CAPITULO IX.

Dos orgãos da nutrição ou vegetação.

SECÇÃO I.

Da Raiz.

ARTIGO 1.º

Anatomia da Raiz.

O corte transversal da raiz offerece zonas concentricas de lenho, dispostas circularmente, encaixadas humas nas outras. Segundo Richard a raiz tem canal medullar, o qual he, em grande numero de vegetaes, a continuação do canal medullar do caule, como se observa na raiz do castanheiro da India, ainda novo aberto longitudinalmente; comtudo quando este tem passado dous annos, acaba por diminuir e desapparecer insensivelmente pelos progressos da vegetação, donde se deduz a difficuldade de estabelecer hum caracter anatomico distinctivo, pela ausencia do canal medullar, entre a raiz e o tronco.

A raiz tem tracheas, segundo as últimas observações de Link, Treviranus, Amici; este ultimo as tem achado nas raizes de muitos vegetaes, entre elles, o agapantus umbellatus e crinum erubescens, de sorte que a falta de tracheas, que até aqui se julgava ser hum distinctivo entre o tronco e a raiz, o não pode ser actualmente.

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ARTIGO 2.º

Physiologia da raiz.

§. Unico. Usos e funcções das raizes.

As raizes servem: 1.º a fixar o vegetal á terra ou ao corpo sobre que vivem: 2.º a receber huma parte dos materiaes necessarios á sua nutrição. Nas plantas gordas e succulentas, que absorvem por todos os pontos da sua superficie as substancias proprias á sua nutrição, a raiz serve somente de fixar o vegetal ao terreno.

Nem sempre as raizes das plantas estão em proporção com o tronco. Assim por exemplo nas palmeiras, cujo tronco adquire huma altura de mais de cem pés, a raiz ao contrario he pouco extensa e pouco profunda. As plantas herbaceas ao contrario, cujo tronco fraco e delgado morre annualmente, tem raizes de huma força e comprimento consideraveis em relação ao tronco.

O uso principal das raizes he absorver do seio da terra a agua impregnada das substancias, que devem servir ao augmento do vegetal. He somente pelas fibras as mais delicadas que tem lugar esta absorpção. Estas fibras são terminadas por pequenas esponjas (espongiolos) compostas de tecido cellular. Comtudo algumas vezes as extremidades das fibras radiculares não são manifestamente engrossadas.

As raizes de certas plantas parecem segregar huma materia differente segundo a especie de planta. He a esta materia differente em cada especie de vegetal, que são devidas as sympathias e as antipathias que certos vegetaes tem huns para com os outros. Sabe-se positivamente, que ha plantas que procurão de alguma sorte viver constantemente humas ao lado das outras, o que torna as plantas sociaes; entretanto que ha outras, que parecem não poderem crescer no mesmo lugar.

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Observa-se que as raizes tem huma tendencia notavel a dirigirem-se para as veias de boa terra, e vê-se muitas vezes alongarem-se consideravelmente, dirigindo-se para os lugares onde a terra he mais movel e substancial, e se desenvolvem com mais força e rapidez.

As raizes de todas as arvores não tem a mesma força, para penetrar no tufo. Duhamel tem feito a observação, que huma raiz de vinha tinha penetrado profundamente em hum tufo muito duro, entretanto que huma raiz de ôlmo tinha sido suspendida pela sua dureza, e tinha de alguma sorte retrocedido o caminho.

A raiz, como dissemos precedentemente, tem huma tendencia natural e invencivel a dirigir-se para o centro da terra. Nota-se sobre tudo na epocha, em que começa a pronunciar-se a germinação do embrião mais tarde, he menos pronunciada, ainda que exista sempre, maiormente nas raizes que são simplices. Quaesquer que sejão os obstaculos, que se opponhão a esta tendencia natural da radicula, ella sabe vence-los. Tem-se dado muitas explicações diversas deste phenomeno; huns tem dito que a raiz tendia a descer, porque os fluidos que ella continha erão menos elaborados, e por consequencia mais pezados que os do tronco; esta explicação he contradita pelos factos. Vê-se as raizes, em muitos vegetaes exoticos, como a clusia rosea, desenvolverem-se sobre o tronco em altura muito consideravel, e descerem perpendicularmente e penetrarem na terra. Neste caso os fluidos contidos nas raizes aereas são da mesma natureza, que os que circulão no tronco; e todavia estas raizes descem para a terra, em lugar de se elevarem, Não he pois a differença do peso dos liquidos, que produz a tendencia para o centro da terra.

