O guarda-livros, no dia seguinte pela manhã declarou a Mme. Brizard que se retirava da casa de pensão.

— Oh! disse. — Não estava disposto a suportar por mais tempo aquele zungú! os seus vizinhos eram uma gente impossível! — Não se passava uma noite em que não houvesse chinfrinada!... Não! definitivamente não podia ficar! De mais — o tísico do n.º 7 não lhe dava um momento de descanso com o diabo de uma tosse, que parecia aumentar todos os dias! Nada! antes tomar um quarto no inferno!

Mme. Brizard e o marido procuravam dissuadi-lo de tal resolução. Não lhes convinha perder um hóspede tão bom.

O guarda-livros, com efeito, era muito pontual nos pagamentos e não incomodava pessoa alguma, porque só queria o quarto para dormir; verdade é que não fazia o gasto de comida, mas em compensação estava sempre a encomendar ceatas e jantares que deixavam bem bom lucro.

A ter por conseguinte, de sair alguém, antes fosse o tal rabequista, o tal Paula Mendes, que, sobre possuir uma mulher insuportável, achava-se já atrasado nas suas contas, e os donos da casa não viam muito certo o recebimento.

Catarina, assim que soube de semelhantes considerações, desceu em três pulos ao primeiro andar e, atravessando-se defronte de Coqueiro, com as mãos nas ilhargas, gritou-lhe, refilando as presas:

— Repita você o que teve o atrevimento de dizer a meu respeito e a respeito de meu marido! Repita aí, se for capaz, que lhe mostro já para o quanto presto, seu cara de fome!

João Coqueiro, muito pálido e com o lábio superior a tremer, exclamou que "sua casa não era Praia do Peixe"; que ele não estava habituado "àqueles banzés"! Quem quisesse dar escândalos que fosse lá para o meio da rua, que se fosse entender com as regateiras!

— Regateiras e regateiros são vocês, corja de gatunos! replicou a outra.

Mme. Brizard, que por essa ocasião, ainda no quarto, enfiava as botinas, acudiu logo, um pé calçado e outro não, e, com tal fúria avançou contra a mulher de Paula Mendes, que Amélia, Coqueiro e Nini não a puderam conter.

As duas atracaram-se.

Os hóspedes, que estavam em casa, acudiram todos igualmente. Houve bordoada, gritos, palavrões. Nini teve um ataque de nervos.

O ilustre Lambertosa levou vários empurrões e caiu contra uma cesta de ovos, que o copeiro acabava de pousar no chão, para socorrer às senhoras.

E, no meio de toda esta desordem, destacava-se a voz sibilante do advogado Tavares.

— Calma, senhores! calma! bradava ele. — Calma por quem sois! Esquecei-vos de que a única arma do homem civilizado deve ser a palavra, escrita ou falada, mas a palavra, a idéia enfim?!... Esquecei-vos de que cada um de vós possui um cérebro, onde reside uma partícula da sabedoria divina, e que só com esse cabedal podeis cruzar as vossas opiniões, sem que seja necessário vos agatanhardes como animais ferozes?!... Virgílio, meus senhores, o imortal Virgílio, o verdadeiro fundador da eloquência, diz muito acertadamente na sua Eneida, livro IV, com referência à desditosa Dido — Rendet que iteram narrantis ab ore! Se podemos, pois, convencer com palavra, para que havemos de recorrer aos murros?!...

E, louco do costumado entusiasmo, dava punhadas frenéticas na mesa e perguntava em torno com os olhos enviesados e as cordoveias intumescidas:

— E o que dizia Salomão?! E o que dizia Salomão, na sua inquebrantável sabedoria?! Salomão, meus senhores...

Mas o orador foi interrompido violentamente por Coqueiro, que desejava saber se ele podia dispensar o seu quarto ao guarda-livros e mudar-se para o n.º 6 do segundo andar.

Haviam combinado essa mudança enquanto o tagarela discursava.

— Salomão! Sr. Dr. Coqueiro, Salomão foi um prodígio!

— Pois bem, já sabemos disso, e agora o que nos convém saber é se V. S. cede ou não cede o seu quarto...

Mas não foi necessário tal assentimento, porque Amâncio, depois de um sinal de Lúcia, declarou que cederia o seu gabinete por qualquer um dos quartos do segundo andar.

Coqueiro espantou-se. — Querer trocar o gabinete por um quarto do segundo andar!... Ora, seu Amâncio!

— Faz-me conta, respondeu secamente o provinciano. E, chegando-se para o locandeiro, acrescentou-lhe ao ouvido: — Logo mais te direi a razão por quê...

Ficou resolvido que o guarda-livros passaria a ocupar o gabinete de Amâncio; este iria para o n.º 6, e Paula Mendes e mais a mulher deixariam de comer à mesa de Mme. Brizard, continuando, porém no n.º 5, até que liquidassem as suas contas.



Na tarde desse mesmo dia, como fizesse bom tempo, as senhoras combinaram tomar o café na chácara. Mme. Brizard, Amelinha, Lúcia e Nini, mal acabaram de jantar, desceram ao terraço. Coqueiro e Amâncio já iriam também para o cavaco. — Tinham primeiro que dar dois dedos de conversa.

Os dois rapazes meteram-se no vão de uma janela da sala de visitas, e Amâncio, com acentuações de quem detesta imoralidades, disse ao outro, sem transição:

— Coqueiro, estou aqui há pouco tempo, mas estimo tua família, como se fosse a minha própria, e, por conseguinte, entendo que é do meu dever abrir-me contigo sempre que nesta casa descobrir qualquer coisa que possa ter consequências graves...

— Mas que há? perguntou o outro a fitá-lo, com muito empenho.

— Trata-se de Nini, disse o provinciano em voz soturna.

Coqueiro remexeu-se no canto da janela.

— Sabes, continuou aquele — que a pobre menina sofre horrivelmente dos nervos, e creio que até que tem qualquer desarranjo na cabeça...

— Sim, por quê?

— É uma enferma, que, se não tivermos muito cuidado com ela, pode vir a dar sérios desgostos a ti e a tua família....

— Mas desembucha, o que é que houve?...

— É que ela, naturalmente em consequência da moléstia, coitada, às vezes faz certas coisas que... para mim ou qualquer outro rapaz de bons princípios não valem nada, mas que, se caírem nas mãos de um desalmado... sim! Tu bem sabes que há homens para tudo neste mundo!...

E Amâncio, inflamado pelos princípios morais que ele só cultivava teoricamente, parecia mais que ninguém preocupado com a pureza dos costumes.

— Mas afinal, que fez ela? Perguntou Coqueiro, impacientando-se.

— Ora, disse o colega, desgostosamente — tem feito o diabo... Ainda ontem, quando me levantei da mesa, seguiu-me até à sala e...

— E...

— Principiou a fazer tolices. A pobrezinha estava como não calculas!... Tive que recorrer à violência para contê-la; o resultado foi aquele ataque!...

E vendo o ar de espanto que fazia Coqueiro:

— Digo-te isto, porque me parece que tenho obrigação de te dizer; se, porém, faço mal, desculpa!...

— Mal? ao contrário! decerto que ao contrário! Fico-lhe muito grato!

