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Dos Comentários da Guerra Gaulesa

Por A. Hircio[1]

Argumento

Prefácio de Hircio

Ações memoráveis de César no ano oitavo do seu procousulado. Fazem os lituriges a sua submissão c. 1-3. São debelados os Carnutes c. 4-5. Os Belovacos c. 6-22. É o Artrebate Comio acometido com ciladas c. 23. Divide-se o exército romano em muitos corpos; são de novo taladas as fronteiras de Ambiorigix; é Labieno mandado contra os Treviros c. 23-25. É a praça de Limon atacada por Dunaco, caudilho dos Andes; é Dunaco vencido c. 26-29. O lugar-tenente C. Caninio persegue o Senone Drapete e o cadurco Lucterio c. 30. Submetem-se os Carnutes e cidades comarcãs, c. 31. Fuga de Drapete e Lucterio para a praça de Uxeloduno, que é sitiada c. 32-33. Saindo da praça para trazer trigo e víveres, são Drapete e Lucterio batidos por C. Caninio c. 34-35. É Drapete aprisionado c. 36. Circunvala-se Uxeloduno; é Grutracto supliciado c. 37-38. Chegada de César a Uxeloduno; tolhe-se a água aos da praça; são incendiadas as obras dos Romanos; é a fonte da praça interceptada por minas c. 39-43. Rende-se Uxeloduno com todos os seus defensores; morte de Drapete; prisão de Lucterio c. 44. São os Treviros vencidos por Labieno c. 45. Submete-se a Aquitania; quartéis de inverno c. 46. É vencido o Artebrate Comio c. 47-48. Ano nono do proconsulado. Prefácio. Benignidade de César para com os Gauleses c. 49. Partida deste para Itália 50-51; sua volta para a Gália ulterior; prepõe Labieno à Gália Togada; princípio da guerra civil c. 52-53. As legiões tiradas a César por causa da guerra dos Partos são entregues a Pompeu.

Obrigado por tuas contínuas solicitações, ó Balbo, como quer que a minha quotidiana recusa te parecesse, não desculpa por causa da dificuldade mas deprecação de preguiça, empreendi um trabalho dificílimo. Continuei os comentários do nosso César sobre a guerra gaulesa, afim que, preenchida a lacuna, houvesse coerência dos antecedentes escritos com os subseqüentes, e conclui o novíssimo sobre a guerra de Alexandria, ainda imperfeito, até o fim, não da guerra civil, cujo termo não vemos, mas da vida de César. Oxalá que os que lerem este meu trabalho possam saber quão constrangido tive de fazê-lo para me julgarem isento do vício da estultícia e vaidade, por me haver entremetido entre os escritos de César. É, pois, opinião geral que não há obra tão cuidadosamente escrita por outro, que a não supere a elegância destes comentários, que escritos para servirem de memória aos historiadores, são de tal forma apreciados pelo consenso unânime dos doutos, que antes tiram, que dão faculdade de escrever sobre o mesmo assunto. E em tal obra é maior nossa admiração, que a dos outros, porque os outros só sabem quão bem e corretamente se ache ela escrita, mas nós sabemos ainda por cima, quão facil e rapidamente o foi. Havia em César não só a maior facilidade e elegância no escrever, como também o mais singular talento no explicar os seus pensamentos. A mim nem ao menos me coube a vantagem de assistir à guerra de Alexandria e à de África, das quais suposto temos em parte conhecimento pelo que delas nos contava César, contudo uma coisa é ouvirmos o que nos prende pela novidade e admiração, outra sermos nós mesmos testemunhas oculares do que havemos de dizer. Mas enquanto colijo todos os motivos de excusa para me não comparar com César, incorro no mesmo vício de vaidade, julgando que alguém me possa comparar com ele. Adeus.

Vencida toda a Gália, como quer que César, que em tempo nenhum cessara de fazer a guerra desde o precedente estio, quisesse refazer os soldados de tantas fadigas como repouso dos quartéis de inverno, entrou a espalhar-se que muitas cidades[2] concertavam novos planos de guerra, e faziam conjurações entre si. Dava-se como causa verosímil desta resolução haverem os Gauleses conhecido por experiência que por nenhuma multidão reunida num só lugar se podia resistir às armas Romanas, mas terem a convicção de que se muitas cidades[3] renovassem ao mesmo tempo a guerra em diversos pontos, não teria o exército do povo Romano, nem assás auxílio ou espaço, ou tropas, para acudir a toda a parte; e que nenhuma cidade[4] devia recusar sorte alguma de incômodo, contanto que com tal demora recobrassem as demais a liberdade.

Para que não ganhasse forças esta opinião dos Gauleses, prepondo aos seus quartéis de inverno o questor M. Antonio, partiu César com uma escolta de cavalaria, um dia antes das Calendas de janeiro[5], da praça de Bibracte para a décima terceira legião, que havia postado não longe das fronteiras[6] dos Heduos nas dos Bituriges, e juntou-lhe a undécima legião, que estava próxima. Deixando duas coortes de guarda às bagagens, conduziu o resto do exército para os fertilíssimos campos dos Bituriges, que possuindo largas fronteiras[7], e muitas praças fortes, não puderam ser contidos pelos quartéis de inverno de uma legião, que não aparelhassem guerra, e fizessem conjurações.

Com a repentina chegada de César aconteceu o que era necessário acontecesse a desprevenidos e dispersos, serem surpreendidos pela cavalaria, antes de poderem fugir para as praças fortes, os que achavam cultivando os campos sem nenhum receio. Porquanto até aquele sinal vulgar de incursão de inimigos, que soia perceber-se pelos incêndios das casas, havia sido suprimido por ordem de César, ou para que lhe não faltasse cópia de trigo e forragem, se quissesse internar-se no país, ou para que se não espantassem os inimigos com os incêndios. Capturados muitos milhares de homens, os Bituriges, que haviam fugido aterrados à primeira chegada dos Romanos, refugiaram-se nas cidades[8] vizinhas, ou fiados nos laços da hospitalidade particular, ou no concerto dos projetos comuns. Mas tudo foi em vão, porque César ocorria a todos os lugares, forçando marchas e a nenhuma cidade[9] dava espaço de pensar na alheia salvação antes da própria; e com esta celeridade não só conservava fiéis os amigos, como pelo terror obrigava os duvidosos a aceitar a paz. Colocados em tal extremidade, ao verem que pela clemência de César se lhes patenteava acesso à sua amizade, que as cidades vizinhas tinham dado reféns sem outra pena, e haviam sido tomadas sob a sua proteção fizeram os Bituriges o mesmo.

Por tanto trabalho e paciência promete César aos soldados que, em dias de inverno, por caminhos dificílimos, com frios intoleráveis, haviam sempre permanecido com zelo no trabalho, duzentos sestércios[10], e aos centuriões dois mil, concedidos a título de despojo e enviadas as legiões a quartéis de inverno, retira-se ele mesmo ao cabo de quarenta dias para Bibracte. Quando aí distribuía justiça, mandam-lhe os Bituriges embaixadores a pedir auxílio contra os Carnutes, de quem se queixavam que[11] lhes haviam feito guerra. Ao saber disto, não se tendo demorado mais de dezoito dias a invernar, tira dos quartéis de inverno do Arar as legiões décima quarta e sexta, que no precedente livro se disse haver aí postado por amor do abastecimento de víveres: assim marcha com duas legiões a perseguir os Carnutes.