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Outros tem julgado achar a causa na avidez das raizes para a humidade, que he maior na terra do que na atmosphera.

SECÇÃO II.

Tronco.

ARTIGO 1.º

Anatomia do Caule ou Tronco.

§. 1.º Organização do tronco das dicotyledones.

O tronco das arvores dicotyledones he composto de camadas concentricas, representando huma serie de estojos encaixados huns nos outros, e crescendo do centro para a circumferencia. Offerece no seu centro: 1.º o canal medullar formado pelo estojo medullar, constituindo as paredes deste canal, e da medulla que occupa a cavidade: 2.º na circumferencia vê-se a casca, que se compõe da epiderme, do involucro herbaceo, das camadas corticaes, e do livrilho: 3.º achão-se as camadas lenhosas formadas inteiramente pelo alburno ou falso lenho, ou pelo lenho propriamenie dito.

A. Da Epiderme.

A epiderme ou cuticula (epidermis, s. cuticula) he huma membrana delgada, transparente, composta de cellulas de huma forma extremamente variavel, apresentando grande quantidade de pequenas aberturas ou poros. Sobre a natureza e origem da epiderme, tem havido hum grande numero de opiniões. Malpighi julga que ella não he huma membrana distincta do tecido do vegetal; suppõe que he formada pela parede externa das cellulas subjacentes, endurecida pela acção prolongada do ar e da luz. Grew julga, ao contrario, ser huma membrana perfeitamente distincta, simplesmente applicada ao tecido cellular subjacente. Recentemente Amici e Brogniart tem publicado novas observações, que confirmão esta maneira de considerar a epiderme. He huma membrana cellulosa composta, o maior numero de vezes, de huma só camada, mas algumas vezes de muitas camadas de cellulas sobrepostas. A epiderme, em hum grande numero de vegetaes, apresenta especies de linhas dispostas em rede, que alguns authores considerão como vasos cuticulares; e offerece hum grande numero de pequenas aberturas, chamadas poros corticaes, glandulas corticaes, glandulas, epidermicas. Algumas partes parecem destituidas destas glandulas, taes são as raizes, os peciolos não folheaceos, as petalas em geral, a epiderme dos troncos velhos, a dos fructos carnosos e dos grãos. A superficie da epiderme apresenta algumas vezes certos orgãos, debaixo da fórma de pequenas manchas, alongadas no sentido longitudinal sobre os ramos novos, e nos ramos velhos transversalmente, que Guetard designou debaixo do nome de glandulas lenticulares.

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B. Do involucro herbaceo.

Chama-se involucro herbaceo (involucrum herbaceum) a huma lamina de tecido cellular, que une a epiderme ás camadas corticaes. He ordinariamente de cor verde; cobre o tronco e os ramos, e enche os espaços que existem entre as ramificações das nervuras das folhas. Este orgão se renova em parte cada anno. He muito facil descobrir-se sobre os ramos novos de huma arvore. Elle conserva poucos annos a sua cor verde. No fim de dous ou tres annos o seu tecido se secca, perde a sua extensibilidade, se fende, como se observa no tronco e ramos velhos do olmo; outras vezes se destaca em pequenas porções cada anno, e em epocas fixas.

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C. Das Camadas corticaes.

Na parte interior do involucro herbaceo, observa-se huma serie de folhetos muito tenues, sobrepostos, unidos entre si por meio do tecido cellular; dá-se a estes folhetos o nome de camadas corticaes (strata corticalia), ellas fórmão a maior espessura da casca. Alguns authores distinguem nas camadas corticaes, duas especies: 1.º aquellas que sendo mais exteriores, fórmão huma rede mais laxa, e dão-lhes especialmente o nome de camadas corticaes: 2.º aquellas que são mais interiores, e lhes dão o nome de livrilho (liber). As laminas ou folhetos, que entrão na composição do livrilho, são formadas por huma rede vascular, cujas areolas alongadas estão occupadas por tecido cellular: a sua separação em folhetos distinctos he muito difficil; porêm obtem-se facilmente por meio da maceração: as differentes laminas que entrão na composição do livrilho, e que se regenerão successivamente cada anno, são separadas humas das outras por huma camada delgada de tecido cellular; a qual se renova da mesma maneira, que todas as outras partes da casca; porêm para que a regeneração tenha lugar em hum ponto donde tenha sido extrahido, he necessario que esse ponto esteja ao abrigo do contacto do ar. Todos os annos se fórma huma nova camada de livrilho, que accresce á face interna daquella do anno precedente; endurece e secca, e pela distensão, que lhe produzem as camadas lenhosas, augmentão em numero e espessura; os folhetos corticaes se adelgação; as fibras se afastão; as malhas da rede que representão, tornão-se cada vez mais largas; as camadas corticaes são atravessadas por linhas divergentes do centro para a circumferencia, que são constituidas por hum prolongamento dos raios medullares.

