brizard quando chegava a este ponto de romance, abaixava os olhos, levando lentamente o leque à boca para disfarçar um suspiro.

"Enviuvou aos vinte anos; o russo não lhe deixara filhos; — voltou à família. Aí lhe apareceu então Mr. Brizard, homem de talento, político e escritor, grande republicano. A subida de Luís Felipe ao trono atirou com ele ao Brasil, onde se fez hoteleiro.

Tiveram aqui três filhos; duas mulheres e um homem. Este era o último e muito se distanciava das irmãs em idade; quando lhe faltou o pai tinha apenas sete anos.

A filha mais velha representava a glória da família: unira-se a um ministro plenipotenciário; a outra, coitada, não casou mal, porém com a morte do marido e de um filhinho que lhe ficara, tornou-se muito nervosa, histérica, e até meio pateta; agora vivia e mais o irmão em companhia da mãe."



Nessas condições, a proposta de João Coqueiro pareceu vantajosa a Mme. Brizard — Ele que trouxesse a irmã, a bela Amelita, e tudo se arranjaria pelo melhor.

Juntaram-se. Mme. Brizard revelou pronto interesse pelos dois hóspedes, principalmente pelo "Coqueirinho", como lhe chamavam em família. Fazia-se muito carinhosa com ele, queria ser a sua "segunda mãe", apreciava-lhe o talento, e andava a mostrar os versos do rapaz a todas as pessoas que apareciam à noite, para as torradas.

Reuniam-se em volta da mesa de jantar; iam buscar o loto e jogavam. Coqueiro lia a um canto, ou ficava no quarto, a cachimbar soturnamente, olhando o fumo e cismando na vida.

Mme. Brizard fazia perfeitamente as honras da casa; dava-se por mulher de muito espírito e de uma educação peregrina. Se havia então alguém que a visitasse pela primeira vez — a coisa ia mais longe. Desenfiava os seus melhores ditos, contava, como por incidente, as suas anedotas de mais efeito, falava gravemente de sua filha casada com o ministro e exibia todos os seus conhecimentos literários.

Que os tinha, inegavelmente. Lamartine lá estava no quarto dela, sobre o velador, encadernado com esmero. Mas não desdenhava os poetas brasileiros e lia Camões. Uma sua amiga, muito chegada, dizia que lhe ouvira páginas inéditas de um livro sobre o Brasil — livro para fazer "sensação"!

Mme. Brizard confirmava este boato, sorrindo com modéstia.

João Coqueiro, esse, não sorria, ao contrário, parecia cada vez mais triste; passava tempos sem aparecer a ninguém, depois que largava o trabalho. Por mais de uma vez houve quem lhe visse lágrimas nos olhos.

A francesa, que se achava então no seu período mais agudo de sentimentalismo, respeitava muito as melancolias do pobre moço, falava a respeito dele com a voz baixa, cheia de um acatamento religioso. Só lhe passava pelo quarto na pontinha dos pés, e, quando o triste hóspede saía para o emprego, ela corria a lhe arrumar a mesa, com desvelo, ordenando os livros, reunindo os papéis esparsos, lendo, sobre a pasta, os versos começados na véspera.

Uma tarde, acharam-se os dois um defronte do outro, assentados sozinhos na varanda da sala de jantar, que dava para um lugar plantado de bananeiras. O sol descia lentamente no horizonte por uma escadaria de fogo; as cigarras estridulavam no fundo da chácara; a noite ia emanando.

Coqueiro olhava à toa para isso, absorto e mudo; depois, suspirou e escondeu o rosto nas mãos, Mme. Brizard passou-lhe um braço no ombro.

— Coqueirinho! que é isso?...

Queria saber o motivo daquelas tristezas. Começou a interrogá-lo, com a voz untuosa, cheia de amor.

Ele então falou abertamente de suas aspirações, de seus estudos interrompidos, de sua incompatibilidade com o emprego que exercia.

— Sou muito caipora! exclamava. — Sou muito caipora!

E chorava.

Mme. Brizard procurou consolá-lo, falou do futuro, lembrou a idade de Coqueiro e aconselhou-o a que não desanimasse.

Foi daí que lhes veio a idéia do casamento.