E abraçando-o:

— Acabas de provar que és homem de bem! A tua ação é de um verdadeiro amigo: não imaginas o quanto eu a aprecio.

— Cumpri com o meu dever... observou o provinciano modestamente.

— Obrigado! muito obrigado! Fico prevenido. De hoje em diante não acontecerá outra!

— E agora, compreendes a razão por que não me convinha ficar embaixo, no gabinete?... concluiu Amâncio.

— Oh!... Isso, porém, não era motivo para que deixasse o seu gabinetezinho... Eu daria as providências necessárias!...

— Não, filho, nestas questões de família sou muito rigoroso. E agora, o que está feito, está feito! Vou para o segundo andar; é até mais fresco!...

E, depois de ainda algumas ligeiras considerações sobre o mesmo assunto, os dois rapazes trocaram comovidos um enérgico aperto de mão e desceram juntos à chácara, onde, debaixo das latadas de maracujá, os esperavam as senhoras, palestrando em familiar camaradagem.



Dias depois, quando Amâncio já estava transferido para o n.º 6, do segundo andar, chegaram às mãos duas cartas; uma de sua mãe, outra de seu pai.

Era a primeira vez que o velho Vasconcelos se dirigia ao filho em carta especial.

Abriu logo a de Ângela, sofregadamente, e a imagem da santa, que as últimas agitações da vida do rapaz haviam nublado por instantes, como nuvens que escondem uma estrela guiadora, mal começou a leitura, ressurgiu inteira e lúcida à memória dele.

A boa mãe queixava-se de que o filho, ultimamente, já lhe não escrevia com a mesma assiduidade e com a mesma expansão: "Que significava semelhante mudança? Donde vinha aquela reserva? por que aqueles bilhetes tão apressados, quase telegráficos?"... perguntava ela com a sua letra redonda e um pouco trêmula. "Por que não me escreves mais amiúde e mais extensamente?" insistia a carta, "porque, meu querido filho, não me contas toda a tua vida; não me dizes como passas, e em que te ocupas? Desejo saber se Campos continua a ser teu amigo, se na casa dele continuas tratado como dantes. Quero que me relates tudo, tudo que te diga respeito, meu Amâncio. Se soubesses a falta que tu me fazes, os cuidados que me dá a tua ausência, com certeza serias melhor para tua mãe."

E, sempre a mesma, sempre extremosa, sempre com o filho na idéia, enviava-lhe conselhos, recomendava-lhe certas precauçõezinhas; as medidas que devia tomar contra tais e tais perigos; o modo pelo qual devia proceder em tais e tais situações.

Amâncio releu várias vezes o que lhe dizia Ângela e respirou largamente como quem sai de um quarto apertado para um grande ar livre. Mas se a carta materna o impressionou a outra surpreendeu porque de tão afável e condescendente não parecia derivar daquele terrível Vasconcelos que até em sonhos o aterrava e sim das mãos amigas de um velho camarada dos bons tempos da infância.

Estranhou-o logo, desde as primeiras palavras.

"Meu filho."

Até então, nunca recebera de seu pai esse carinhoso tratamento. Vasconcelos nem ao menos o tratara por tu; nunca lhe dera a beijar a mão ou a face, nunca lhe abrira, enfim, o coração, quando este se achava ainda brando e maleável, para depor aí as sementes de ternura, que desabrochariam mais tarde produzindo os bons sentimentos do homem.

Como exigir de Amâncio, que tivesse agora as virtudes que, em estação propícia, lhe não plantaram na alma? Como exigir-lhe dedicação, heroísmo, coragem, energia, entusiasmo e honra, se de nenhuma dessas coisas lhe inocularam em tempo o germe necessário?

Ele, coitado, havia fatalmente de ser mau, covarde e traiçoeiro. Na ramificação de seu caráter a sensualidade era o gamo único desenvolvido e enfolhado, porque de todos só esse podia crescer e medrar sem auxílios exteriores.

Vasconcelos, por conseguinte, chegou tarde; encontrou já enrijado e duro o coração do filho.

E, no entanto, toda a sua carta vinha finada por aquelas primeiras palavras. Agora, de longe, fazia o que, por inépcia, nunca fizera de perto — dirigia-se amorosamente ao rapaz. Contava-lhe novidades da província, comentava certos fatos escandalosos, falava sem reservas de umas tantas coisas, das quais até aí nunca se permitira tratar na presença de Amâncio.

O tópico seguinte levou o provinciano ao cúmulo da admiração:

Não digo que te faças um santo, mas também não te afogues no torvelinho dos prazeres. Goza, meu filho, por isso que és moço, goza, porém, com prudência e com juízo; diverte-te mas evitando sempre tudo aquilo que te possa prejudicar. Lembra-te de que saúde só tens uma, e moléstia há muitas. O mundo não se acaba! Adeus. Nunca deixes de me escrever e, quando te vires aí em qualquer apuro, fala-me com franqueza."

Tudo isso vinha tarde. Muita coisa, à semelhança do leite materno, só nos aproveitam até certa época. Depois, em vez de fazerem bem, fazem mal.

As palavras de Vasconcelos que, aplicadas no tempo competente, dariam ótimos resultados em benefício do filho, eram agora para este um simples pretexto de galhofa. Amâncio sorriu da aparente transformação de seu pai.

— Ora para que havia de dar o velho!...

Não obstante, um vago sentimento, ao mesmo tempo amargo e agradável, apoderou-se dele. Desfrutava certo gosto em merecer aquela intimidade paterna; mas, por outro lado, doía-lhe a consciência por não ter sido melhor filho; como se o pobre rapaz de qualquer forma contribuíra para semelhante falta.

E, então, acudiu-lhe à memória uma circunstância de que jamais se havia lembrado — a despedida do pai. Vasconcelos estava bastante comovido nesse momento e abraçava-o chorando. Amâncio nunca lhe tinha visto o rosto com aquela simpática expressão de sofrimento; mas, bem pouco se impressionou na ocasião; os olhos conservaram-se-lhe enxutos e o coração quase alegre com a idéia da liberdade que ia principiar.

Só agora, depois da carta, depois que soube que era amado pelo velho, uma grande tristeza invadiu-o todo, e as lágrimas rebentaram-lhe com explosão.

Assim sucede sempre aos filhos educados à portuguesa, cujos pais como que sentem vexame de lhes patentear o seu amor.

Pobres pais! Quantas vezes não estarão morrendo por afagar o filho, e todavia, em vez de lhe darem um sorriso carinhoso, um beijo, uma palavra de doçura, fingem-se indiferentes e afastam-se para que o pequeno não lhes perceba a comoção.

Néscios! Julgam que com isso estabelecem uma corrente de respeito entre eles e os filhos; julgam que isso é indispensável para o bom êxito da educação; quando todas essa anomalia só pode servir para lhes roubar a confiança e a estima dos entes predestinados e dedicar-lhe todas as primícias de sua ternura.

Os pais dessa espécie levam a tal exagero a sua convencional rispidez, que, se acham a graça em alguma coisa feita pelo filho, sufocam o riso, medrosos de que qualquer expansão acarrete uma quebra ao respeito filial.

