Com força desusada
aquenta o fogo eterno
ũa ilha lá nas partes do Oriente,
de estranhos habitada,
aonde o duro Inverno
os campos reverdece alegremente.
A lusitana gente
por armas sanguinosas,
tem dela senhorio.
Cercada está dum rio
de marítimas águas saudosas;
das ervas que aqui nascem,
os gados juntamente e os olhos pascem.
Aqui minha ventura
quis que ũa grã parte
da vida, que não tinha, se passasse,
para que a sepultura
nas mãos do fero Marte
de sangue e de lembranças matizasse.
Se Amor determinasse
que, a troco desta vida,
de mim qualquer memória
ficasse, como história
que de uns fermosos olhos fosse lida,
a vida e alegria
por tão doce memória trocaria.
Mas este fingimento,
por minha dura sorte,
com falsas esperanças me convida.
Não cuide o pensamento
que pode achar na morte
o que não pôde achar tão longa vida.
Está já tão perdida
a minha confiança
que, de desesperado
em ver meu triste estado,
também da morte perco a esperança.
Mas oh! que se algum dia
desesperar pudesse, viveria.
De quanto tenho visto
já 'gora não m'espanto,
que até desesperar se me defende.
Outrem foi causa disto,
que eu nunca pude tanto
que causasse este fogo que me encende.
Se cuidam que me ofende
temor de esquecimento,
oxalá meu perigo
me fora tão amigo
que algum temor deixara ao pensamento!
Quem viu tamanho enleio
que houvesse ai esperança sem receio?
Quem tem que perder possa
se pode recear.
Mas triste quem não pode já perder!
Senhora, a culpa é vossa,
que para me matar
bastará ü'hora só de vos não ver.
Puseste-me em poder
de falsas esperanças;
e, do que mais me espanto:
que nunca vali tanto
que vivesse também com esquivanças.
Valia tão pequena
não pode merecer tão doce pena.
Houve-se Amor comigo
tão brando e pouco irado,
quanto agora em meus males se conhece;
que não há mor castigo
para quem tem errado q
ue negar-lhe o castigo que merece.
E bem como acontece
que assi como ao doente
da cura despedido,
o médico sabido
tudo quanto deseja lhe consente,
assi me consentia
esperança, desejo e ousadia.
E agora venho a dar
conta do bem passado
a esta triste vida e longa ausência.
Quem pode imaginar
que pode haver pecado
que mereça tão grave penitência?
Olhai que é consciência,
por tão pequeno erro,
Senhora, tanta pena!
Não vedes que é onzena?
Mas se tão longo e mísero desterro
vos dá contentamento,
nunca se acabe nele meu tormento.
Rio fermoso e claro,
e vós, ó arvoredos,
que os justos vencedores coroais,
e ao cultor avaro,
continuamente ledos,
dum tronco só diversos frutos dais;
assi nunca sintais
do tempo injúria algũa,
que em vós achem abrigo
as mágoas que aqui digo,
enquanto der o Sol virtude à Lũa;
porque de gente em gente
saibam que já não mata a vida ausente.
Canção, neste desterro viverás,
Voz nua e descoberta,
até que o tempo em Eco te converta.