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D. Do Alburno ou falso lenho.

O alburno (alburnum, s. alburna) he formado pelas camadas lenhosas mais exteriores: não he bem distincto do lenho propriamente dito, cujas camadas são mais interiores: he propriamente hum lenho novo, que ainda lhe falta a tenacidade, que mais tarde deve apresentar; não offerece a mesma estructura do lenho aindaque seja formado de fibras mais fracas, mais afastadas humas das outras, e em geral de huma cor mais clara; sendo esta differença muito mais consideravel nas arvores, cujo lenho he muito duro, compacto, e que offerecem huma cor mais carregada; como se vê, no guaiaco, ebano; pelo contrario nas arvores do lenho branco, a differença he muito pouco sensivel, como se vê, no populus nigra, pinus sylvestris, abies pectinata, etc.

E. Do Lenho propriamente dito, ou cerne.

O lenho (lignum) he formado pelas camadas mais interiores do alburno, que adquirindo successivamente huma dureza mais consideravel, se convertem por fim em verdadeiro lenho: he pois formado de todas as camadas circulares situadas entre o alburno e o estojo medullar. Dutrochet designa com o nome especial de duramen a parte mais dura do tronco, ou lenho perfeito, o que se não observa igualmente em todas as zonas: nas arvores dicotyledones, as camadas mais interiores, que são ao mesmo tempo as mais antigas, tem huma solidez maior, e são mais compactas do que as exteriores, que a este respeito se aproximão em geral do alburno, como se nota no ebano, campeche, etc. Os vasos do lenho são falsas tracheas ou vasos porosos, dispersos irregularmente na substancia do lenho, ou dispostos em fasciculos. A dureza mais ou menos consideravel das differentes especies de troncos, parece depender da natureza diversa dos materiaes, que a vegetação deposita no seu tecido; pois que o tecido parece quasi identico em todas as arvores, quando se faz a abstracção dos materiaes extranhos de que são penetradas.

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F. Do Estojo medullar.

O estojo medullar (tubus medullaris) he hum canal que occupa o centro do tronco, em contacto immediato com a camada mais interior do lenho: as suas paredes são formadas de vasos muito compridos, parallelos, e dispostos longitudinalmente; que são tracheas, falsas tracheas, ou vasos porosos, simplesmente até hoje observados no estojo medullar: a fórma do estojo medullar não he a mesma em todos os vegetaes: assim he arredondada, elliptica, comprimida com hum, dous, tres ou mais angulos, que, segundo Palisot de Beauvais, he determinada pela posição das folhas sobre os ramos: assim quando as folhas são oppostas, o golpe do canal medullar he elliptico, como no fraxinus excelsior, etc.: sendo verticilladas, o canal medullar he triangular, como no nerium oleander, etc.: porêm ha algumas excepções, por ex. a hortensia, que he de folhas oppostas, e tem hum canal medullar hexagonal. O estojo medullar, huma vez formado, não varía de figura, durante o periodo da vida do vegetal. Devemos a Du Petit-Thouars a demonstração da invariabilidade do canal medullar.

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G. Da Medulla.