Foi tudo isso, ao justo, que se deu com Vasconcelos a respeito de Amâncio. Amou-o, mas com disfarce; fingiu-se diretor inflexível, quando era simplesmente um pai como qualquer outro. Muita vez chorou de ternura, mas sempre às escondidas; muita vez sentiu o coração saltar para o filho, mas sempre se conteve, receoso de cair no ridículo.

E não se lembrava, o imprudente, de que o amor de pai é bem contrário ao amor de filho; não se lembrava de que aquele nasce e subsiste por si e que este precisa ser criado; que aquele é um princípio e que este é uma consequência; que um vem de dentro para fora e que o outro vem de fora para dentro. Não se lembrava, o infeliz, de que o primeiro existirá fatalmente por uma lei indefectível da natureza, ao passo que o segundo só aparecerá se lhe derem elementos de vida.

Foi desses elementos que Amâncio nunca dispôs para poder amar o pai.



O fato é que, depois da leitura da carta, o estudante sentiu, pela primeira vez, algum desejo de dar notícias suas a Vasconcelos; até aí só o fazia por honra da firma.

Campos, que lhe apareceu em seguida, veio transformar esse desejo em vontade, falando-lhe da correspondência extraordinária que, pelo mesmo paquete, recebera do Maranhão. O velho Vasconcelos também lhe havia escrito e, com tanto interesse lhe falara de Amâncio, tão inconsolável se mostrara e tão saudoso pelo filho, e com tal insistência pedira ao negociante para olhar pelo rapaz, que o bom homem não hesitou em correr logo à casa de pensão de Mme. Brizard.

O estudante carregou com ele para o quarto. — Aí conversariam mais à vontade.

— Pois, meu nobre amigo, disse o marido de Hortênsia, assentando-se defronte de Amâncio e batendo-lhe uma palmada na coxa — seu pai não se cansa de falar a seu respeito. São as saudades, coitado!

E tirando uma carta do bolso para a entregar ao outro:

— Leia, leia e veja como está triste o pobre velho! Ah, meu amigo, acredite que — possuir um pai é a maior fortuna que se pode ambicionar neste mundo!

Amâncio, entre outras coisas, leu o seguinte:

"Não imagina Sr. Campos os cuidados em que eu e a minha boa Ângela nos temos visto por cá com a ausência do rapaz. Nunca pensei que nos fizesse tanta falta. Ela coitada, leva a chorar desde que amanhece, e à noite é aquela certeza dos sonhos ruins e mais não ser! Acho-a muito magra e abatida de tempos a esta parte. Então quando não recebe cartas do filho, o que já se observa há três vapores consecutivos, fica prostrada de tal modo que se não pode levantar da cama.

"Veja, por conseguinte, se alcança que o nosso estudante nunca nos deixe de escrever; duas palavras que sejam, dizendo como está de saúde e que vai bem nos seus estudos. Isso, que a ele não custará muito, poupa todavia cá por casa muitas horas de sofrimento e de desgosto.

"Até já me lembrou providenciar no sentido de fazê-lo vir no fim do ano passar as férias conosco, não sei porém, se tal coisa será conveniente ainda tão no princípio da carreira. O amigo dispensar-me-á o obséquio de escrever a esse respeito.

"Em todo o caso, a idéia de que o senhor está aí, perto dele, e que, pelo que tem mostrado, é deveras nosso amigo, tranquiliza-nos em grande parte. Conto, pois, que olhará sempre por Amâncio. Tenha paciência, sei que o importuno com estas coisas, mas que hei de fazer? dizem tanto dessa Corte; falam de tal forma do clima e dos mil perigos a que aí está sujeita a mocidade, que, só a lembrança de uma tísica galopante ou de um desses desvios, uma dessas loucuras que às vezes acometem os rapazes e inutiliza-os para o resto da vida; uma dessas desgraças, Sr. Campos, que lhes sucedem facilmente quando eles não dispõem de um bom amigo que os encaminhe e aconselhe; só a lembrança de tudo isso, meu caro senhor, é o bastante para me tirar o sossego do espírito.

"Tenha a bondade, sempre que falar ao meu rapaz, de lembrar-lhe as obrigações e dizer-lhe com franqueza a responsabilidade que agora lhe assiste. Ele está se fazendo homem e precisa preparar futuro. Sirva-lhe de pai; acompanhe-o e proteja-o com o mesmo desvelo de que usou meu irmão para guiar a sua mocidade."

— Vê? disse Campos, abalado com as palavras do irmão de seu protetor. — São estes os desejos de seu pai; ao senhor compete agora, como bom filho, fazer-lhe o gosto, e dar-lhe a felicidade de que ele precisa para o resto da vida. O que estiver em minhas forças está à sua disposição; mas o senhor também deve fazer por si, já não é tão criança para não ver o que lhe fica bem e o que lhe fica mal! Enfim, tenho toda a confiança no senhor, seu Amâncio, e estou convencido de que não me desmentirá!

Amâncio, que até aí ouvia Campos em silêncio e com os olhos presos a um ponto, agradeceu-lhe muito aquele interesse e jurou que todo o seu empenho era corresponder à expectativa de seus pais e ser agradável o mais possível aos verdadeiros amigos de sua família.

E a conversa, tomando novas direções, descaiu em assuntos menos circunspectos. Veio então à baila o baile de Melo, e Campos queixou-se de que Amâncio, depois disso, nunca mais lhe aparecera em casa.

— Já tinha a intenção de lá ir domingo...

— Não, contradisse o negociante. — Vá antes, sábado, amanhã, que é aniversário de meu casamento. Não há festa, mas reúnem-se alguns camaradas e toca-se um bocado de piano. Adeus. Não deixe de ir. Olhe, se quiser pode levar seus amigos. Adeusinho.

Amâncio acompanhou-o até à porta da rua e voltou ao quarto.

Estava preocupado; não mais com as cartas da família, mas com a deliciosa intenção de reatar no dia seguinte o namoro de Hortênsia. Só uma pequena circunstância lhe mareava o antegozo desses sonhados momentos de ventura: era a idéia dos seus compromissos como estudante; sentia-os agravados perante a confiança que lhe depositavam, e agora, mais que nunca, a consciência do seu relaxamento, a lembrança de haver faltado às aulas tantas vezes e de não ter aberto livro durante a última semana, azoinavam-no desabridamente.

— Oh! os estudos! os estudos eram o ponto negro de sua vida, o seu desgosto, o terrível espectro de todos os seus sonhos! As regalias que daí viessem mais tarde, fossem elas quais fossem, nunca poderiam compensar aquela profunda tristeza, aquele aborrecimento invencível, que o devoravam.

Semelhante preocupação tirava-lhe o gosto para tudo, azedava-lhe todos os melhores instantes de sua vida. Cada minuto, que se escoava na ociosidade, era mais uma gota de remorso caída no sombrio pélago de seu tédio.

E, contudo, os minutos, os dias e as semanas iam escapando, sem que Amâncio lograsse vencer a sua antipatia pelo trabalho. Olhava com repugnância para os melancólicos compêndios da faculdade, e, quando teimava muito em os conservar abertos defronte dos olhos, quase sempre adormecia.

Um verdadeiro tormento!



Amâncio obteve de João Coqueiro que o acompanhasse à soirée de Campos.

Foi uma noite cheia para ambos; se bem que Hortênsia, de tão preocupada com os arranjos da casa, muito pouco se dera às visitas.

