Como nas Alcaçarias (grafia atualizada)

1
Como nas Alcaçarias
Andam os couros às voltas,
Assim vejo grandes revoltas
Agora nas Cleresias.

2
Porque usam de Simonias
E adoram os dinheiros,
As Igrejas, pardieiros,
Os corporais por mais vias.

3
O sumagre com a cal
Faz os couros ser mociços,
Ah! quantos há maus noviços
Nessa Ordem Episcopal.

4
Porque vai de mal a mal
Sem ordem nem regimento,
Quebrantam o mandamento,
Cumprem o mais venial.

5
Também sou oficial
Sei um pouco de cortiça
Não vejo fazer justiça
A todo o mundo em geral.

6
Que agora a cada qual
Sem letras fazem Doutores,
Vejo muitos julgadores,
Que não sabem bem, nem mal.

7
Borzeguins para calçar
Hão-de ser de cordovães.
Notários. Tabaliães
Tem o tento em apanhar.

8
Vê-los-eis a porfiar
Sobre um pobre ceitil,
E rapar-vos por um mil
Se vo-los podem rapar.

9
Também sei algo brunir
Quaisquer laços de lavores:
Bacharéis, Procuradores
Aí vai o perseguir.

10
E quando lhe vão pedir
Conselho os demandões,
Como lhe faltam tostões,
Não os querem mais ouvir.

11
Há-de ser bem assentada
A obra dos chapins largos,
A linhagem dos Fidalgos
Por dinheiro é trocada.

12
Vejo tanta misturada
Sem haver chefe que mande;
Como quereis, que a cura ande,
Se a ferida está danada?

13
Tenho uma gentil sovela,
Com que coso mui direito:
Se a mulher não desse jeito,
Não olhariam para ela.

14
Em que seja uma donzela
Nobre, casta e oradora
Ela é a causadora,
Do que acontecer por ela.

15
Sei também mui bem coser
Uns borzeguins Cordoveses;
Todos os trajos Franceses
Quem quer os quer já trazer.

16
Os que não têm que comer
Fazem trajos mui prezados,
Ficam pobres, Lazarados
Por outros enriquecer.