A medulla (medulla) he huma substancia, esponjosa, diaphana, leve, formada, quasi na totalidade, pelo tecido cellular no seu estado de simplicidade, que enche o estojo medullar. Alguns vasos, que em direcção longitudinal, existem em certas plantas herbaceas, tem o nome de fibras ou vasos medullares. As cellulas do tecido cellular, que constitue a medulla, tem em geral huma grande regularidade; communicão todas entre si: algumas vezes, sobre tudo nos ramos novos e nas plantas herbaceas, o tecido cellular da medulla acha-se embebido de fluidos, e cheio de granulações verdes, como se observa quebrando hum ramo novo de sabugueiro ou roseira de hum anno: a medulla parece ser hum tecido cellular carnudo, verde e muito humido; porêm com os progressos da vegetação, todas estas substancias, de alguma maneira extranhas á natureza propria da medulla, e que nella se depositão para servirem á sua nutrição, desapparecem; ficando somente no estojo medullar hum tecido diaphano, mais ou menos secco e esponjoso. Em alguns vegetaes, á medida que o tronco cresce, o canal medullar se vaza em parte ou na totalidade, desapparecendo a medulla, e o tronco se torna occo ou fistuloso: he o que se observa em hum grande numero de plantas da familia das umbelliferas. A medulla communica com a camada cellular e herbacea da casca, por meio de prolongamentos particulares, que envia atravez do corpo lenhoso, e tem o nome de inserções ou prolongamentos medullares.

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Estes existem igualmente na espessura da casca, e servem a estabelecer a communicação entre a medulla interna e a externa. Amici reconheceu, serem formados de pequenos tubos porosos collocados horizontalmente, que contêm somente ar, estabelecendo a communicação entre os pontos internos e externos da planta.

Taes são os differentes orgãos, que se achão na composição do tronco dos vegetaes dicotyledones; comtudo estas partes nem todas são visiveis em huma mesma planta; algumas vezes confundem-se de tal maneira, que he impossivel distinguirem-se e isolarem-se.

§. 2.º Organização do tronco dos vegetaes monocotyledones.

O espique (stipes) ou tronco das palmeiras, e em geral de todas as outras plantas monocotyledones arborescentes, offerece huma organização inteiramente differente da dos vegetaes dicotyledoneos.

Em geral o tronco he cylindrico, alongado, mais simples do que o tronco das plantas dicotyledones: cortado transversalmente, v. g. o tronco do carvalho, do olmo, e em geral de todas as arvores das nossas florestas, não apresenta hum aspecto regular e symmetrico de zonas circulares de lenho, alburno, livrilho, casca, sempre dispostas com a mesma ordem: hum canal medullar occupando constantemente a parte central do tronco, mas sim confundidas humas com as outras: a medulla occupa toda a espessura do tronco: o lenho disposto em fasciculos longitudinaes, se acha disperso sem ordem na substancia medullar: a casca nem sempre existe: quando existe não tem as camadas corticaes. Nos vegetaes monocotyledoneos a parte mais dura he aquella, que se aproxima do centro do tronco, porque he formada das camadas lenhosas mais antigas: o contrario tem lugar nos vegetaes dicotyledoneos, em que a parte mais visinha da circumferencia he aquella, que offerece maior consistencia. Assim as arvores monocotyledones distinguem-se das dicotyledones, não só pela estructura do seu embrião, mas tambem do seu tronco.

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§. 3.º Organização do tronco dos fetos arborescentes.

Alguns fetos, nos climas dos tropicos, apresentão hum tronco cylindrico e lenhoso, coroado por hum grande feixe de folhas terminaes, e inteiramente analogo ao espique das palmeiras: a sua organização interior aproxima-se muito da dos vegetaes monocotyledoneos arborescentes; consiste em tecido cellular, no interior do qual existem vasos radiados, algumas vezes contendo succos córados, reunidos em fasciculos, offerecendo no seu corte transversal manchas escuras de diversas fórmas, como se observa na pteris aquilina. O crescimento do tronco dos fetos arborescentes he absolutamente o mesmo, que o dos espiques monocotyledoneos: a parte mais dura he, a que he mais exterior do tronco.

ARTIGO 2.º

Da Physiologia do tronco.

§. 1.º A epiderme serve em geral de induto, de huma materia analoga á cera, para proteger a casca da chuva, e do contacto nocivo do ar, que com a idade se torna espessa pela addição de novas camadas interiores, e se destaca em pequenos fragmentos, á similhança da epiderme dos animaes mammiferos, ou em grandes laminas, como o platano, e similhantes á dos grandes reptis e crustaceos.