Carlotinha, sim, mostrava-se alegre e comunicativa que nem parecia a mesma. Chegou-se muito para Amâncio, meteu-se com ele de palestra, a fazer pilhéria, a criticar das outras senhoras, com visagens disfarçadas e pequeninos risos estalados por detrás do leque.

O estudante ficou pasmo, quando descobriu que toda essa intimidade procedia do namoro dele com Hortênsia. À primeira indireta da rapariga, o rapaz corou e respondeu titubeando. Carlotinha, porém, o tranquilizou, dando a entender que era discreta e interessada nos segredos da irmã.

E, já em indícios de gracejo, aconselhou-o que frequentasse a casa com mais assiduidade; um domingo sim, outro não, para jantar. Seria muito bem recebido, alguém fazia questão dessas visitas...

Amâncio, no seu papel de inocente, quis saber quem era esse alguém, mas a rapariga negou os esclarecimentos e pediu-lhe em segredo que se calasse, piscando o olho para o lado esquerdo, onde acabava de assentar-se um sujeito gordo, de barba toda raspada.

— É o Costa! Nada lhe escapa!... soprou ao estudante por debaixo do leque. E depois, em voz alta, disfarçando:

— Pois o baile de Melo esteve muito bom!...

— Muito... confirmou Amâncio. — Há longo tempo não me divirto assim!... Mas, para a senhora creio que ainda seria melhor, se lá estivesse certa pessoa!...

— Quem? O guarda-livros?... Ora!

E, com ar desdenhoso, declarou que há quinze dias ficara tudo acabado.

— Seriamente? perguntou o estudante.

— Sério! E não me sinto com isso, até estimo! No fim de contas aquilo é um tipo impossível; tão depressa está para o norte como para o sul!

— Mas a senhora parecia gostar dele tanto...

— Pensei que fosse outra coisa... respondeu Carlotinha, franzindo os lábios. — Quando, porém, descobri o que ali estava, dei tudo por acabado! foi muito bom; antes assim do que depois do casamento!...

E, para mostrar a sinceridade daquela indiferença, ria com exagero e dava a sua palavra de honra em como não tinha paixão por homem nenhum deste mundo. Havia de casar, sim, porque isso era necessário, mas não que preferisse este ou aquele, não. Todos eles eram a mesma coisa. — uns tipos!

Amâncio defendia o seu sexo, experimentando já pela rapariga uma nascente repugnância instintiva.

Quando, às três horas da madrugada, os dois estudantes se despediram, Campos, entre muitos oferecimentos, pediu ao "Sr. Dr. João Coqueiro" que voltasse qualquer dia, mas com a família. Ele tinha nisso muito gosto.

Coqueiro prometeu fazer-lhe a vontade e retirou-se com o amigo.

Quase nada conversaram pelo caminho. Amâncio parecia aflito por se meter na cama; uma vez, porém, recolhido ao seu novo quartinho do segundo andar, não sentia a menor disposição para dormir.

A circunstância de saber que Lúcia estava ali tão perto, a quatro ou cinco passos, mas inteiramente fora do seu alcance, o indispunha como se fosse uma pirraça levantada com o fim único de o afligir.

Não resistiu ao desejo de ir, como da outra vez, espreitar pela fechadura do quarto em que ela morava, e encaminhou-se sorrateiramente para o n.º 8. Nesta tentativa, porém, foi ainda mais infeliz do que da primeira, porque a janela do corredor ficara aberta, e Amâncio principiou a espirrar, constipado.

O doente do n.º 7 tossia, de vez em quando.

Amâncio voltou ao quarto, muito aborrecido. Abriu um livro, mas repeliu-o logo, com tédio. Lembrou-se de fazer café. (Na véspera comprara uma maquinazinha e os apetrechos necessários para isso.) — O melhor, porém, seria tomar o café depois de um banho. Deu lume à máquina e desceu ao primeiro andar, já despido e rebuçado no lençol.

Queria passar pelo quarto da mucama, que ele agora sabia ao certo onde era; mas, na ocasião em que entrava na sala de jantar, deteve-se cautelosamente com a presença de um vulto que acabava de aparecer do lado oposto. A custo reconheceu Coqueiro; do lugar onde se achava podia observar sem ser visto. O dono da casa atravessou pé ante pé a varanda e, encaminhando-se para o fundo do corredor, sumiu-se no tal sítio, por onde justamente queria passar o outro.

— Será possível?... considerou Amâncio, que se adiantara precatamente para certificar-se do que vira.

— Que grande velhaco!

E era aquele tipo que, "por moralidade não admitia em casa certas visitas!"...

— Ah! meu pulha! pensou o estudante.

— Como podia agora tomar a sério a casa de Mme. Brizard?... Que juízo devia fazer de toda aquela gente? E Amelinha? o que vinha ser aquela Amelinha?...

Dois espirros cortaram-lhe a teia dos raciocínios, e em seguida um calafrio muito penetrante lhe percorreu o lombo. Sentiu-se indisposto; não obstante, desceu ao banheiro. — Aquilo desapareceria com um pouco d'água pela cabeça.

Mas, quando voltou ao quarto, já lhe doía o corpo e tinha as pernas entorpecidas levemente.

Tomou uma chávena de café, bebeu um gole de conhaque, e meteu-se na cama, tiritando.

Não se pôde erguer no dia seguinte. Coqueiro apresentou-se-lhe no quarto, logo pela manhã, muito sobressaltado com os incômodos do querido hóspede. Estava mais inquieto do que se tratasse de salvar a vida de um parente insubstituível.

Perguntou se Amâncio queria médico; se precisava de alguma coisa. — Que diabo! dispusesse com franqueza. Ele estava ali às suas ordens!...

O doente apenas desejava que o amigo desse um pulo à agência dos vapores e trouxesse o constante de um conhecimento, que lhe pediu para procurar nas algibeiras do fraque.

Coqueiro obedeceu prontamente.

Era um pacote de doces que lhe enviava a mãe. Havia frascos de bacuris em calda, muricis, cajus cristalizados e buritis em massa para refresco. Amâncio, logo que o colega voltou com o presente, fez acondicionar tudo sobre a mesa, defronte de sua cama.

Nesse instante, Mme. Brizard e Amelinha invadiam-lhe o quarto, ávidas de informações.

— Que tinha o Sr. Vasconcelos? — Que sentia? Como lhe aparecera a febre?

E a francesa, depois de consultar o pulso ao rapaz, afiançou que aquilo não valia nada. Ele que tomasse um suadouro, que se deixasse ficar na cama e havia de ver que no dia seguinte estava pronto.

Lambertosa, chegando logo em seguida, pediu ao doente que aceitasse uma dose de acônito e deixasse o resto por sua conta.

Mas a febre recrudesceu depois do almoço. Amâncio queixava-se de dores na cabeça, na espinha e nos quadris.

— Tudo isso é ar! afirmou o gentleman autoritariamente. — Acônito! Dê-lhe com o acônito!

Foi Amelinha a encarregada de ministrar ao doente, de hora em hora, uma colher de remédio.

Mme. Brizard falou muito da inconstância do clima do Rio de Janeiro, das precauções que se deviam tomar contra as umidades; do risco que havia em comer certas frutas e, afinal, retirou-se, tendo apalpado ainda uma vez o pulso e a testa do hóspede.

