Quem fôra imperador do mais bello paiz da Europa, senhor do mundo, árbitro das nações, chefe e terror dos soberanos [1] alli se finou, prisioneiro, humilhado, longe da patria, cruelmente separado da espôsa e do filho, e de quantos lhe eram caros pelo sangue e pelo affecto, affligido de todas as amarguras que podem torturar o coração humano, privado de soccorros, quasi abandonado..
O homem fatal, o ente predestinado, o enviado da Providencia, havia cumprido a sua missão. Depois de prolongada agonia, Napoleão o Grande cessou de soffrer a 5 de Maio de 1821.
Esta situação tão pungente e tão altamente dramatica commoveu todos os espiritos e infundiu então, e por largos annos ainda, o estro dos mais notaveis engenhos poeticos do nosso seculo.
Nenhum poeta, porém, logrou a fortuna de Alexandre Manzoni; e com quanto o assumpto fôsse verdadeiramente inspirador, nem por isso Delavigne, Béranger e o proprio Byron conseguiram vencer o grande lyrico italiano.[2]
Quando Manzoni recebeu a notícia da morte de Napoleão, achava-se no jardim da sua residencia de Brusiglio, e, vivamente impressionado, retirou se para o seu gabinete, onde desde logo começou a traçar a ode monuque tres dias depois estava completa—a tres dias, por assim dizer, de convulsão, em que se sentiu exhausto,»[3]
Não a podendo publicar sem licença da censura austriaca (o reino lombardo-veneziano estava então, e ainda permaneceu muitos annos, sob o dominio da casa de Hapsburgo, como todos se recordam), e prevendo que lhe seria negada, usou o poeta um feliz estratagema para a sua vulgarisação. Em vez de mandar uma só cópia, como era costume, mandou duas, contando que algum dos empregados da policia ficasse com uma para mostrar confidencialmente.
Assim aconteceu: a censura recusou a licença, e guardou cuidadosamente um exemplar. O outro desencaminhou-se; mas no dia seguinte a poesia condemnada circulava em toda Milão, sem que o auctor podesse ser inculpado por isso.[4]
Recebida diversamente pelos sectarios das duas escholas classica e romantica, cuja lucta era então tenaz e vivissima, a ode de Manzoni (o auctor era considerado chefe dos romanticos na Italia) achou detractores implacaveis e ardentes enthusiastas.
Vertido em allemão por Goethe[5], imitado em francez por Lamartine[6], julgado intraduzivel por Longfellow[7], o Cinco de Maio, « uma das mais bellas lyricas do nosso seculo... digno epilogo poetico de uma grande epopéa historica »[8], fez em breve o gyro do mundo; e a prophecia do auctor, de que compuzera
............ ..un cantico
Che forse non morrà [9],
vai sendo de todo o ponto realizada.
Os annos decorrem, e a admiração por este bellissimo carme não cessou ainda; antes augmenta cada dia, não só na Italia como nos paizes extranhos.
« E' um côro pleno de vozes unisonas, e èntre estas que vozes ! Muitas d'ellas resoam ainda, e outras continuamente se lhe ajunctam »[10].
Na Italia, alem dos criticos já citados, o professor G. Rigutini considera o Cinco de Maio « exemplo estupendo de lyrica heroica »[11]; e De Sanctis classifica-o a composição epica em formas lyricas »[12].
Em Hespanha D. José Llausás chama-a « a grande ode esculptural do seculo »[13]; em Portugal o Sr. Latino Coelho conceitua-a como «saudação sublime», e Rebello da Silva reputa-a « uma das páginas admiraveis d'este seculo ».[14]
E quantos escriptos, quantos livros se publicam, estudando e analysando esta ode extraordinaria, nos quaes se presta verdadeiro culto ao seu egregio auctor !
Sem nos fazermos cargo de mencionar as numerosas chrestomathias e anthologias poeticas que frequentemente apparecem na Italia, apontaremos apenas os trabalhos monographicos, de que temos conhecimento.