Levada aos inimigos a fama do exército, escarmentados com a calamidade dos demais, fogem os Carnutes para diversas partes, abandonando as aldeias e povoações, onde habitavam em casebres feitos a pressa, segundo a necessidade, para suportar o inverno, pois vencidos há pouco haviam perdido muitas praças fortes. Não querendo que os soldados sofressem por causa das fortíssimas tempestades, que rebentam principalmente neste tempo, estabelece César arraiais em Genabo, praça dos Carnutes, e acomoda aqueles, parte nas casas dos Gauleses, parte em tendas com cobertura de palha, fabricadas a pressa. Expede nada obstante a cavalaria e peões seus auxiliares para todas as partes, que se dizia haverem os inimigos demandado: não o faz debalde; voltam os nossos pela mor parte com grande presa. Opressos com a dificuldade do inverno sobre o terror do perigo, e expulsos das casas sem ousarem fazer assento em parte alguma, nem poderem encontrar abrigo nos bosques em estação rigorisíssima, dispersam-se os Carnutes, e, perdida grande parte dos seus, espalham-se pelas cidades[12] vizinhas.

Tendo por bastante haver na mais rigorosa estação do ano dissipado as tropas que se reuniam, afim que não nascesse algum princípio de guerra, e explorado quanto era possível fazê-lo racionalmente, não poder dar-se guerra alguma importante no tempo dos quartéis de estio, colocou César à C. Trebonio a invernar em Genabo com as duas legiões, que consigo tinha. Depois sabendo pelas freqüentes embaixadas dos Remos, que os Belvacos, que sobrepujam em glória militar a todos os Gauleses e Belgas, bem como as cidades[13] a eles vizinhas, tendo por chefes o Belovaco Correo e o Atrebate Comio, preparavam exércitos que reuniam num lugar, no intuito de cairem com toda a multidão sobre as fronteiras[14] dos Suessiões, que estavam na dependência dos Remos; e, julgando importar não só à sua dignidade, como à sua segurança, não sofrerem aliados em todo tempo tão beneméritos da república dano algum, chama de novo dos quartéis de inverno a undécima legião, escreve além disso a C, Fabio, que leve às fronteiras[15] dos Suessiões as duas legiões que tinha, e manda vir uma das duas de Labieno. Assim, quanto exigia a oportunidade dos quartéis de inverno e o interesse da guerra, repartia alternadamente pelas legiões o ônus das expedições sem ter ele próprio descanso.

Reunidas estas tropas, marcha contra os Belovacos, e colocados arraiais nas fronteiras[16] destes, expede em todos os sentidos esquadrões de cavalaria, para capturar alguns, de quem pudesse conhecer quais eram os projetos dos inimigos. Os cavaleiros, tendo desempenhado a comissão, declaram haverem sido encontrados poucos nas casas, e esses, não que tivessem ficado para agricultar os campos (pois se tinha de toda a parte emigrado diligentemente) mas que haviam sido enviados para espiar. E inquirindo destes, em que lugar se achava a multidão dos Belovacos, e qual era o projeto dos mesmos, descobria: Que os Belovacos em estado de pegar em armas se haviam reunido em um só ponto, bem como os Ambianos, Àulercos, Catelos, Veliocasses, Atrebates, haviam, escolhido para arraiais um lugar elevado num bosque cercado de um pantanal, e passado as bagagens para os bosques ulteriores: que muitos eram os principais promotores da guerra, mas — em primeiro lugar obedecia a multidão a Correo, pelo grande ódio que este tinha ao nome romano: que poucos dias antes havia partido destes arraiais o Atrebate Comio para ir buscar auxiliares Germanos, que estavam próximos, e eram em número infinito: que os Belovacos porém tinham, por acordo de todos os principais, e com sumo ardor da plebe, resolvido, se César viesse com três legiões, como se dizia, oferecer-lhe batalha, para que se não depois obrigados a combater com todo o exército em piores e mais miseráveis condições; e se trouxesse maiores forças, permanecer na posição, que haviam escolhido, e tolher aos Romanos com emboscadas o corte da forragem (pois, por amor da estação, era pouca, e se achava disseminada), bem como o provimento de trigo e mais vitualhas.

Sabendo disto por informações concordes, e vendo serem tais disposições cheias de prudência, e mui alheias da temeridade de bárbaros, resolveu César usar de estratagema, para que o inimigo desprezando o nosso pequeno número, saisse mais depressa a campo. Tinha as velhas legiões, sétima, oitava e décima de singular bravura, e a undécima de grande esperança, composta de mocidade escolhida, a qual contava já oito estipêndios[17], se bem em relação às outras não pudesse ainda aspirar à mesma reputação de veteranice e bravura. Assim, convocado concelho, expõe tudo o que lhe havia sido referido, e confirma os ânimos da multidão. A ver se com o número das três legiões atraía os inimigos a combate, dispõe por tal forma a ordem da marcha, que as legiões sétima, oitava e nona precedessem todas as bagagens, seguindo-se depois a coluna destas (aliás medíocre, como sóe[18] acontecer nas expedições) escoltada pela legião undécima, para que se não pudesse dar aos inimigos aparência de maior multidão, que a que desejavam, por esta forma apresentou-se aos inimigos, antes do que podiam presumir, com o exército ordenado quase em quadrado.

Os Gauleses, cujos projetos cheios de confiança haviam sido expostos a César, como vissem virem chegando a passo firme as legiões ordenadas em batalha, ou pelo receio do perigo, ou com o repentino da chegada, ou na espectativa de nosso plano, formam suas tropas em batalha em frente dos arraiais sem descerem da posição superior. César, posto que desejava combater, admirado com tudo da multidão dos inimigos, num vale que se metia de permeio mais profundo que largo, assenta arraiais fronteiros aos dos mesmos. Ordena que se fortifiquem estes com um valo de doze pés, e se fabrique um parapeito proporcional ao valo, se cave um duplo fosso de quinze pés com lados a pique, se levantem amiudadas torres com altura de três tabolados, ligadas umas às outras com pontes assoalhadas, cujas frentes se fortifiquem com parapeitos de vimes: de modo que fôssemos guardados ods inimigos por um duplo fosso, e uma dupla ordem de defensores, dos quais uma, quanto mais segura pela altura, tanto mais audaz e distantemente arremessasse dardos das pontes, a outra, que colocada no mesmo valo ficava mais em contacto com o inimigo, fosse protegida pelas pontes contra os dardos arrojados. Colocou portas e torres mais altas nas entradas.

Duplo era o fim desta fortificação. Porquanto esperava não só que a grandeza das obras e o seu aparente receio haviam de inspirar confiança aos inimigos, como via também que, quando se tivesse de ir cortar forragem e trigo a maior distância, podiam os arraiais por sua mesma fortificação ser defendidos com pequenas forças. Éscaramuçava-se, entretanto, freqüentemente, avançando poucos de um lado e de outro, além do pantanal, que se metia de permeio entre os dois arraiais. Ora eram os nossos auxiliares Gauleses e Germanos, que transpunham o pantanal e perseguiam com mais ardor os inimigos; ora eram os inimigos, que o transpunham pelo seu turno, e repeliam os nossos para mais longe. Acontecia, porém, no forragear quotidiano, o que era mister acontecesse, quando se tinha de ir procurar pastp a raros e distantes casais, serem os forrageadores dispersos envolvidos em lugares embaraçosos; o que, ainda que só ocasionasse aos nossos medíocre perda de bestas e escravos, servia contudo para excitar a jactância dos bárbaros, e tanto mais que Comio, que eu disse partido para trazer auxiliares Germanos, chegara com cavaleiros, os quais, posto não excedessem a quinhentos, contribuiam nada obstante com sua vinda para aumentar o orgulho dos bárbaros.

Observando que o inimigo se conservava muitos dias nos seus arraiais fortificados pelo pantanal e pela natureza do lugar, e que estes não podiam ser atacados sem grande perda de homens, nem ser fechados com circunvalação senão por um exército maior, escreve César a Trebonio, que chame quanto mais depressa a décima terceira legião, que com o lugar-tenente T. Sextio, invernava nos Bituriges[19], e venha assim com três legiões a ter com ele a marchas forçadas; envia ele mesmo alternadamente a cavalaria dos Remos, a dos Ligones, e a das demais cidades[20], em proteção aos forrageadores, afim de repelirem as súbitas incursões dos inimigos.