Amelinha revelava-se extremamente solícita. Andava no bico dos pés, a borboletar pelo quarto, arrumando os livros sobre a mesa, apanhando a roupa espalhada pelo chão, acudindo a qualquer movimento do estudante, que dormia entanguecido debaixo dos lençóis.

Ele, coitado, parecia cada vez pior. Ardiam-lhe os olhos desabridamente; o hálito queimava; não podia suportar o cheiro do fumo e queixava-se de muita sede e comichão pelo corpo.

Amelinha, sempre irrequieta e passarinheira, preparava-lhe copos de água com açúcar. Agachava-se à borda da cama, mexia e remexia com a colher o sacarífero calmante e, depois de o provar com a pontinha da língua, passava-o às mãos de Amâncio. Este, porém, mal bebia, voltava-se de novo para a parede, gemendo de olhos fechados.

Pelas duas horas da tarde, Lúcia pediu licença para lhe fazer uma visita. Entrou cheia de cerimônia, e assentou-se gravemente em uma cadeira, à cabeceira do leito.

O doente voltou-se logo e agradeceu-lhe aquela fineza com um olhar muito triste e injetado de sangue.

Ela mostrava-se interessada; pedia informações a respeito da moléstia. Amâncio respostava com dificuldade. Parecia moribundo.

Mas, quando Amélia saiu e desceu ao primeiro andar, ele tomou rapidamente as mãos da outra e cobriu-as de beijos que a febre tornava mais ardentes e mais queimosos.

— Eu te amo! Eu te amo! dizia ele.

— Bem, mas fique quieto! Isso pode fazer-lhe mal! retrucava a suposta mulher de Pereira. — Nada de tolices! Deite-se! Deite-se!

Amâncio libertou os braços do cobertor, apoderou-se da cabeça de Lúcia, e começou a beijar-lhe os olhos, a boca e os cabelos, numa sofreguidão irracional.

As lunetas da "ilustrada senhora" haviam caído, e ela encarava o rapaz, sem dizer palavra, a lhe cavar os seus grandes olhos de míope, alterados pelo abuso do vidro de graduação.

Tiveram de disfarçar, porque alguém se aproximava.

O enfermo voltou logo aos lençóis e pôs-se novamente a gemer.

Era Coqueiro quem vinha. Desde a entrada mostrou-se contrariado com a presença de Lúcia. Transpareciam-lhe no rosto os sintomas da desconfiança. Dir-se-ia um ciumento a penetrar de chofre nas recâmaras da amante.

— Aquela mulher não podia estar ali com boas intenções!...

E foi de mau humor que Coqueiro respondeu a uma pergunta dirigida por ela a respeito da moléstia.

Lúcia, também, não deu mais palavra e, logo depois, saiu muito enfiada.



À noite apresentou-se Campos, a quem Coqueiro, de passagem, prevenira dos incômodos de Amâncio; trazia consigo um médico.

Este declarou incontinente que o rapaz tinha bexigas; mas, antes que fizessem espalhafato, afiançou que eram benignas. "Bexigas doidas, cataporas, como vulgarmente chamavam por aí. Ficassem tranquilos, que o caso não era grave; convinha, porém, ter algum cuidado com o doente: — evitar a ação do vento e muita limpeza com a roupa da cama."

Receitou e saiu, prometendo voltar no dia seguinte. Campos seguiu-o até à escada do corredor e tornou ao segundo andar.

A mulher de Paula Mendes, que abrira a porta do quarto para escutar o que dizia o médico, rompeu logo a falar sobre o abuso de consentirem ali "um bexigoso"!

Daquela forma, em breve a casa se transformava num hospital! Já tinham um tísico, que à noite não a deixava dormir com o gogo; agora era um bexiguento; amanhã seria a febre amarela e depois a lepra! — Arre! Em chegando o marido havia de mostrar o que faria!

Lambertosa, a pretexto de que sentia muito calor, empacotou o que tinha no quarto e lá se foi moscando à francesa.

— Nada! segredou ele embaixo ao Fontes que jogava o dominó com a mulher na sala de jantar. — Tenho medo disto que me pélo; em pequeno vi morrer três sujeitos de pancada com as tais cataporas! Vou para a chácara de um amigo nas Laranjeiras! E, se a madame não tratar de pôr fora o doente, eu também aqui não porei mais os pés!

E, vendo que Fontes parecia impressionado com as suas palavras:

— Pois não acha o amigo que tenho razão?... Pode-se lá admitir um varioloso dentro de uma casa como esta, cheia de hóspedes?...

— Está claro! disse a mulher de Fontes, empurrando as pedras do dominó. — Eu também aqui não fico! Ou o doente se muda ou então mudo-me eu! E logo o quê! — bexigas! Deus nos defenda! Até parece que já sinto um formigueiro por todo o corpo... Credo!

— Sim, disse o marido — mas não acredito que Mme. Brizard esteja disposta a ficar com ele dentro de casa!

O gentleman havia já desaparecido, como se levasse uma fera atrás de si; os dois outros ergueram-se e conversavam assustados sobre o grande fato; enquanto Nini, que, desde às cinco horas jazia estendida em uma cadeira ao canto da varanda, com um lenço amarrado na cabeça, escutava-os silenciosamente, os olhos pendurados no vago.

Depois daquela cena violenta com Amâncio, a pobre criatura se quedara mais apreensiva e mais triste. Eram suspiros sobre suspiros e nem uma palavra durante o dia inteiro; às vezes dava-lhe para chorar e não havia meio de a conter.

Em cima Campos tomou o chapéu e o guarda-chuva, mas, antes de sair, consultou a opinião de Coqueiro e de Mme. Brizard sobre o que melhor convinha fazer a respeito do varioloso. "Talvez fosse mais acertado levá-lo para uma boa casa de saúde!"... — Eles que se não constrangessem: se era inconveniente ficar ali o rapaz, falassem com franqueza, porque tudo se podia arranjar perfeitamente.

Mas os locandeiros protestaram logo, com energia: — Longe de ficarem constrangidos, tinham muito gosto em ser úteis ao Dr. Amâncio. — Que já o estimavam tanto, que não teriam ânimo de o desamparar, justamente quando o pobre moço, longe da família, mais precisava de cuidados!

— Verdade é que as bexigas não são das más... considerou o negociante, alisando o pêlo de seu chapéu alto. — Mas os outros hóspedes talvez não pensem como a senhora e seu marido... E daí, quem sabe?... queiram deixar a casa e...

Mme. Brizard declarou que por esse lado estava sossegada. "Os bons hóspedes não desertariam por tão pouco, e quanto aos maus, se se fossem não fariam falta."

Campos agradeceu pelo recomendado aquela boa vontade; tornou a dizer que não poupassem despesas com a moléstia e, quando porventura houvesse alguma dúvida ou alguma dificuldade, era mandar imediatamente um recadinho à Rua Direita, que ele lá estava sempre às ordens.

E ainda voltou ao quarto do rapaz para lhe rogar mais uma vez que não tivesse receio de importuná-lo em qualquer ocasião e, outrossim, para saber se, por enquanto, ele não precisava de mais alguma coisa.