§. 2.º Os poros corticaes servem a dar passagem ao ar; porêm não he facil dizer com exactidão, se elles servem á inspiração ou expiração, ou a estas duas funções igualmente: se considerarmos porêm que durante a noite, quando os poros grandes da epiderme se fechão, as folhas absorvem o gaz acido carbonico do orvalho: e quando porêm estes poros estão abertos, isto he, durante o dia, não podemos pensar que sejão unicamente destinados á exhalação do oxygenio; mais provavel se torna esta função, se ajuntarmos que as corollas, segundo as observações de De Candolle, sendo isentas de poros, são igualmente privadas da propriedade de desenvolver o oxygenio.

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§. 3.º O involucro herbaceo he destinado a separar dos outros fluidos a materia da transpiração, e he no seu tecido submettido á acção da luz, que se opera a decomposição do gaz acido carbonico.

§. 4.º O livrilho he huma parte mais interessante, para ter lugar a vegetação.

O livrilho, segundo a expressão de Mirbel, he huma herva vivaz que reveste a superficie do corpo lenhoso das arvores, e dos arbustos dicotyledoneos, produzindo pelo seu desenvolvimento novas raizes, ramos, flores e fructos; que com a idade endurece, e em lugar de se destruir com a fructificação, como as outras hervas, se transforma em lenho, e augmenta a massa do corpo lenhoso.

§. 5.º Na epocha da fecundação, se acaso tirarmos a casca de huma arvore, vê-se immediatamente correr dos bordos da ferida hum licor espesso e gelatinoso, que se endurece, se organiza, e se torna verde, formando huma nova camada de casca; este licor tem o nome de cambium, principio organico de todos os vegetaes.

He hum facto geralmente reconhecido, que toda a parte de hum vegetal pode reproduzir, da mesma maneira, hum individuo da sua especie, contendo o cambium. Tem-se chegado ultimamente a desenvolver gomos sobre o peciolo das folhas e nervuras, mesmo por simples estaca. A cardamina dos prados (cardamina pratensis, Lin.) planta que cresce abundantemente em todos os prados humidos, offerece huma particularidade unica no reino vegetal, o que prova sufficientemente o poder que tem o cambium sobre a reproducção: se transportarmos esta planta para hum bosque, ou qualquer outro lugar sombrio, a fecundação se effectua mal, e os grãos ordinariamente abortão. A reproducção se opera de outra maneira: o cambium se reune em pequenos globulos na superficie das folhas, se endurece e fórma pequenos tuberculos; quando a folha começa a enrugar-se, se inclina sobre o terreno, os tuberculos achando-se em contacto com a terra adquirem raiz, e não tardão a desenvolver outras tantas pequenas plantas tão bem organizadas, como se fossem produzidas pelos grãos.

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§. 6.º O livrilho se transforma cada anno em lenho e em casca: a parte que está em contacto com o lenho se lenhifica e constitue o alburno, e aquella que está em contacto com a casca, se transforma em camada cortical.

§. 7.º Nos troncos herbaceos o cambium, em lugar de formar hum livrilho, se dirige para todas as partes da planta, desenvolvendo os orgãos da vegetação e fructificação; se esgota em pouco tempo, e no fim de hum anno se acha inteiramente convertido em huma substancia secca, lenhiforme, não podendo produzir novo cambium, como se vê na casca e alburno das arvores, em que elle se secca e morre, faltando-lhe os principios organicos que entretem a vegetação. Tal he a causa das grandes differenças entre os vegetaes lenhosos e herbaceos.

§. 8.º He por meio dos vasos porosos, que a seiva circula na espessura do lenho, porêm com a idade estes canaes se obstruem, pelo espessamento de suas paredes e diminuição das cavidades, por fim desapparecem, e he; interrompido para sempre o curso dos liquidos.

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§. 9.º A utilidade da medulla na vegetação, he ainda desconhecida, e até ao presente todas as experiencias que se tem feito sobre este objecto, não tem feito nada mais do que regeitar as hypotheses antigas, tendo dado lugar a formarem-se outras mais especiosas. Linneo julga, que a força vital reside na medulla, sem attender a que os castanheiros e os salgueiros continuão a crescer e augmentar, ainda mesmo quando são occos. Hales querendo sempre achar causas mechanicas no desenvolvimento dos vegetaes, julga que a medulla pela sua elasticidade fórma huma especie de mola, que comprimindo constantemente todas as partes de huma planta, as fórça assim a adquirirem sempre comprimento e grossura.