Como quer que isto se fizesse quotidianamente, e a diligência diminuísse com o costume, o que, as mais das vezes acontece nas coisas aturadas, os Belovacos, conhecidas as estações de nossos cavaleiros, escolhendo uma tropa de peões, dispõem ciladas em lugares brenhosos, e para lá enviam no seguinte dia cavaleiros, que atraissem os nossos e os atacassem depois de cercados. Coube o desastre em sorte aos Remos, a quem competira fazer o serviço naquele dia. Estes, pois, como de repente avistassem alguns cavaleiros inimigos, e superiores em número os depresassem por poucos, enquanto os perseguem com mais ardor, são de todas as partes cercados. Perturbados com isto, retiram-se mais depressa do que é uso em combate eqüestre, havendo perdido a Vertisco, principal da cidade[21], e prefeito da cavalaria, o qual, mal podendo montar a cavalo pela idade, mas respeitando o costume Gaulês, nem se escusara da prefeitura com a velhice, nem quisera que se combatesse sem ele. Morto o principal e prefeito dos Remos, inflamam-se e ensoberbecem os inimigos com a vitória: ficam os nossos escarmentados com a perda para dispor estações em lugares mais bem explorados, e perseguir com menos ardor o inimigo quando cede.

Não são, entretanto, interrompidos diante de uns e outros arraiais os combates quotidianos, que se davam nos vaus e passagens do pantanal. Como neste empenho tivessem os Germanos que César mandara vir dalém Rim, para pelejarem interpostos aos cavaleiros, passado todos com mais constância o pantanal, e houvessem, mortos poucos que resistiam, perseguindo com mais pertinácia a restante multidão, fugiram vergonhosamente, cortados de terror, não só os que, ou eram oprimidos de perto, ou feridos de longe, mas até os que estavam na reserva, e não puseram termo à fuga, perdidas muitas vezes as posições eminentes, antes que, ou se recolhessem aos arraiais dos seus, ou fugissem alguns, obrigados pelo pejo, para mais longe ainda. E com o perigo destes de tal sorte se perturbaram todas as suas tropas, que mal se podia ajuizar qual era maior se a sua insolência nos mínimos sucessos prósperos, se a sua timidez num medíocre caso adverso.

Consumidos muitos dias nos mesmos arraiais, sabendo que se aproximavam as legiões com o lugar-tenente C. Trebonio e receiando cerco igual ao de Alesia, despedem por noite os caudilhos dos Belovacos todos os que eram inúteis para combater, ou pela idade, ou pelas enfermidades, ou por falta de armas assim como as mais bagagens. E enquanto desenvolvem a perturbada e confusa marcha destes (pois soe acompanhar aos Gauleses ainda desarmados uma multidão de carros), surpreendidos pelo dia, formam diante dos seus arraiais as tropas próprías para combater, afim que os Romanos não perseguissem a coluna das suas bagagens, antes que ela estivesse fora de alcance. Mas César nem julgava conveniente atacar com tamanha subida de monte as tropas formadas em ordem de batalha, nem também deixar de aproximar as legiões daquele ponto, para que os bárbaros não pudessem descer dele sem perigo, quando apertados por nossos soldados. Assim, vendo que os nossos eram divididos dos arraiais inimigos pelo pantanal, cuja embaraçosa dificuldade podia retardar a celeridade na perseguição, e notando que uma colina, que além do pantanal, quase tocava nos arraiais inimigos, estava deles apenas separada por medíocre vale, passa as legiões por pontes feitas sobre o pantanal e chega com brevidade à mais elevada planície dessa colina, que era de dois lados defensável por encostas declives. Formadas aí as legiões, avança até ao último cabeço, de onde com tormentos podiam ser arrojados tiros contra os cúneos dos inimigos, e ordena o exército em batalha.

Não recusando combater fiados na natureza do lugar, se os Romanos tentassem pela ventura subir a colina, nem podendo fazer debandar as suas tropas, para que não fossem atacadas dispersas, permaneceram os bárbaros ordenados em batalha. Vendo tal pertinácia, forma César vinte coortes em ordem de batalha, e demarcando arraiais neste lugar, os manda fortificar. Concluídas as obras, posta diante do valo as legiões ordenadas em batalha, e dispõe nas estações a cavalaria com os cavalos enfreiados. Vendo os Romanos prestes a persegui-los, e não podendo pernoitar, nem permanecer sem perigo mais tempo no mesmo lugar, recorreram os Belovacos ao seguinte estratagema para encobrir a sua retirada. Transmitidos entre si de mão em mão, como tinham de costume feixes de palha e ramas, de que tinham suma abundância nos arraiais, os colocaram em frente do seu exército, e ao cair do dia, a um sinal dado, lançaram fogo a todos ao mesmo tempo. Por esta forma a chama continuada tirou de repente aos Romanos a vista de todas as suas tropas. Logo que isto se deu, fugiram os Belovacos com aceleradíssima carreira.

César, ainda que não podia com os opostos incêndios perceber a retirada dos inimigos, suspeitando, todavia ser tal manobra feita para encobrir a fuga, faz avançar as legiões, e expede esquadrões de cavalaria para persegui-los, receiando, porém, ciladas, ou que o inimigo, guardando pela ventura a mesma posição, tentasse com isso atrair os nossos a um lugar desvantajoso, adianta-se um tanto vagarosamente. Os de cavalo, temendo entrar na cumiada da colina por entre densissimas chamas com fumo, e receiando ciladas, porque os que avançavam com mais ardor apenas enxergavam as cabeças de seus cavalos, deram aos Belovacos livre faculdade de se retirarem. Assim com uma fuga cheia de temor, e ao mesmo tempo de astúcia, adiantando-se sem perda alguma até dez mil passos, assentaram os inimigos os seus arraiais em lugar mui defensável. Dali, dispondo freqüentemente em emboscadas cavalaria e peonagem, ocasionavam muito dano aos forrageadores romanos.

Como quer que isto se desse com mais freqüência, sabe César de certo cativo que o caudilho dos Belovacos, Correo, tinha escolhido seis mil peões dos mais robustos, e mil cavaleiros dentre todos, para pôr de emboscada num lugar, para onde, por causa da muita abundância de pasto, suspeitava haverem os Romanos de mandar forragear. Sabendo de tal, tira dos arraiais mais legiões do que costumava, e manda adiante a cavalaria, que segundo o costume enviava em auxílio dos forrageadors: a esta interpõe auxiliares armados à ligeira; aproxima-se ele mesmo com as legiões o mais que pode.

Os inimigos dispostos em emboscadas escolheram para operar um campo, que em todos os sentidos não tinha de patente mais de mil passos, e era fechado por bosques e por um rio dificílimo: cercam-no todo de emboscadas como de uma rede. Conhecido o plano dos inimigos, os nossos, preparados para o caso, e não recusando sorte alguma de combate, porque contavam com o apoio das legiões, chegaram a este lugar. Com a chegada deles, Correo, que julgava ser-lhe deparada a ocasião oportuna, mostrou-se primeiramente com poucos, e investiu contra os próximos esquadrões. Sustentam os nossos a investida com firmeza, e não se reunem em massa num só lugar, o que não só de ordinário acontece nos combates eqüestres, quando há temor, mas ocasiona também perdas pela mesma aglomeração.