Amâncio desejava unicamente que o amigo procurasse descobrir por onde andava o Sabino, que agora lhe fazia muita falta; e, caso o encontrasse, tivesse a bondade de remeter-lho; seria um grande favor.

Veio à questão o quanto madraceavam os escravos ultimamente. Mme. Brizard jurou que não havia melhor vida do que a deles; disse que Amâncio fizera mal em consentir que um negro de sua propriedade andasse por aí tanto tempo, sem lhe prestar contas; quando, alugado, lhe podia dar de rendimento pelo menos quarenta mil-réis mensais. E, de sua parte recomendou a Campos que fizesse diligências para descobrir o tratante e o deixasse ali, que ela mostraria se o punha ou não a bom caminho.

O negociante retirou-se afinal, entre novos protestos e novos oferecimentos.

Mme. Brizard, Coqueiro e Amelinha não abandonaram o quarto do doente até mais de meia-noite; ora um, ora outro, acompanhavam-no sempre. Lúcia também aparecia de quando em quando; ao passo que o marido, sem jamais acordar completamente, nem dera pelo reboliço em que ia a casa.

Por toda a parte sentia-se já o cheiro da alfazema queimada. O esquisitão do n.º 4, muito comprido no seu poncho de brim pardo, que lhe batia desairosamente nas tíbias mal compostas, espaceava no corredor, cantarolando, em voz soturna, o De Profundis.

— Olha que agouro! resmungou a mulher de Paula Mendes ao vê-lo passar e, já encolerizada pela demora do marido, fechou a porta do quarto com um pontapé. — Logo aquela noite é que o diabo do homem entendia de demorar-se mais tempo na rua! Raios o partissem, diabo!

Melinho, a pérola do n.º 9, também não aparecera; e Piloto, ao saber, ainda na porta da rua, que havia um bexigoso no segundo andar, fez um careta, benzeu-se comicamente, e desgalgou pelo mesmo caminho que trazia, afetando trejeitos exagerados de medo. O guarda-livros é que bem pouco se incomodou com a notícia; tinha lá o seu gabinete ao lado da sala de visitas, e aí com certeza não chegariam as miasmas.

Estava em cima Coqueiro a discutir com a família sobre quem devia acompanhar o enfermo durante o resto da noite, quando entrou Paula Mendes, estranhamente alegre, a cantar em voz alta. O dono da casa correu logo ao seu encontro e lhe pediu que não fizesse bulha. — O hóspede do n.º 6 estava de cama!

Mendes respondeu com descostumada grosseria, arrastando a voz. Catarina ao vê-lo naquele estado, fechou bruscamente a porta do quarto, que nesse mesmo instante havia aberto, e gritou-lhe de dentro: "Que fosse cozinhar para longe a bebedeira! Que voltasse para onde se tinha emborrachado! Era só também o que faltava — que, além de tudo, tivesse de aturar bêbados! Estavam bem servidos!"

E todos, com grande espanto, se convenceram de que efetivamente Paula Mendes vinha ébrio, logo que o viram principiar a bater, como um possesso, na porta do quarto, berrando pela mulher, sem se poder aguentar nas pernas.

— Pois senhores, disse Mme. Brizard, que acudira com barulho — estou pasma! Desde que o rabequista mora aqui é a primeira vez que o vejo assim!...

— Naturalmente isto foi coisa que lhe fizeram... opinou Coqueiro. — Ele, coitado, é até homem de bons costumes...

Todos concordaram nesse ponto, e o hoteleiro, uma vez capacitado de que a peste da Catarina não abria a porta ao marido, carregou com este para o quarto que Lambertosa acabava de despejar.

— Diabo! resmungou, deixando-o cair sobre a cama. — Hóspedes que só dão de lucro estas maçadas!

Resolveu-se que seria o copeiro quem acompanharia o enfermo durante o resto da noite. O médico recomendara que dessem o remédio de três em três horas. Lúcia lamentou que, justamente nessa ocasião, a sua Cora estivesse em Cascadura ajudando a uma amiga a morrer, porque ao contrário Amâncio não teria outra enfermeira. "Ah! não havia como aquela mulata para tratar de um doente!"...

Mas o copeiro assumiu o posto que lhe designaram, e cada um se recolheu ao competente dormitório. Catarina ainda rabujou sozinha por um tempo; Paula Mendes caiu num sono de chumbo, e a casa foi pouco a pouco se atufando nas brumas silenciosas da noite.

Só então, de tão fracos que eram, ouviam-se os bufidos cavernosos do tísico que, no triste abandono de sua miséria, continuava a gemer, sufocado pela dispnéia.

O desgraçado já não tinha forças para sair à rua. A sua moléstia entrara no segundo período; cresciam-lhe as dores do peito e apareciam-lhe agora, pela madrugada, acessos febris, acompanhados de suores frios e gordurosos.

A magreza desnudara-lhe os ossos, e os alimentos faziam-lhe repugnância. Como era muito pobre, ninguém se interessava por ele; os criados serviam-no mal e a más horas. Traziam-lhe a comida e depunham-na sobre o velador. "O bodega lá que se arranjasse!"

Mme. Brizard, por mais de uma vez, dissera:

— Também aquele estafermo não ata nem desata!...



Por voltas das quatro da madrugada, Amâncio sentiu passarem-lhe brandamente a mão pela testa, e despertou estremunhado.

Um candeeiro de azeite derramava no quarto a sua meia claridade trêmula e duvidosa. Era tudo silêncio e quietação.

— Lúcia! disse ele, reconhecendo-a e tentando passar-lhe o braço na cintura.

— Psiu! fez a ilustrada senhora com um dedo nos lábios. — Tenha modo! O copeiro está dormindo e, como o médico recomendou que não deixassem lhe dar de hora em hora uma colherada do remédio, eu...

— Meu amor!

— Nada de bulha! Tome o remédio e trate de dormir, que você está doente.

Amâncio bebeu a tisana e com um gemido arrastado pousou de novo a cabeça nos travesseiros.

— Como se acha ensopada esta camisa! observou Lúcia, apalpando-lhe as costas solicitamente. E perguntou logo onde estava a roupa branca.

O rapaz apontou com dificuldade para a gaveta inferior da cômoda, e acrescentou careteando:

— No findo, ao lado esquerdo.

Ela foi abrir o gavetão, muito de mansinho, para não acordar o copeiro, que dormia a sono solto sobre um enxergão no soalho, e reveio, toda desvelos com uma camisa aberta nos braços.

— Vamos! Mude essa roupa. O remédio está produzindo efeito. É preciso não resfriar.

O estudante despiu a camisa suada e vestiu a outra.

— Agora sente-se melhor? perguntou a mulher de Pereira.

Estava assim, assim... Ainda lhe doía o corpo, e o comichão não tinha diminuído. Parecia que lhe passeavam formigas pelas pernas.

— Trate de repousar. Adeus. Eu voltarei de manhã, para lhe dar outra dose do remédio. Até logo.

Amâncio pediu-lhe que se demorasse mais um pouco, que se sentasse um instante ao seu lado; ela, porém, muito senhora de si, negou-se formalmente, dizendo com a cabeça que não e recomendando-lhe com um gesto que se acomodasse.