§. 10.º Se compararmos o desenvolvimento do tronco das monocotyledones com o das dicotyledones, acharemos differenças notaveis, que nos explicão perfeitamente as duas organizações. Quando a plantula dos vegetaes dicotyledoneos começa a crescer, nota-se primeiramente o canal medullar, que se fórma pela reunião dos vasos que primeiro apparecem; hum cobre depois este canal, se condensa, e ja se pode reconhecer pelo cambium; e desde logo o tronco está completo. O livrilho se transforma bem depressa em alburno; e será substituido por hum outro fornecido pelo novo cambium. Cada anno a sua grossura augmenta, de toda a espessura da camada do alburno, que o cambium produz, e estas novas camadas augmentarão tambem a altura do vegetal, alongando-se humas sobre outras.

§. 11.º Nos vegetaes monocotyledoneos, as folhas, diz Mirbel, são dobradas primeiro sobre si mesmas, e embainhadas humas nas outras, se desdobrão, e multiplicão, e reunem em fasciculo circular sobre a superficie da terra: as folhas antigas, repellidas na circumferencia pelas modernas, se destacão, porêm as suas bases se sustentão, e fórmão hum annel, que he a origem do espique (stipes). As folhas novas envelhecem a seu tempo, cedendo o seu lugar ás mais novas, cahem como as precedentes, e deixão hum segundo annel por cima do primeiro. Huma serie de anneis similhantes se produz, pelas evoluções successivas do botão seminal.

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§. 12.º O espique coroado das suas folhas se eleva em columna, sem que a sua base engrosse, porque todos os desenvolvimentos se fazem no centro e circumferencia, compostos de filetes numerosos e endurecidos, que retem as partes inferiores. Se julgarmos da idade de huma arvore dicotyledone pelo numero de camadas concentricas, igualmente deveremos julgar da de huma arvore monocotyledone pelo numero de anneis, que as folhas deixão impressos no seu espique.

§. 13.º Em fim os troncos das plantas monocotyledones são muito mais variaveis do que os outros, e será talvez necessario estudar hum grande numero, antes de poder explicar claramente os phenomenos geraes, que offerece a sua organização e vegetação. Algumas plantas ha que são cobertas de casca, e tem huma vegetação dupla, isto he, a vegetação das palmeiras, e a das dicotyledones.

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SECÇÃO IV.

Dos Gomos, novedios, bolbos, tuberculos, bolbilhos.

ARTIGO UNICO.

Anatomia e physiologia.

§. 1.º Os gomos propriamente ditos são corpos, geralmente formados de escamas, estreitamente imbricadas humas sobre as outras, e que contêm no seu interior os rudimentos dos caules, ramos, folhas e orgãos da fructificação. São ovoidaes, conicos ou arredondados, cobertos exteriormente de hum enduto viscoso e rezinoso, guarnecidos interiormente de hum tecido tomentoso, destinado a garantir os orgãos do rigor do inverno, pelo menos nas arvores dos nossos climas, faltando nas da Zona Torrida. As escamas que constituem a parte mais exterior do gomo, nem todas tem a mesma natureza e origem; a similhança que tem entre si, he nunca serem orgãos abortados e imperfeitos, sendo algumas vezes, folhas, peciolos, estipulas, que tem chegado ao seu perfeito desenvolvimento, e que apezar disso em certas circunstancias crescem, se desenvolvem, e descobrem a sua verdadeira natureza. As escamas comtudo falhão no exterior dos gomos, isto he, as partes que os compõem, crescem, e se desenvolvem, como os gomos da maior parte das plantas herbaceas; neste caso os gomos chamão-se nús (nudi), em opposição áquelles que tem escamas, que são chamados escamosos (squamosi).

§. 2.º Os novedios são gomos das plantas herbaceas, reservando o nome de botão para o gomo da flor, com a differença que o novedio he hum gomo subterraneo das plantas vivaces, isto he, nascem constantemente de huma raiz vivaz ou de hum rhizoma; entretanto que o gomo propriamente dito nasce sempre de huma parte exposta ao ar e á luz.