Quando dispostos os esquadrões, pelejavam poucos alternadamente, sem consentir que os seus fossem envolvidos pelos flancos, rebentam, combatendo Correo, os mais dos bosques. Trava-se com grande porfia combate em diversas partes. Sustendo-se este por muito tempo com vantagem ora de um lado, ora de outro, adianta-se pouco e pouco dos bosques a peonagem ordenada em batalha, que obriga os nossos cavaleiros a recuar. A estes socorrem com presteza os peões armados à ligeira, que eu disse terem sido mandados adiante das legiões, e pelejam corajosamente interpostos aos esquadrões. Combate-se algum tempo com igual porfia; depois, segundo requeria a natureza do combate, os que primeiramente sustentaram o assalto das emboscadas, tornam-se superiores, por isso mesmo que nenhum dano receberam da parte dos assaltantes sem prevenção. Aproximam-se, entretanto, as legiões, e chegam ao mesmo tempo aos nossos e aos inimigos freqüentes avisos de que se apresentava o generalíssimo com as tropas ordenadas em batalha. Ao sabê-lo, contando com o apoio das coortes, pelejam os nossos mui esforçadamente, para que não parecesse repartirem com as legiões a glória da vitória, se pela ventura a peleja se demorasse mais; esmorecem os inimigos, e procuram a fuga por diversas paragens. Em vão, pois são retidos pelas mesmas dificuldades, com que pretendiam fechar os nossos. Vencidos, contudo, e rechassados com perda da maior parte, fogem consternados, demandando uns os bosques, outros o rio, os quais todos são mortos na fuga, perseguindo-os os nossos com encarniçamento, quando, entretanto, Correo por nenhuma calamidade vencido, não pôde ser induzido a retirar-se da peleja para procurar os bosques, ou a render-se a convite dos nossos, que, combatendo com muito esforço, e ferindo a muitos, não obrigasse os vencedores impelidos pela ira a arremessar setas contra ele.

Como depois desta vitória entrasse César pelos recentes vestígios da batalha, e julgasse que os inimigos, vencidos por tamanho desastre, haviam de, com a notícia dele, abandonar os seus arraiais, apenas distantes do lugar do morticínio oito mil passos pouco mais ou menos, dado que via a passagem embaraçada pelo rio, avança, nada obstante, passado o exército além dele. Mas os Belovacos e as demais cidades[22], recebidos de improviso poucos da fuga, e esses feridos, que escaparam da morte com a proteção dos bosques, vendo, a tal notícia, ser-lhes tudo adverso, ter sido morto Correo, haver perecido a cavalaria com a melhor peonagem, e sabendo aproximarem-se os Romanos, convocado repentinamente concelho a toque de trombeta, clamam, que se mandem a César embaixadores e reféns.

Aprovada por todos tal resolução, refugia-se o Atrebate Comio entre os Germanos, que lhe haviam prestado auxiliares para esta guerra. Os demais enviam logo embaixadores a César a quem suplicam: "Que se satisfaça com aquele castigo dos inimigos, o qual se pudesse dar-lhe sem combate, antes de terem eles sofrido tamanha perda, nunca, atenta a sua demência e humanidade, lhes havia por certo de inflingir. Porquanto totalmente quebrantadas tinham ficado as forças dos Belovacos com o combate da cavalaria, haviam perecido muitos milhares de peões escolhidos, e escapado apenas os que trouxeram a notícia do morticínio. Mas, em tanta calamidade, uma vantagem ao menos tinham eles conseguido, a de haver sido no combate morto Correo, autor da guerra e concitador da multidão. Pois, em vida dele, nunca o senado pudera tanto, como a plebe ignorante."

A este discurso dos embaixadores replica César: "Que os Belovacos conjuntamente com as demais cidades[23] lhe haviam feito guerra o ano passado, e de todos só eles tinham persistido no propósito com muita tenacidade, sem se deixarem trazer à razão com a rendição dos mais. Que bem sabia, e via ser facílimo lançar à conta dos mortos a culpa, que era de todos; mas que ninguém era tão poderoso, que, contra a vontade dos principais, resistindo o senado, impugnando todos os bons, pudesse com uma fraca multidão de populacho promover e sustentar guerra; que, nada obstante, se satisfaria ele com o castigo, que a si próprios haviam dado."

Na seguinte noite levam os embaixadores a resposta aos seus, que completam o número de reféns. Os embaixadores das demais cidades[24], que aguardavam o sucesso dos Belovacos, concorrem pelo seu turno. Dão reféns, e executam quanto lhes é ordenado, menos Comio, a quem o temor arredava de cometer sua segurança a quem quer que fosse. No ano precedente, como T. Labieno, enquanto César administrava justiça na Gália citerior, soubesse que Comio andava solicitando as cidades[25], e tramando uma conjuração contra César, julgou que a infidelidade desse caudilho podia ser comprimida sem nenhuma exprobação de perfídia. E porque julgava que, se fosse chamado, não viria aos arraiais, para o não tornar mais cauteloso, tentando fazê-lo, enviou a C. Voluseno Quadrato, que com a simulação de uma conferência, tratasse de matá-lo. Deu-lhe centuriões para isso de propósito escolhidos. Quando se chegou ao lugar da conferência, e C. Voluseno apertou, como se havia assentado, a mão de Comio, o centurião encarregado da execução, ou abalado pelo insólito do caso, ou prontamente embargado pelos amigos de Comio, não pôde acabar o homem, que com a espada feriu gravemente na cabeça de um golpe. Desembainhando-se as espadas de parte a parte, tiveram uns e outros por fim não tanto pelejar, como fugir: os nossos, porque julgavam a Comio mortalmente ferido; os Gauleses, porque, conhecida a cilada, temiam maior perigo, que o que viam. Porisso dizem jurara Comio nunca comparecer na presença de qualquer romano.

Como, vencidas as nações as mais belicosas, visse César não haver já cidade[26], que preparasse guerra para resistir-lhe mas emigrarem alguns das praças fortes, e fugirem dos campos, com o fim de evitarem o presente domínio, resolveu distribuir o exército por muitas partes. Ao questor M. Antonio junta-o a si com a duodécima legião. Ao lugar-tenente C. Fabio manda-o com vinte e cinco coortes para a parte oposta da Gália, porque ouvia dizer acharem-se aí em armas certas cidades[27], nem reputava o lugar-tenente C. Caninio, que estava naquelas regiões, assás guarnecido com as duas legiões que tinha. A T. Labieno chama-o a si; a legião décima quinta, que com ele invernara, a envia para a Gália Togada a proteger as colônias dos cidadãos romanos, afim que com as correrias dos bárbaros se não desse igual desgraça à que no precedente estio tinha acontecido aos Tergestinos, que foram oprimidos com a súbita pilhagem e assalto dos mesmos. Parte ele a talar e assolar as fronteiras de Ambiorix[28]; pois, tendo perdido a esperança de havê-lo as mãos, por andar aterrado e foragido, julgava de sua dignidade despojar-lhe as fronteiras de cidadãos, edifícios, gados, para que odiado dos seus, que ainda pela ventura restassem, não pudesse como ocasião de tais calamidades voltar mais para a cidade.

Depois que, expedindo as legiões e os auxiliares para diversos pontos das fronteiras de Ambiorix, tudo devastou com morticínios, incêndios, rapinas, morto ou aprisionado grande número de homens, enviou a Labieno para os Treviros, cuja cidade, endurecida em quotidianas guerras com a vizinhança dos Germanos, não diferia muito destes em costumes e feridade[29], nem cumpria o que lhe era ordenado senão coagida por exército.

Nestes entrementes o lugar-tenente C. Caninio informado por cartas e expressos de Duracio que se tinha conservado sempre fiel aos Romanos, não obstante a rebelião de parte da cidade[30], de que se havia juntado nas fronteiras dos Pictões grande multidão de inimigos, marchou para a praça de Limon[31]. Ao aproximar-se dali, soube com mais certeza dos cativos, que Duracio se achava cercado na praça por Dunaco, caudilho dos Andes, à frente de muitos mil homens, e não ousando opor aos inimigos as legiões incompletas, assentou arraiais em lugar fortificado. Dunaco, à noticia da aproximação de Caninio, voltadas as tropas contra as legiões, começou a atacar-lhes os arraiais. Depois de consumir muitos dias no ataque, e sofrer grande perda sem poder escalar as fortificações por parte alguma, voltou de novo a sitiar Limon.