— Ao menos um beijinho... pediu ele.

A outra não espondeu e saiu na ponta dos pés.

Voltou pela manhã, como prometera, mas o copeiro já havia dado o remédio ao doente.

— Então! Como passou? perguntou ela, indo apertar-lhe a mão.

— Ora, mais incomodado com a sua ausência do que com a minha moléstia... respondeu o moço, fazendo um ar infeliz.

— Impressões de momento... retorquiu Lúcia, sorrindo. — Daqui a pouco não se lembrará mais de mim...

E logo que viu sair o preto...

— Para só pensar na Amelinha...

Amâncio fez um gesto de repugnância.

— Tem toda a razão!... prosseguiu ela — toda Amelinha é moça, é bonita, e pode casar!

— Comigo, nunca!... afirmou o rapaz.

— Não poria a mão no fogo... insistiu Lúcia. — Agora eu, sim, já sou papel queimado, e estou velha...

— Velha? Dê-me então a sua benção...

Lúcia sorriu e estendeu-lhe a mão, que ele beijou avidamente, ficando depois e examiná-la, como se contemplasse uma obra de arte.

— É feia... disse a senhora — é comprida demais e magra.

— É adorável! desmentiu o estudante. E tornou a beijar, com exagerado transporte, a mãozinha que conservava entre as suas.

— Está bom. Chega! Para bênção já basta! E ela puxou o braço. — Deve estar a surgir o batalhão de seus enfermeiros! Adeus.

— Eu os trocaria a todos por ti, minha santa!

— Isso é o que havemos de ver! replicou ela intencionalmente. E saiu do quarto.

Coqueiro, que chegou logo depois, percebeu que Lúcia acabava de estar ali, mas não deixou transparecer a sua contrariedade.

— Então?! perguntou.

O doente fez uma careta de desânimo.

— Tiveste alguma novidade durante a noite?

— Nenhuma, respondeu Amâncio.

— O remédio, tomaste-o?

— Tomei.

Coqueiro deu uma volta pelo quarto, para demorar um pouco mais a visita, e disse frouxamente:

— Bem, tenho que ir pras aulas. Até já! — Loló e Amelinha não tardam por aí.

E retirou-se, a gritar desde cima pela mucama: — Que viesse arrumar o quarto do Sr. Dr. Amâncio!

Mme. Brizard e Amelinha, com efeito, não tardaram a aparecer, falando muito sobre o terror que a moléstia de Amâncio produzia nos outros hóspedes, confessando as maçadas que tiveram as duas na véspera; e, por fim a mais velha desceu para cuidar da casa e a menina ficou para tratar do enfermo.



João Coqueiro, à volta da academia, chamou a mulher ao quarto e perguntou-lhe, cruzando os braços e sacudindo a cabeça:

— E o que me dizes tu da Sra. D. Lúcia?...

Mme. Brizard respondeu com um movimento de ombros.

— Bem desconfiava eu!... ajuntou o especulador, depois de uma pausa. — Acredita, Loló, que desde a chegada do Amâncio, tive cá um palpite de que aquela mulher seria um estorvo para os nossos projetos!

A francesa fez um esgar de dúvida. E o esposo acrescentou com raiva:

— Pois se ela não o larga um só instante! Leva a escorá-lo, o demônio!

— Não acreditas que Amelinha se deixe codilhar assim só!... observou a esperta locandeira.

— Ora qual, volveu o outro, zangado. — Ninguém me tira da cabeça que esta mudança do rapaz para o segundo andar, foi coisa arranjada por aquela sirigaita!

E, tendo percorrido três vezes o quarto, parou de repente, muito agitado:

— Mas comigo, bradou — está enganada! Tenho a faca e o queijo na mão! Posso despachá-los, quando bem entender, a ela e mais o bolas do tal marido! E nem preciso inventar pretextos para os pôr na rua, porque eles já devem aí perto de dois meses!

— Pois nós havemos de perder esse dinheiro?! interrogou Mme. Brizard assuntando-se.

— Sim, mas é que eu não os deixo ir, sem ficar garantido! E se quiserem fazer de espertos, confiscolhes a mulatinha! Não! Aqui para o meu lado é que não se arranjam!

E, recaindo nos projetos a respeito de Amâncio:

— Uma ocasião tão boa para a Amelinha o cativar, se o diabo da intrusa não se metesse entre eles no melhor da coisa! Ah! peste!

Mme. Brizard, que se havia assentado, meditava de cabeça baixa.

— Eu até o acho agora mais reservado e mais frio!... prosseguiu o hoteleiro-estudante. — Já não me consulta quando quer dar algum passo... já não se abre comigo!

E aproximando-se da mulher, exemplificou em voz de mistério:

— Sabes, aquele doce que ele recebeu do Maranhão? foi quase todo para ela! A mim deu unicamente um frasco do tal bacuri(por sinal que não acho graça); para si, creio que guardou uma latinha de geléia, e tudo mais lambeu a gata arrepiada!

— Quê! Pois ele lhe fez presente de todo o doce que recebeu do Norte?...

— Ora! se te estou a dizer!

— Não! exclamou a Brizard escandalizada. — Isso agora não lhe perdôo! A gente aqui a matar-se, a desfazer-se em carinhos, e ele a socar no bandulho daquela bicha os mimos que recebe da família! Não! Isto não se faz!

— Pois fez! Sustentou Coqueiro. — E, se não abrirmos os olhos, ela é capaz de arrancar-lhe até a última camisa!

— Dar todo o doce àquela criatura!... repisava a francesa. — É quanto pode ser!...

— Pois deu!

— Sempre o supunha outra espécie de gente!...

— Não é pelo doce, explanou o marido — mas sim pelo alcance do fato! Nós, o que devemos fazer é, quanto antes, tomar medida muito séria a respeito de tudo isto!

E, fitando a mulher com resolução:

— Vamos a saber! Achas que os devemos pôr no olho da rua?!

— Mas, filho, sem pagarem?...

— Ainda que não paguem, ora essa! Dos males o menor! Lembra-te de que o Amâncio não inventou a pólvora e pode, muito bem, ser fisgado por aquela lambisgóia!... A cabra não tem nada de tola!... Que achas tu?!

— Sim, mas também para deixá-los ir com o nosso cobre...

— Fica-se com um documento selado e podemos persegui-los a todo o tempo!

— Isso é asneira!

— Asneira é perdermos o futuro de Amelinha por causa de alguns mil-réis!...

Mme. Brizard ainda hesitou.

— Então? insistiu Coqueiro. — A termos de tomar esta resolução, deve ser já e já, que a oportunidade é magnífica; talvez até nunca mais pilhemos um ensejo tão favorável! — Minha filha, nem sempre há cataporas!...

A outra, afinal, consentiu, e ficou deliberando que Pereira e Lúcia seriam postos na rua, se não saldassem imediatamente as suas contas.

— Estão ali, estão fora!... profetizou o locandeiro, esfregando as mãos.

Algumas horas depois, quando Pereira descrevia tropegadamente a sua órbita consuetudinária entre a mesa do jantar e a preguiçosa, Coqueiro, entrepondo-se-lhe no caminho, meteu-lhe na mão uma folha de papel dobrada sobre o comprido, e disse-lhe em tom seguro e repassado de urgências:

— É uma nova continha de suas despesas. O amigo desculpe, mas, se me pudesse pagar isto até amanhã, não seria mau, porque tenho de satisfazer aos fornecedores.

