Ciúme (Humberto de Campos)

(Pierre Veber)

Certo, a lógica dos homens é o que há de mais penoso e inconseqüente. Quando João, que amava Mme. Paula, verificou que era correspondido, pediu-lhe a mão, e casou-se.

E foi-lhe logo, dizendo:

— Minha querida, os maridos que amam verdadeiramente são ciumentos. E eu te amo verdadeiramente.

— E eu te dei motivo para ciúmes?

— Não; mas todas as vezes que eu examino que és bela, fico a pensar que outros podem te achar bela, como eu te acho.

— Está bem, — disse ela.

E, para que o marido vivesse tranqüilo, deixou que a maternidade gastasse o seu corpo maravilhoso.

— E agora, ainda tens ciúmes?

— Oh, sim; os teus cabelos são longos, finos, sedosos e ondulados, e outros te podem amar só por causa deles.

— Está bem, — disse ela.

E para que o marido não vivesse em sobressalto, cortou, quase rente, os seus lindos cabelos sedosos.

— E agora, ainda tens ciúmes?

— Minha querida, os teus dentes são admiráveis, e, quando sorris, é tal o milagre da frescura, que eu temo que outro queira, também, comigo, partilhar a delícia do teu beijo.

— Está bem, disse a esposa.

E, para que ele não vivesse preocupado por sua causa, ela esqueceu os dentes, que se estragaram; e deixou de sorrir.

— E, agora, ainda tens ciúmes?

João tinha, porém, ciúmes dos seus lábios, dos seus olhos, das suas mãos delicadas; e quando, para que o esposo não vivesse em cuidados por sua causa, ela se despojou de toda beleza, ele ficou sossegado, e agradeceu:

— Afinal, não tenho mais ciúmes!

Dias depois, entretanto, comunicou-lhe:

— Sabes, minha querida, que estás, de certo tempo a esta parte, horrivelmente feia?

E tomou uma amante.