Pelo mesmo tempo recebe o lugar-tenente C. Fabio a submissão de muitas cidades[32], assegurando-se dela como reféns, e é por cartas de C. Caninio Rebilo certificado do que se passa nos Pistões[33]. Com a notícia destas coisas marcha a socorrer a Duracio. Mas Dunaco, ao saber da vinda de Fabio, julgando-se perdido, se se visse obrigado a fazer rosto ao Romano inimigo externo, e a olhar para trás e temer os de dentro da praça, retira-se com as tropas repentinamente deste lugar, e não crê estar assás seguro, senão depois que as tiver transposto além do rio Liger, que por sua grandeza havia de ser passado pela ponte. Fabto, se bem ainda se não tivesse avistado com o inimigo, nem houvesse feito junção com Caninio, instruído todavia pelos que conheciam a natureza do terreno, pensou otimamente que os inimigos aterrados haviam demandar o lugar, que procuraram. Dirige-se, pois, com as tropas à mesma ponte, e ordena à cavalaria que avance tanto para diante das legiões em marcha, quanto, depois que tivesse avançado, fosse possível fazer retirada para os mesmos arraiais sem cansaço dos cavalos. Alcançam nossos cavaleiros, e invadem, segundo as ordens, o exército em marcha de Cunaco; e agredindo os inimigos, quando fugiam aterrados sob as cargas, apoderam-se de grande presa, matando a muitos.

XXVIII

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Na seguinte noite manda Fabio a cavalaria adiante com instruções para combater, e demorar a marcha de todo o exército inimigo, até que o mesmo chegasse. Para que a ação se realisasse segundo as instruções, o prefeito da cavalaria Q. Atio Varo, militar tão esforçado como prudente, depois de exortar os seus, chegando ao alcance dos inimigos, dispõe uma parte dos esquadrões na reserva em lugares idôneos, e trava o combate com outra parte. Peleja a cavalaria inimiga mais audazmente, sendo socorrida pela peonagem, que faz alto em todo o exército para levar auxílio aos cavaleiros contra os nossos. Sustenta-se o combate com encarniçada porfia. Porquanto, os nossos, desprezando inimigos vencidos na véspera, lembrando-se de que os seguiam as legiões, e animando-se já com o pejo de ceder, já com o desejo de concluir por si a batalha, pelejavam mui esforçadamente contra a peonagem; os inimigos, crendo que nenhumas tropas mais haviam de chegar, como viram acontecer na véspera julgavam ter deparado a ocasião de destruir a nossa cavalaria.

Combatendo-se por algum tempo mui renhidamente, forma Cunaco o seu exército em ordem de batalha, para socorrer a sua cavalaria alternadamente; quando se apresentam à vista do exército inimigo as legiões com as fileiras cerradas. À tal vista a cavalaria e a infantaria dos bárbaros, abaladas e aterradas, fogem a cada passo com grande clamor e carreira, abandonando as bagagens. Mas os nossos cavaleiros, que pouco antes haviam combatido mui esforçadamente com os que resistiam, ensoberbecidos com a alegria da vitória, cercam de todas as partes com grande clamor os que fugiam, e matam tanto nesta batalha, quanto valem as forças dos cavalos para perseguir, e as dextras para ferir. Assim mortos mais de doze mil, ou com as armas na mão, ou que tinham na ocasião largado as armas, cai em nosso poder toda a bagagem.

Constando depois desta derrota que o Senone Drapete, o mesmo que, quando a Gália se revoltara pela primeira vez, à frente de uma tropa de homens perdidos, escravos, bandidos e ladrões, havia interceptado aos Romanos as bagagens e vitualhas, reunidos uns cinco mil homens, que escaparam dela, marchava contra a província[34], tendo-se para isso concertado com o Cadurco Lucterio, que no precedente livro se disse ter também tentado invadi-la na primeira revolta da Gália, partiu com duas legiões a persegui-los o lugar-tenente C. Caninio, afim de evitar o insígne descrédito de ser a província assolada ou aterrada, com os latrocínios de homens perdidos.

Com o restante exército marcha C. Fabio contra os Carnutos e as demais cidades[35], cujas tropas sabia terem ficado mui reduzidas no combate havido com Dunaco. Sendo que acreditava, que havia de encontrá-las mais submissas com a recente calamidade, mas que, se lhes desse espaço e tempo, podiam rebelar-se de novo por instigações de Dunaco. Com grande felicidade e celeridade se houve Fabio na redução das mesmas à obediência. Conquanto os Carnutes, que, muitas vezes perseguidos, nunca tinham falado em paz, fazem a sua submissão, dando reféns, e as demais cidades[36], que, situadas nas últimas fronteiras[37] da Gália, vizinham com o Oceano, com o exemplo dos Carnutes demovidas, à chegada de Fabio com as legiões, executam prontamente tudo quanto lhes é ordenado. Expulso de suas fronteiras[38], divagando só, e ocultando-se, viu-se Dunaco obrigado a demandar as mais remotas regiões da Gália.

Mas Drapete e Lucterio, como soubessen que se aproximava Caninio com as legiões, e vissem que, perseguindo-os o exército, não podiam, sem sua total ruína, devassar as fronteiras[39] da província, nem tinham livre faculdade de roubar, fazem alto nas fronteiras[40] dos Cadurcos. Aí Lucterio, que, antes das derrotas, tinha muito poder entre os seus concidadãos, e, como promotor de tentames arriscados, grande crédito com os bárbaros, ocupa com as suas e as tropas de Drapete a praça de Uxloduno, que, egregiamente defensável pela posição, tinha estado na sua clientela e agrega-se os habitantes..

XXXIII

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Depois de aí haver chegado, vendo serem todas as partes da praça guarnecidas de rochas escarpadíssimas, onde, ainda, ninguém defendendo, seria difícil ao soldados subir armados, mas notando serem grandes as bagagens dos habitantes, as quais se eles quisessem subtrair com fuga clandestina não só não evitariam a cavalaria mas nem sequer as legiões, dividiu Caninio as coortes em três corpos e fez arraiais em lugar mui elevado, dos quais pouco e pouco, quanto permitiam as tropas, começou a formar um valo em volta da praça.

A tais preparativos, os da praça, solícitos com a misérrima lembrança de Alésia, e receiosos de igual caso de bloqueio, e mais que todos Lucterio, que falando como quem experimentara aquela sorte, aconselhava a que se devia entender no abastecimento de víveres, resolvem, por comum acordo, deixar parte das forças para guarnecer a praça, e partir com as tropas expeditas a procurar trigo. Tomada tal resolução, Crapete e Luterio, deixando na praça dois mil homens armados, partem na seguinte noite com as demais tropas. Estes, com demora de poucos dias, tiram grande quantidade de trigo das fronteiras[41] dos Cadurcos, dos quais uns desejavam socorrê-los com ele, outros não podiam embaraçar que dele se provessem, e atacam por vezes alguns dos nossos fortes com assaltos noturnos. Em conseqüência disto demora C. Caninio a circunvalação da praça toda, receiando ou não poder defender a obra depois de concluída, ou dispor fracas guarnições em muitos lugares.

Aprestada grande cópia de trigo, fazem Drapete e Lucterio alto dez milhas da praça não mais, para daí ir aos poucos transportando para ela o trigo. Repartem entre si os encargos. Drapete fica de guarda aos arraiais com parte das tropas. Lucterio dirige a coluna das bestas para a praça. Colocados postos em certos lugares, pela décima hora[42] da noite pouco mais ou menos, começa a transportar o trigo para a praça por caminhos estreitos entre os bosques. Como quer os arraiais sentissem o estrepito, e os exploradores enviados a examinar dessem conta do que era, com coortes armados tiradas dos próximos fortes ataca repentinamente Caninio aos recoveiros ao raiar do dia. Estes aterrados com o assalto repentino fogem para os seus postos guarnecidos; ao notá-lo, os nossos incitados mais acremente contra os que se defendiam com armas, a nenhum deste número deixam com vida. Foge Lucterio com poucos, sem poder alcançar seus arraiais.