— Havemos de ver... balbuciou o hóspede, correndo pelo papel os olhos meio fechados.

O credor advertiu-o em voz baixa de que havia já esperado muito e que o Sr. Pereira, pelos modos, não se lembrara dele.

— Tem toda a razão... concordou o dorminhoco. — Juro-lhe, porém, que me não esqueci do senhor. Ainda não recebi dinheiro, sabe?

— Sim, retorquiu o outro — mas o senhor também sabe que eu preciso fazer face aos gastos da casa e...

— Tenha paciência... bocejou Pereira. — Tenha um pouco de paciência. Hei de cuidar disso.

— Mas é que não posso esperar mais, Sr. Pereira!

— Não há novidade! Pode ficar descansado, que não há novidade, respondeu aquele espreguiçando-se, já importunado com o transtorno de não se poder estirar na cadeira. E entregou a conta a Lúcia, que se aproximava com ar de curiosidade. Feito isto, deixou-se cair na preguiçosa, inalteravelmente, como nos outros dias. Daí a pouco ressonava.

A mulher leu a conta do princípio ao fim, sem um gesto, nem uma palavra; depois, ainda em silêncio, dobrou-a de novo e meteu-a no seio.

No dia seguinte pela manhã o copeiro apresentava-se-lhe no quarto, exigindo, em nome do patrão, a reposta do pedido que este na véspera fizera ao Sr. Pereira.

Lúcia, molestada com semelhante pressa, respondeu de mau humor que — mais tarde daria uma resposta... O marido ia sair para buscar dinheiro!

O criado retirou-se, e ela foi logo, muito zangada, despertar Pereira com um violento empuxão.

— Você é uma lesma! exclamou. — Põe-se a dormir desse modo, e cá fico eu para me haver com as contas!

— Que contas?... perguntou o homem, esfregando os olhos pachorrentamente e escancarando a boca.

— Que contas! A conta de casa! a conta do que você e eu.

— Deixa disso, nhanhã...

— Que contas! A conta da casa! A conta do que você e eu comemos!

— Havemos de ver isso...

— Havemos de ver, não! Que é preciso resolver qualquer coisa! O homem quer dinheiro; não me larga a porta!

E, puxando-o por um braço:

— Você não me ouve?! berrou a mulher, desfechando-lhe um murro nas costas. — É preciso que lhe dê com os pés para o acordar, seu burro?!

Pereira não fez caso e tornou a aninhar-se na cama, encolhendo as pernas e os braços.

— Não me amole! tartamudeou ele, sem voltar o rosto. Lúcia, que já se não podia conter, saltou-lhe ao gasganete e encheu-lhe a cara de bofetões.

Pereira ergueu-se num pulo, e, muito estremunhado, olhou sério para a mulher:

— Ora vamos lá!... disse, e começou a espreguiçar-se, retesando os braços.

— Diabo do sem-préstimo! resmungou a outra com desprezo, enviesando a boca e cuspindo o olhar por cima do ombro. — Não tem um vislumbre de brio naquela cara!

— Já trouxeram o café?... perguntou o sem-préstimo, cuidando de lavar o rosto e os dentes.

Lúcia respondeu-lhe com uma injúria e saiu do quarto arremessando a porta; mas reveio logo e gritou em tom de ordem:

— Vista-se já e ponha-se em caminho, que é preciso arranjar dinheiro!

Pereira vestiu-se demoradamente, sempre a abrir a boca, depois seguiu para o primeiro andar no seu passo miúdo, os braços a jogarem-lhe num movimento pendular, como se os tivesse seguros à omoplata apenas por um atilho. Tomou o seu café com leite e o seu pão com manteiga e foi espaçar para a chácara, à espera do almoço.

A mulher seguiu-o e, logo que o alcançou, bateu-lhe no ombro:

— Então você não se avia, criatura?! você não vê que o homem quer dinheiro e que estamos ameaçados de ir para o olho da rua, seu Pereira?!

— Mas, que hei de eu fazer, nhanhã?...

— Ponha-se em movimento! Vá aos seus parentes, vá aos seus amigos, vá ao inferno! contanto que arranje alguma coisa para tapar a boca daquele judeu! Não me volte de mãos abanando, porque não lhe abro a porta do quarto, percebe?! Você bem sabe que, se bem o digo, melhor o faço!

E, vendo que Pereira não se mexia:

— Então?

— Mas eu hei de sair sem almoçar nhanhã?...

— Pois vá lá! Almoce. Mas é engolir e pôr-se a andar!

— E dinheiro para o bonde?

— Quê? Você já gastou os cinco mil-réis que lhe dei anteontem?!

Pereira explicou que os havia gasto contra a vontade, porque uns sujeitos o obrigaram a pagar cerveja e doces numa confeitaria.

— Você é um palerma! disse a mulher. — Tome lá mil e quinhentos. Mas veja agora se também os vai comer de doce!



Desde a véspera, entretanto, que Amelinha não se despregava do lado de Amâncio, senão quando este dormia ou quando precisava ficar só; levou a costura para o segundo andar, e pôs-se a coser no corredor, assentada à porta do quarto do seu doente.

Uma esposa não se mostraria mais afetuosa; ao menor gemido do enfermo, corria logo para ele, sempre meiga, sempre desvelada. Procurava ajudá-lo a suportar a monotonia da moléstia; procurava animá-lo, distraí-lo, fazendo por ter graça, recorrendo, para o entreter, ao que sabia de mais espírito. Seu pezinho, leve e calçado de duraque, parecia não tocar no chão; seu rostinho, mimoso e fresco como um jambo, não se contraía ao fartum insalubre das variolóides.

E dir-se-ia que tudo aquilo não visava outro interesse que não fora a mesma caridade e a mesma dedicação. Nem uma queixa, nem um suspiro, nem um olhar, nem um gesto, que traíssem a esperança de recompensas futuras. Era o bem pelo bem.

O provinciano, muito desvigorizado com a moléstia sentia perfeitamente que os lúdricos impulsos, que dantes lhe inspirava a graciosa rapariga, iam-se agora destecendo e dissipando à luz de um novo sentimento de gratidão e respeito. A primitiva Amélia desaparecia aos poucos, para dar lugar àquela extremosa criança, àquela irmãzinha venerável, que lhe enchia o quarto com o frescor balsâmico de sua virgindade e rociava-lhe o coração com a trêfega mimalhice de sua ternura.

Nos momentos da comida é que se podia ver. Amâncio tinha grande inapetência e torcia o nariz aos alimentos; mas a pequena metia-o em brios, chamando-lhe piegas, fracalhão, dizendo que ele "parecia um neném" e que precisava levar uns petelecos para tomar juízo.

E atava-lhe ao pescoço o guardanapo, esfriava-lhe a canja, soprando amorosamente as colheradas, e, para lhe provar o apetite, paparicava também o que vinha e, com estalinho de língua, dizia e repetia que estava tudo muito bom e muito gostoso.

Ele, às vezes, já se fazia mais doente e mais carecido de cuidados, só para desfrutar os mimos da enfermeira.