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§. 3.º O bolbo he huma especie de gomo de certas plantas vivaces, pertencentes ás monocotyledones, que se regenerão annualmente: porêm esta regeneração não tem lugar do mesmo modo em todas as especies. Algumas vezes os bolbos novos nascem no centro dos bolbos mais velhos, como se vê na cebolla ordinaria: outras vezes na parte lateral da sua substancia, como no colchico: ou em fim os novos se desenvolvem ao lado dos antigos, como na tulipa, jacintho, etc.; ou na parte superior ou inferior dos mais velhos, como em algumas outras plantas. Á medida que a bolbo puxa o caule, que contêm as escamas exteriores, estas diminuem de espessura, fenecem, e seccão inteiramente, e parecem ter por fim o fornecerem ao novo caule, huma parte dos materiaes necessarios ao seu desenvolvimento

§. 4.º Os tuberculos são receptaculos carnudos do collo muito desenvolvidos, que emittem gomos e raizes: distinguem-se propriamente dos bolbos solidos, porque podem ter muitos gomos collocados em differentes partes da sua superficie, como se vê na batata, topinambor, etc.

§. 5.º Os bolbilhos differem dos bolbos somente, por nascerem sobre as differentes partes da planta, por ex. nas axillas das folhas, e bifurcação dos ramos; podem ter huma vegetação á parte, isto he, que destacados da planta mãi, se desenvolvem, e produzem hum vegetal perfeitamente analogo áquelle, de que tira a sua origem. A natureza dos bolbilhos he similhante á dos bolbos propriamente ditos: humas vezes são escamosos, outras vezes solidos e compactos. Tambem se devem considerar especies de pequenos bolbilhos, os pequenos corpos que se desenvolvem nas differentes partes das plantas agamas, taes como os fetos, lichens, e que se tem chamado grãos, ainda que impropriamente, porque o caracter essencial do grão he conter o embrião.

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§. 6.º Os gomos, da mesma sorte que os bolbos, servem de abrigo verdadeiro, contra o rigor do inverno, ao embrião que envolvem; e por isso Linneo lhes chamou com propriedade invernadoiros (hibernacula): comtudo diz Hebenstreit que as sementes tambem são invernadoiros, porque as cotyledones e tegumentos abrigão a plantula nelles reclusa, durante hum ou mais invernos. Os gomos começão a apparecer no estio, que he a epocha em que a vegetação está no seu vigor e actividade, e tem o nome de olhos (oculi); crescem hum pouco no outomno, e tomão o nome de botões (gemmae), e ficão estacionarios durante o inverno, mas na primavera, seguindo a impulsão communicada ás outras partes da planta, que então se dilatão, e do afastamento das suas escamas, deixão sahir os orgãos que os protegião, e tomão então o nome de gomos propriamente ditos.

SECÇAO V.

Folhas e orgãos accessorios, isto he, estipulas, gavinhas, espinhos, aculeos, e pelos.

ARTIGO 1.º

Anatomia.

As folhas são formadas de tres partes distinctas, a saber: 1.º fasciculo vascular (fasciculus vascularis) proveniente do tronco: 2.º parenchyma (parenchyma): 3.º prolongamento do involucro herbaceo (extensio tegmenti herbacei): 4.º em fim huma porção de epiderme, que as cobre em toda a sua extenção.

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§. 1.º O fasciculo vascular (fasciculus vascularis) constitue o peciolo, quando existe. Os vasos que entrão na sua composição, são: tracheas, falsas tracheas, vasos porosos, e vasos de succo proprio, envolvidos externamente no peciolo por huma camada de substancia herbacea, que se prolonga sobre elles no momento em que sahem do tronco. He pela sua expansão e ramificação successiva que constituem a rede da folha: as malhas e os espaços vasios, que deixão entre si, são preenchidos pelo tecido parenchymatoso fornecido pela casca, o qual falta algumas vezes, como no hydrogeton, etc.

§. 2.º O parenchyma (parenchyma) he verde em geral; e formado por hum grande numero de camadas de utriculos, mais ou menos arredondados deixando entre si pequenos espaços, ou meatos intercellulares cheios de ar, e communicando entre si: estes utriculos frequentes vezes collocados debaixo da epiderme da face superior, tem a fórma de pequenas cellulas cylindricas e perpendiculares á epiderme: aquelles utriculos porêm, que se achão em contacto com a epiderme da face superior, são irregulares e divididos em grande numero de ramusculos, que se unem com os das cellulas ambientes da mesma natureza.