Depois desta vitória sabe Caninio dos cativos que parte das tropas estavam com Drapete nos arraiais a não mais de doze milhas de distância. Sendo-lhe isto coifirmado por muitos e entendendo que, afugentado um dos caudilhos, podiam os mais inimigos aterrados ser facilmente opressos, reputa uma fortuna não se haver do morticínio salvado nos arraiais um só, que levasse a Drapete a notícia da calamidade. Vendo não haver perigo em fazer a experiência, manda diante contra os arraiais dos inimigos toda a cavalaria, e os peões Germanos, homens de suma velocidade, distribui uma legião pelos três arraiais, e leva consigo a outra expedita. Ao chegar perto dos inimigos, sabe dos exploradores, que mandara diante, que os arraiais desses, segundo o costume quase geral dos bárbaros de desprezarem as alturas, estavam assentados à margem de um rio, e que os Germanos e a cavalaria haviam de improviso caido sobre os inimigos desprevenidos, e travado combate. A tal notícia aproxima a legião armada e formada em ordem de batalha. Ao sinal dado tomam-se de repente todas as alturas. Logo que isto se realiza, os Germanos e a cavalaria, vistas signas da legião, combatem com grande esforço. Imediatamente dão as coortes assalto de todos os lados, e ou mortos ou aprisionados os inimigos, apoderam-se de grande presa. Neste combate é aprisionado o mesmo Drapete.

XXXVII

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Alcançada esta felicíssima vitória sem ferimento quase algum do soldado, volta Caninio a sitiar aos da praça, e destruido o inimigo externo, cujo temor dantes o embaraçava de dividir os seus postos, e circunvalar os da praça, ordena que se continue por toda a obra de circunvalação. No seguinte dia chega C. Fabio com suas tropas, e encarrega-se de sitiar uma parte da praça.

XXXVIII

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Nestes entrementes deixa César ao questor M. Antonio nos Belovacos[43] com quinze coortes, afim de tirar aos Belgas a possibilidade de se rebelarem de novo. Parte ele mesmo para as restantes cidades[44], exige maior número de reféns, e anima com consolações os espíritos temerosos de todas. Ao chegar aos Carnutes, em cuja cidade expôs no precedente livro ter tido princípio a guerra, como os via estarem temerosos pela consciência da culpa, afim de mais prontamente livrar a cidade[45] de temor exige, para ser supliciado, ao principal autor da rebelião e promotor da guerra, Gutruato. Se bem nem aos seus mesmos concidadãos ousasse este confiar a sua segurança, contudo procurado diligentemente por todos, é em breve encontrado, e conduzido aos arraiais. No suplício deste é César obrigado contra a natureza a comprazer com a exigência da soldadesca, que lhe representava quantos riscos e danos de Gutruato recebera, a ponto de ser ele ferido com a segure depois de açoitado até expirar.

Aí é César informado pelas amiudadas cartas de Caninio do que se passara relativamente a Drapete e Lucterio, bem como da resolução em que persistiam os da praça. Se bem desprezasse o pequeno número destes, julgava, todavia, que a sua pertinácia devia ser severamente castigada, para que a Gália não ficasse supondo que não lhes tinham faltado forças para resistir aos Romanos, mas unicamente constância, e, com tal exemplo, não tentassem as demais cidades[46], recobrar a liberdade, fiadas em posições inexpugnáveis, sendo notório a todos os Gauleses que restava um único estio do governo de César, durante o qual se se pudessem sustentar, não teriam mais perigo a temer. Deixa, pois, o lugar-tenente Q. Caleno com as legiões, ordenando-lhe que o seguisse a marchas regulares. Parte ele mesmo com toda a cavalaria a reunir-se a Caninio o mais rapidamente que pode.

Chegando a Uxeloduno contra a expectação geral, achando a praça circunvalada a ponto de se não poder mais desistir do cerco, e sabendo dos transfugas estarem os sitiados abundantemente providos de trigo, empreendeu César tentar privá-los de água. Dividia um rio o profundo vale, que quase cingia o monte, em que estava assentada a praça de Uxeloduno por toda parte escarpada. Vedava a natureza do lugar desviar o rio, pois corria tão entranhado pelas ínfimas raízes do monte, que para nenhuma parte podia ser derivado com excavações declives. A descida a ele era difícil e escarpada para os sitiados, de modo que, proibindo os nossos, não podiam ir ao rio nem recolher-se por subida íngreme sem feridas e risco de vida. Conhecida essa dificuldade, dispondo arqueiros e fundibulários e ainda tormentos em certos lugares contra as descidas mais fáceis, os privava César da água do rio.

Reunia-se, depois, toda a multidão dos aguadeiros num lugar junto ao muro da mesma praça, onde rebentava uma fonte abundante naquela parte, que, com um intervalo de trezentos pés, deixava de ser abrangida pelo circuito do rio. Desejavam os mais que os sitiados pudessem ser privados desta fonte, mas César só é que via a possibilidade de consegui-lo. Começa, pois, a fazer mantas de guerra defronte desta contra o monte e a construir um terrado com grande trabalho e contínuo pelejar. Correm os inimigos das alturas, combatem de longe sem perigo e ferem a muitos que subiam pertinazmente; não são, todavia, os nossos soldados desviados de estender as mantas de guerra, e vencer com trabalho e obras as dificuldades dos lugares. Das mantas fazem ao mesmo tempo minas por baixo da terra para a matriz da fonte; gênero de trabalho, que empreendiam sem perigo algum, nem suspeita dos inimigos. Constroe-se um terrado de sessenta pés de altura; coloca-se nele uma torre de dez tabolados, não para igualar os muros, o que se não podia conseguir com obras algumas, mas para sobrepujar a eminência da fonte. Da torre se arremessam dardos contra a entrada da fonte, e não podendo os sitiados fazer aguada sem risco, pereciam à sede, não só gados e bestas, mas ainda grande multidão de inimigos.

Aterrados com este mal, os sitiados enchem tonéis com sebo, pez, e pedaços de ripas, rolam-nos acesos contra as obras, e fazem ao mesmo tempo uma vigorosa sortida para, com o perigo da peleja, divertir aos Romanos de apagar o fogo. Houve de repente grande incêndio nas obras. Os tonéis acesos, impelidos por lugar precipite, e detidos pelas mantas de guerra e pelo terrado, incendiavam aquilo mesmo que os demorava. Os nossos soldados, posto que opressos pelo perigoso gênero de combate e pela desvantagem da posição, tudo, nada obstante, suportavam com ânimo esforçadíssimo. Dava-se o combate não só em lugar excelso, mas também à vista de nosso exército, e de uma e outra parte grande clamor se levantava. Assim, todo soldado que sobresaía em bravura, para que esta fosse apreciada e admirada, se oferecia aos dardos dos inimigos e ao fogo.

Vendo serem feridos muitos dos seus, manda César subirem as coortes o monte por todas as partes da praça, e em todas levantarem clamor com simulação de ocuparem as muralhas. Aterrados com esta operação, os sitiados incertos do que se passava nos mais lugares, chamam os combatentes do assalto das obras, e os dispõem pelas muralhas. Assim os nossos, dado fim ao combate, extinguem rapidamente o fogo, em parte apagando as obras incendiadas, em parte cortando as intactas das abrasadas. Resistindo os sitiados pertinazmente, e persistindo na mesma opinião, apesar de mortos a sede muitos dos seus, são por último cortadas e derivadas pelas minas as veias da fonte. Secou imediatamente a fonte perene; e este fato tal desesperança de salvação ocasionou nos sitiados, que o reputaram obra não da indústria humana, mas da vontade dos deuses. Assim renderam-se obrigados da necessidade.