Angelo de Gubernatis publica a 5 de Maio de 1879 o seu Studio biografico ácerca de Alexandre Manzoni, onde se nos depara larga notícia do poema de que tractâmos. Em 1882 Gregorio di Siena completa o seu copioso e interessantissimo volume de estudos philologico-criticos intitulado: Alessandro Manzoni e il Cinque Maggio[15]; e logo no seguinte anno Rogerio Bonghi entrega ao exame público, « para o estudo genetico das estrophes »[16], a cópia autographica da famosa ode [17], no 1.º volume das Obras ineditas ou raras do poeta illustre.
E para terminar, nesse mesmo anno o Sr. C. A. Meschia colligiu em um elegante volume as differentes versões de que teve conhecimento, ao qual deu o titulo: Ventisette tráduzioni in varie lingue del Cinque Maggio di Alessandro Manzoni[18].
O livro é precedido de um estudo do collector: Ceuni intorno all' ode Il Cinque Maggio. Segue-se o texto italiano e véem depois as traducções nesta ordem:
I. Em latim :
1.a De Erifante Eritense (Pietro Soletti)
2.a – Angelo Bonuccelli
3.a – Francesco Pavesi
4.a – Antonio Rota
5.a – Federico Callori
6.a – Giuseppe Vaglica
II. Em francez :
7.a De Antoine De Latour (em prosa)
8.a – Marc Monnier
9.a – M. Villemain (em prosa)
III. Em hespanhol:
10.a De Rubi
11.a – Cañete
12.a – Garcia de Quevedo Venezolano
13.a – Hartzenbusch, 1.a
14.a – » , 2.a
15.a – Marti y Folguera
16.a – José Llausás
17.a De Marti y Folguera
IV. Em portuguez:
18.o De José Ramos Coelho
19.a – D. Pedro de Alcantara (D. Pedro II.)
V. Em allemão :
20.a De Wolfang Goethe
21.a — August Ferdinand Ribbeck
22.a — F. H. Karl De la Motte Fouqué
23.a — Karl Giesebrecht
24.a — August Zeune
25.a — Fr. Rempel
26.a — Emilie Schreder
27.a — Paul Heyse
VI. Em inglez :
28.a De Edward Derby.
São portanto 28 e não 27 traducções, porque o Sr. Meschia provavelmente contou como uma só as duas do poeta hespanhol Hartzenbusch, aliás tão differentes entre si.
Temos pois:
Das portuguezas, a do Sr. José Ramos Coelho era já ha muito lida no seu apreciado livro de Novas Poesias; porém a de S. M. o Imperador do Brazil cremos ser inteiramente desconhecida de quasi todos os leitores, tendo sido apenas ouvida de raros intimos nas palestras lịtterarias de S. Christovam. O livro onde se estampou não o possuem as bibliothecas publicas d'esta capital, e tão pouco se encontra aqui á venda em casas de livreiros.
Logo é pois uma incontestavel novidade litteraria, um mimo precioso a régia traducção com que hoje brindâmos, neste breve opusculo, o público intelligente.
Addicionâmos a versão do fallecido Visconde de Porto-Seguro, (F. A. de Varnhagen) - impressa na 2ª serie de Lysia Poetica, edição exhausta e livro já pouco commum.
Se as nossas diligencias forem coroadas de bom exito, alcançando outras traducções que consta ainda haver em portuguez, dal-as hemos em nova edição, esgotada que seja esta, tornando assim mais avultada em numero e quissá em importancia a homenagem dos poetas da lingua de Garrett e Gonsalves Dias ao glorioso escriptor que tanto honra a patria de Virgilio e de Dante Alighieri.
Este opusculo apparece no dia cinco de Maio de 1885 como humilde preito de admiracão convencida ao potente ingenho creador que nos deu o Conte di Carmagnola, os Promessi Sposi e tantas obras immortaes.
M. O.
Rio de Janeiro, 5 de Maio de 1885.
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- ↑
.meteoro fatal ás régias frontes!
.... heroe de mil batalhas
Que o destino dos reis nas mãos continha,
.. heroe que c'o a ponta de seu gladio
No mappa das nações traçava as raias.D. J. G. DE MAGALHĀES, Napoleão em Waterloo. (Suspiros poeticos e saudades, Vienna, 1865, pp. 259 e 260.)
