Uma monja nobre de linhagem e de grande santidade foi assim pelo inimigo enganada, e houve um filho de um seu servidor. E não se ousou confessar, tanto por sua nomeada como por sua linhagem[1]. Mas por grandes penas de seu corpo cuidou remir seu pecado, assim como dissemos da outra, sem se confessar, e morreu em aquele pecado e foi condenada, segundo ela mesma disse a sua abadessa, a que apareceu trazendo em seus braços um menino todo embrasado, a que ardia o corpo e as entranhas, e jamais dele não será partida por confusão e tormento. E disse-lhe que mais não fizesse rogar por ela, que já não podia ser recobrada.

Hee! por Deus, mancebas virgens e doces amigas que por natureza sois vergonhosas, e vós todos, seculares e religiosos, por aqui vos guardai e não percais vossas formosas almas e vossos bons corpos por uma pequena vergonha, que o empacho que homem filha em se confessando é grande parte da pendência devida a Deus.

Quanto é grande mal que estas duas criaturas, que tão áspera vida faziam, perderam tudo por vergonha, aquelas que tantas boas obras fizeram por que mereciam ser santas em paraíso, se foram bem confessadas. E não tenhais Deus por áspero, se por um tal pecado mortal deixa perder e danar uma pessoa; porque a vergonha que homem há de confessar seu pecado vem de grande soberba que é raiz e começo de todos males. E se elas temeram confessar seu pecado, foi por não serem desprezadas do mundo, mas honradas e teúdas por santas contra razão e merecimento.

  1. "Seu linhagem", no original.