Sabendo ser a sua brandura de todos conhecida, não receiando passar por cruel de natureza por haver praticado um ato de rigor, nem vendo termo a seus esforços, se mais povos tentassem por tal forma revoltas em diversos lugares, resolveu César aterrar os restantes com o tremendo do suplício. Assim, a todos os que pegaram em armas, cortou as mãos, e concedeu a vida, afim que o castigo dos maus se tornasse mais patente. Dravete, que eu disse haver sido aprisionado por Caninio, ou não podendo suportar a indignidade e a dor dos ferros, ou temendo castigo maior, absteve-se de comer por uns poucos de dias, e assim pereceu. Pelo mesmo tempo Lucterio, que escrevi ter escapado da derrota, caiu em poder do Arverno Epasnacto (pois mudando freqüentemente de lugar, se confiava à lealdade de muitos, sendo que não podia sem perigo demorar-se muito em parte alguma, pela consciência de quão grande inimigo tinha em César): o Arverno Epasnacto, amicíssimo do povo romano, o conduziu manietado a César sem a menor hesitação.

Ganha, entretanto, Labieno uma batalha eqüestre nos Treviros[47], e mortos muitos Treviros e Germanos, que a ninguém recusavam auxílios contra os Romanos, captura vivo os principais chefes destes e entre eles o Heduo Suro, homem notável por seu valor e nobreza, e o único dos Heduos, que se tinha até então conservado em armas.

Ao saber desta vitória, vendo acharem-se por toda parte as coisas em bom pé, e reputando haver sido a Gália vencida e submetida nas precedentes campanhas, como nunca tivesse sido a Aquitania, em parte subjugada por P. Crasso, partiu César com duas legiões para esta parte da Gália, afim de aí passar o último tempo dos quartéis de estio. Concluiu esta expedição com a mesma presteza e felicidade, que as demais. Porquanto todas as cidades da Aquitania lhe enviaram embaixadores, e deram reféns. Terminadas estas coisas, partiu o mesmo para Narbona com uma guarda de cavalaria. Por meio dos lugar-tenentes pôs o exército em quartéis de inverno: a quatro legiões colocou-as na Bélgica com os lugar-tenentes M. Antonio, C. Trebonio, L. Vatinio e Q. Tullio; a duas enviou para os Heduos[48], cuja autoridade em toda a Gália sabia ser a maior; a duas pôs entre os Turões nas fronteiras dos Carnutes, para conterem toda aquela região conjunta ao Ocean, as duas restantes, nas fronteiras dos Lemovicos não longe dos Arvernos, afim de nenhuma parte da Gália ficasse desguarnecida de exército. Poucos dias se demorou na província, percorrendo com presteza os lugares das reuniões das juntas, conhecendo das públicas controvérsias, e distribuindo prêmios aos beneméritos, pois ninguém se achava mais no caso de saber de que ânimo tinha estado cada um na rebelião de toda a Gália, que com a fidelidade e os auxílios daquela província havia vencido. Concluídas estas coisas, retira-se para a Bélgica a ter com as legiões, e inverna em Nemetocena.

Aí sabe haver o Atrebate Comio combatido com a sua cavalaria. Pois, como Antonio tivesse vindo invernar, e a cidade dos Atrebates se conservasse no dever, Comio, que depois daquele ferimento, que mencionei, costumava estar. sempre preparado para os movimentos, que empreendessem seus concidadãos afim que quando concebessem projetos de guerra, não lhes faltasse impulsor e chefe, obedecendo a cidade[49] aos Romanos, com os seus cavaleiros se sustentava a si e aos seus de latrocínios, e, infestando os campos, interceptava muitos comboios de víveres, que eram transportados para os quartéis de inverno dos Romanos.

XLVIII

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A Antonio havia sido adjunto o prefeito da cavalaria C. Voluseno Quadrato, afim de com ele invernar. A este expede Antonio a perseguir a cavalaria dos inimigos. A singular esforço reunia Voluseno grande ódio contra Comio, para desempenhar a comissão de melhor vontade. Assim, dispõe emboscadas, e atacando freqüentemente a cavalaria deste, alcança sobre ela vantagens. Combatendo-se por último com mais encarniçamento, e no empenho de aprisionar a Comio, que o atraía para longe com precipitada fuga, perseguindo-o Voluseno mais tenazmente com poucos, invoca Comio a proteção e o auxílio dos seus contra o seu inimigo, pedindo-lhes não consentissem ficarem impunes as feridas que recebera com violação da fé pública, e voltando o cavalo, arroja-se imprudentemente sobre o prefeito. Praticam todos os seus cavaleiros o mesmo, fazem voltar de rosto aos nossos poucos, e os perseguem por seu turno. Chega Comio o cavalo incitado com as esporas ao de Quadrato, a quem com a lança vibrada com muita força vara uma das coxas. Ferido o prefeito, não hesitam os nossos em resistir e repelir o inimigo, fazendo voltar os cavalos. Logo que tal se deu, abalados com o grande choque dos nossos, muitos dos inimigos são feridos, parte, esmagados na fuga, parte aprisionados (mal que evitou o seu caudilho pela velocidade do cavalo) e tão gravemente foi por ele ferido o prefeito neste combate, aliás vantajoso, que por correr perigo de vida, é transportado aos arraiais. Comio, porém, ou por haver satisfeito a sua paixão, ou por ter perdido grande parte dos seus, envia embaixadores a Antonio, e confirma com reféns, que havia de permanecer no lugar, que lhe designasse, e fazer quanto lhe ordenasse: pede unicamente, seja concedido ao seu temor, o não comparecer na presença de Romano algum. Vendo que tal pedido partia de um temor justificado, concedeu-lhe Antonio o perdão, e aceitou os reféns.

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Sei que César consagrou um comentário especial a cada ano da guerra, que fez na Gália: não julguei dever fazer a mesma divisão, porque o ano seguinte, o do consulado de L. Paulo e C. Marcelo, nada ali oferece de importante. No entanto, para que ninguém ignore em que lugares esteve César e o seu exército, ou o que fez neste tempo, di-lo-ei resumidamente e o ajuntarei a este comentário

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Invernando na Bélgica, tinha César unicamente em vista conter as cidades[50] na amizade, e a nenhuma dar esperança ou motivo de revoltas. Nada pois desejava menos que ver-se imposta a necessidade de fazer guerra no momento de partir, afim que, quando houvesse de retirar o exército, não restasse alguma guerra, que toda a Gália, sem receio do presente perigo, de boamente abraçaria. Assim, tratando as cidades honorificamente, obrigando os seus principais com avultados prêmios, não impondo a essas tributos, facilmente conseguiu, melhorada a condição da obediência, manter em paz a Gália por tantas derrotas cansada.

Contra seu costume partiu César para a Itália, concluido o inverno, a quanto maiores jornadas pôde, no intuito de visitar os municípios e as colônias, a que recomendara a candidatura ao sacerdócio do seu questor M. Antonio. Não só empregava de boamente a sua popularidade, em favor de um homem, que lhe era tão devotado, e a quem enviara pouco antes a solicitar esta dignidade, como com insistência contra a facção e o poder de poucos, que, com a rejeição de M. Antonio, desejavam acabar com a influência dele César, quando terminava o seu governo. Posto que, antes de tocar na Itália, soubesse em caminho haver sido Antonio feito augur, julgou todavia ter justo motivo de visitar os municípios e as colônias, afim de agradecer-lhes o apoio e os bons ofícios que a Antonio prestaram e recomendar-lhes ao mesmo tempo a sua própria candidatura ao consulado para o seguinte ano, sendo que gloriavam-se insolentemente seus adversários de haverem sido criados cônsules L. Lentulo e C. Marcelo, que o despojariam de toda a honra e dignidade, e haver sido arrancado o consulado a Ser. Galba[51], que contava com muito mais apoio e sufrágios, isto porque lhe era conjunto em amizade, e tinha sido seu lugar-tenente.