Mme. Brizard era muito mais velha do que ele, mas talvez por isso mesmo, fosse a esposa que melhor lhe convinha.

— Ah! ela estava no caso de fazê-lo feliz, porque o amava! Oh! se o amava! Seria talvez uma loucura; talvez viessem a censurá-la; — ela mesma não sabia explicar o que aquilo era, como aquilo acontecera! Mas dava a sua palavra de honra, jurava pela memória de seu pai — em como nunca sentira por ninguém o que então sentia por Coqueiro! Ah! sabia perfeitamente que bem poucos compreenderiam a sua paixão! Sabia que muitos haveriam de ridicularizá-la, haveriam de escarnecê-la; ela própria, até ali, nunca imaginara que se pudesse amar tanto!... Durante a sua vida nunca se sentiu tão possuída por uma idéia, tão escrava, tão vencida, como naquele instante! Contudo, se desejava o casamento não era decerto pelo fato de possuir um homem. — Oh! não! — deixava isso para as almas grosseiras... e Coqueiro bem sabia o quanto seu coração tinha de espiritual e de puro!... Desejava aquele enlace para licitamente poder aplicar todo o seu esforço, toda a sua coragem, todas as suas diligências, na conquista de um bom futuro para o esposo. Queria casar-se, porque entendia que isso se tornava necessário à felicidade de Coqueiro. Toda a sua vida, todos os seus recursos, dela, seriam empregados para o mesmo fim: — facultar ao marido os meios de estudar, os meios de crescer, desenvolver-se, luzir. Alcançasse ele um nome, uma posição brilhante, uma atitude gloriosa, e tudo o mais lhe seria indiferente. Que lhe importava o resto?... Se ela, porventura, fosse esquecida, fosse desprezada, se viesse mesmo a falecer dali a pouco tempo — que valia tudo isso, se o objeto de seus extremos era ditoso e vivia cercado de admiração e de aplauso?...

E Mme. Brizard, depois de falar na posteridade e depois de convencer ao Coqueiro de que aquele casamento era um dever sagrado, pois que não realizá-lo equivalia a privar o Brasil de uma de suas glórias futuras e ao século um de seus vultos talvez mais grandiosos, Mme. Brizard, depois disso, entrou nos pormenores de seu plano.

— Uma vez casados, ressuscitariam a antiga casa de pensão. Ela dispunha de algum dinheiro; o outro dispunha de um prédio: — era restaurá-lo e dar começo à vida! Coqueiro abandonaria o emprego e voltava de novo aos estudos; ela encarregava-se da gerência da casa e, nesse ponto, deixando de parte a modéstia, supunha-se mais habilitada que ninguém.

Até já tinha projetos, já tinha as suas idéias sobre a instalação da casa!... Sentia-se disposta a trabalhar por vinte!... Coqueiro havia de ver! Seu estabelecimento seria uma casa de pensão modelo! Coisa para dar "uma fortuna e render à Amelinha um bom casamento. — Um casamentão!" Ah! Ela, a francesa, sabia perfeitamente como tudo isso se arranjava no Brasil.

E concluiu, jurando ainda uma vez, que — para si não queria nada! que só desejava a felicidade do Coqueiro e de sua irmã, dele.

Era assim que entendia o amor!

Três meses depois estavam casados.

Boquejou-se alegremente sobre isso na Escola Politécnica. Os amigos de Coqueiro acharam ocasião de rir, e a tal mulher do ministro plenipotenciário, a glória da família, escreveu à mãe uma carta carregada de recriminações, declarando que nunca lhe perdoaria semelhante loucura. — Loucura de que para o futuro haveria Mme. Brizard de se arrepender muito seriamente.

Os recém-casados fecharam, porém, ouvidos a tais palavras e cuidaram de ir pondo em prática os seus novos planos de vida.

Meteram mãos à obra. Coqueiro deixou o emprego, contratou um empreiteiro para restaurar o seu velho prédio da Rua do Resende, e a casa de pensão de Mme. Brizard (como teimosamente insistiam em lhe chamar a mulher), surgiu ameaçadora, escancarando para a população do Rio de Janeiro a sua boca de monstro.