- ↑ ROVANI, La Mente di Al. Manzoni, (Milano, 1873) p. 26.
- ↑ V. Epistolario di Al. Manzoni, raccolto e annotato da Giovianni Sforza (Milano, 1882), vol. 1, lett. a Cesar Cantù, p. 466.
- ↑ "L'Austria aveva tosto reconosciuto nel Cinque Maggio del Manzoni un omaggio troppo splendido al suo temuto nemico, che pareva come evocato dal suo sepolcro, in quelle strofe potenti." — ANG. DE GUBERNATIS, Alessandro Manzoni, studio biografico (Firenze, 1879), p. 209.
- ↑ O autor do Fausto leu a sua traducção á côrte de Weimar em 8 de Agosto de 1822, e publicou-a pouco depois com o texto ilaliano no seu periodico Ueber Kunst und Alterthum, vol. 42, pp. 182 a 188. V. Opere inedite o rare di Al. Manzoni (Milano, 1883), vol. 1, p. 15, not.
- ↑ Em uma carta ao seu amigo De Virieu, o cantor do Jocelyn escreveu esta phrase significativa: Je voudrais l'avoir faite, V. DE GUBERNATIS, op. cit., p. 209, not.
- ↑ Ibidem.
- ↑ DE GUBERNATIS, op, cit., pp. 208 e 210.
- ↑ Cinque Maggio, str. 4.a
- ↑ C. A. MESCHIA, no prefacio das Ventisette traduzioni (de que adeante nos occuparemos), p. XII.
- ↑ É este o trecho por inteiro: « Ecco il Cingue Maggio, esempio stupendo di lirica eroica, dove la storia dei fatti e delle vicende meravigliose e terribili del grande capitano è siffattamente condeusata e con tanta rapidità d'immagni i di stile tratteggiata, che ti percuote l'animo di stupore » — Crestomazia Italiana della poesia moderna (Firenze, 1880) p. CII.
- ↑ Stor. della Letter. ital., vol, 11, p. 466.
- ↑ El Cinco de Mayo (Barcelona, 1879), p. 101.
- ↑ Poetas lyricos da geração nova (Revista Peninsular, 11, p. 442).
- ↑ Napoles, 82 de XXXVII—333 PP.
- ↑ Phrase expressiva de uma carta de Manuel de Mello, tão prematuramente roubado ás lettras, publicada na Gazeta de Noticias de 17 de Fevereiro de 1884, 2a pag., 6a col.
- ↑ Por felicidade rara conservou-se até hoje o rascunho original, e d'elie se deprehende perfeitamente o estado febril e agitado em que Manzoni se achava ao compor a ode celebrada, sob a impressao psychica do luctuoso successo. Foi um serviço a reproducção fiel d'este precioso autógrapho, bem como a de outros não menos valiosos que enriquecem o vol., impresso sob o titulo : Opere inedite o rare di Al. Manzoni, publicate per cura di Pietro Brambilla da Ruggerio Bonghi, vol. 1, Milano, 1883.
- ↑ A 1a linha da pag. do rosto traz a data — MAGGIO MDCOOLXXXIII. O livro foi impresso em Foligno, stabilimento Feliciano Campitelli, em 4º de xv—136 pp. e mais 2 de indice e errata.
- ↑ Referindo-se à sua collecção, o Sr. Meschia diz que está bem longe de ser completa. « Faltam-lhe algumaş traducções que me chegaram muito tarde, outras que me foram promettidas e ainda não as recebi, e mais outras para cuja impressão faltavam ao estabelecimento typographico os caracteres proprios. Entre estas ultimas, duas em armenio, muito estimaveis, a juizo de orientalistas competentes. E quantas não terão escapado ás minhas pesquizas ? — Tendo intenção de fazer dentro em pouco nova edição, rogo vivamente a todos aquelles que conheçam taes traducções o favor de m'as indicar, ou mandar-m'as copiadas, (Direcção : Presso il R. Liceo-Ginnusio Ennio Quirino Visconti, ROMA,)» Pag. XII, 2a nota.