Foi a chegada de César por todos os municípios e colônias acolhida com honras e afeições incríveis. Chegava ele então pela primeira vez depois de concluída aquela guerra da Gália inteira. Nada se omitia do que podia excogitar-se para ornamento das portas, dos caminhos, de todos os lugares, por onde tinha de passar. Saia-lhe ao encontro toda a multidão com os filhos, imolavam-se vítimas em todos os lugares, levantavam-se mesas nas praças e nos templos, de modo que podia ser por ele de ante-mão fruida a alegria do mais almejado triunfo. Tanta era a magnificência dos ricos, tamanho o desejo de comprazer-lhe os pobres.

Depois de haver percorrido todos os distritos de Gália Togada, voltou César quanto mais depressa ao exército em Nemetocena, e chamadas as legiões de todos os quartéis de inverno para as fronteiras[52] dos Treviros, para lá se dirigiu, e passou-lhes revista. A T. Labieno prepô-lo a Gália Togada, afim que melhor o pudesse auxiliar na sua candidatura ao consulado. Fazia ele próprio tantas marchas, quantas julgava bastantes para a mudança de lugar, por causa da conservação da saúde das tropas, Aí posto ouvia dizer freqüentemente ser Labieno solicitado pelos seus inimigos, e era informado partirem as solicitações de poucos, com o fim de, interposta a autoridade do senado, o despojarem de alguma parte do exército, nem todavia acreditou coisa alguma acerca de Labieno, nem pôde ser induzido a empreender o que quer que fosse contra a autoridade do senado. Julgava, pois, obter facilmente justiça, se as deliberações dos padres conscritos fossem livres. Assim, o tribuno da plebe, C. Curião, que se encarregara de defender-lhe a causa e a dignidade, havia muitas vezes proposto ao senado que, se as armas de César inspiravam algum receio, quando o domínio e as armas de Pompeu não deviam causar menor terror, despedisse um e outro os seus exércitos, depondo o poder militar: que por este fato ficaria a república em plena liberdade de exercer os seus direitos. Não só o havia proposto, como até chegado a começar a pôr a proposta a votos, quando a isso se opuseram os cônsules e os amigos de Pompeu, e iludiram a questão, temporizando.

Era esse um testemunho manifesto da opinião do senado, e demais coerente com um fato anterior. No precedente ano havia Marcelo proposto ao senado, em prejuízo da dignidade de César, que fosse este, contra a lei de Pompeu e Crasso, revocado antes de tempo do governo de suas províncias[53]: emitidos os pareceres, e pondo o negócio a votos o mesmo Marcelo, que desejava adquirir preponderância, tornando César odioso, rejeitado o seu, colocou-se o senado em peso do lados dos pareceres contrários[54]. Não se desanimaram com esta rejeição os inimigos de César, antes a tomaram por aviso, por atrair a seu partido maior número de influências, com as quais obrigassem o senado a aprovar aquilo que eles mesmos tivessem ordenado.

Faz-se depois um decreto do senado, estatuindo que Cn. Pompeu e C. César mandassem cada um uma legião para a guerra dos Partos; era claro que com isso se tiravam duas legiões a um só. Porquanto Cn. Pompeu deu, como se fosse sua, a primeira legião que enviara a César, organizada com alistamento feito na província deste. César, se bem não tivesse a menor dúvida sobre a intenção de seus adversários, reenviou, todavia, a legião a Pompeu, e, em execução ao decreto do senado, ordenou se entregasse em seu nome a décima quinta legião, que tinha na Itália. Em lugar dessa enviou à Itália a décima terceira, para guardar os postos, donde era tirada a décima quinta. Distribuiu, depois, o exército em quartéis de inverno: a C. Trebonio com quatro legiões postou-o na Bélgica; a C. Fabio com outras tantas mandou-o para os Heduos[55]. Julgava, pois, que ficaria a Gália seguríssima, se fossem contidos por exércitos os Belgas, que de todos os Gauleses são os mais belicosos, e os Heduos que de todos são os mais poderosos. Partiu ele mesmo para a Itália.

Ao chegar ali sabe que as duas legiões, que entregara, e deviam, segundo o decreto do senado, ser conduzidas para a guerra contra os Partos, haviam sido pelo consul C. Marcelo entregues a Pompeu, e estavam retidas na Itália. Dado que, em vista disto, a ninguém fosse duvidoso o que se tramava contra César, resolveu, todavia, este, sofrer tudo, enquanto lhe restasse esperança de obter justiça pelas vias legais, antes que recorrer à sorte das armas. Esforça-se dirigindo-se[56] por carta ao senado, para que Pompeu deponha pela sua parte o poder militar, e promete fazer outro tanto, mas se aquele a isso se negar, declara que não há de faltar ao que deve a si e à patria.

  1. Este livro, aliás inferior aos de César, quer no método de escrever a história, grupar e coordenar os fatos, quer no estilo e na dicção, mas não destituído de interesse histórico, principalmente por servir como de introdução à guerra civil, conjectura-se haver sido escrito, assim como os da guerra de Alexandria, e da de África, por A. Hircio, que fez sob César a guerra Gaulesa, foi depois da morte deste eleito cônsul com Virbio Pansa, e venceu a Antonio na batalha de Modena, mas foi morto na ação.
  2. Cidades por nações.
  3. Como acima.
  4. Como acima.
  5. A 31 de dezembro.
  6. Fronteiras por território.
  7. Como acima.
  8. Cidades por nações.
  9. Como acima.
  10. O sestércio valia 2 asses e meio; o asse 4 réis.
  11. Que em luqar de porque, ou de que.
  12. Cidades por nações.
  13. Como acima.
  14. Fronteiras por território.
  15. Fronteiras por território.
  16. Fronteiras por território.
  17. Oito estipêndios equivalem a oito anos de soldo, e por conseguinte de serviço.
  18. Sóe, vem de soleo, es, solere, latino, ter por costume, costumar. Numa tradução destas julgamos conveniente para dar novidade ao estilo, restabelecer este verbo antiquado que é mui harmonioso, e de que elegantemente usavam os clássicos.
  19. Os Bituriges estão aqui pelo país que habitavam.
  20. Cidades por nações.
  21. Cidade por nação.
  22. Cidades por nações.
  23. Cidades por nações.
  24. Como acima.
  25. Como acima.
  26. Cidade por nação.
  27. Cidades por nações.
  28. Fronteiras por país território.
  29. "Põe-me onde se use toda a feridade", disse Camões.
  30. Cidade por nação.
  31. Hoje Poitiers.
  32. Cidades por nações.
  33. O povo pelo país.
  34. A província romana.
  35. Cidades por nações.
  36. Cidades por nações.
  37. Últimas fronteiras pela extremidade do território da Gália.
  38. Suas fronteiras por seu país.
  39. Fronteiras por território.
  40. Como acima.
  41. Fronteiras por território.
  42. Às 4 horas da madrugada.
  43. O povo pelo respectivo país.
  44. Cidades por nações.
  45. Como acima.
  46. Como acima.
  47. Os Treviros pelo país respectivo.
  48. Os Heduos pelo país respectivo.
  49. Cidade por nação.
  50. Cidades por nações.
  51. Tornando-se depois inimigo de César, foi um dos coajurados.
  52. Fronteiras por território.
  53. Eram estas a Iliria, a Gália Cisalpina e a Grande Gália, ou Gália Transalpina.
  54. Os senadores Romanos votavam, passando de seus lugares para o lado do senador, cujo parecer aprovavam.
  55. Os Heduos pelo respectivo país.
  56. De Apiano transcreve-se o que vai em itálico depois dos três... para suprir a lacuna que se nota no texto, e haver coerência com o que César diz no princípio do primeiro livro da guerra civil.