A cor verde, do parenchyma das folhas, assim como a do tecido cellular em geral, he devida ás granulações verdes, que existem no interior dos utriculos, as quaes constituem aquillo a que De Candolle dá o nome de chromulo, e Turpin o de globulina.

Quando as plantas se subtrahem por muito tempo á acção da luz solar, as suas folhas e as outras partes verdes se estiólão, isto he, tornão-se amarellas, pallidas, pela desapparição da materia verde das granulações inter-utriculares.

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§. 3.º A epiderme (epidermis, epiderma, cuticula) não he differente daquella, que cobre todas as outras partes do vegetal; ella he, segundo alguns authores, huma membrana distincta, e segundo outros, he simplesmente formada pela parede externa das cellulas do tecido areolar, que constitue o involucro herbaceo. Grew lhe dá o nome de cuticula nas plantas novas, e de pelle nas plantas velhas. De Candolle distingue a cuticula da epiderme; considera a epiderme como produzida pelo espessamento do tecido cellular exterior; e dá o nome de cuticula á membrana, que reveste as folhas, e susceptivel de se regenerar. Gaertner chama cuticula externa ao tegumento, que involve os grãos do pollen.

A epiderme he em geral pouco adherente ao tecido subjacente e transparente; as suas cellulas são intimamente unidas entre si, geralmente deprimidas, e as suas paredes espessas, e succulentas; apresenta hum numero consideravel de estomatos; os quaes existem indifferentemente nas duas faces das folhas das plantas herbaceas: algumas vezes dispersos sem ordem, outras vezes, dispostos em series ou linhas longitudinaes, como se observa em hum grande numero de vegetaes monocotyledoneos.

§. 4.º As duas laminas da epiderme cobrem a parte formada pelas fibras vasculares e parenchyma, que De Candolle chama mesophyllo, e que algumas vezes he muito delgado, como se vê nas folhas planas e membranosas, e he ao contrario muito desenvolvido nas folhas, que são espessas e carnudas nas plantas gordas.

Taes são os elementos anatomicos que entrão na composição de todas as folhas: algumas ha que offerecem comtudo excepções notaveis, como são as plantas submergidas, isto he, em que as folhas estão inteiramente debaixo d'agua.

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Estas folhas, segundo Brogniart, são destituidas de epiderme, e por consequencia de estomatos: o parenchyma verde existe igualmente nas duas superficies.

Esta estructura está evidentemente em relação com a natureza do meio em que as plantas vegetão, e a maneira como se deve operar a respiração vegetal, que he huma das funcções mais interessantes das folhas.

Devemos observar que as plantas submergidas não tendo verdadeiros vasos, os tubos são substituidos nas nervuras das folhas, por cellulas alongadas dispostas em series lineares; porêm não constituem verdadeiros vasos.

ARTIGO 2.º

Physiologia.

§. 1.º As folhas são á similhança das raizes, os orgãos essenciaes da nutrição dos vegetaes, e as suas funcções são numerosas e diversas: 1.º absorvem da atmosphera as substancias nutritivas, que nella existem espalhadas no estado de gaz ou de vapor: 2.º são orgãos de assimilação, que exercem huma acção muito activa sobre as substancias, que alterão e decompõem, fazendo-as concorrer á nutrição do vegetal: 3.º absorvem o ar ou o acido com que elle está combinado, assimilhando-o aos principios, que podem servir de alimento: 4.º regeitão os principios ou materias inuteis á sua alimentação, ou debaixo da fórma de gaz (respiração), ou de vapor (transpiração), ou em fim de corpos solidos (excreções vegetaes). Em fim são os orgãos em que a irritabilidade existe no maior gráo, e por conseguinte aquelles que exercem movimentos mais consideraveis. Passamos a examinar rapidamente as diversas funcções das folhas.

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§. 2.º Absorpção (absorptio). As folhas concorrem para esta funcção de duas differentes maneiras: 1.º exercendo huma acção notavel sobre a sucção effectuada pelas raizes; porque sabemos que as raizes absorvem com tanto mais força e rapidez, quanto maior he o numero das folhas que contêm; e vice-versa. A acção, que as folhas exercem sobre as raizes, depende de muitas causas, sendo a principal a grande evaporação continuada, que necessariamente deve reagir sobre a força da absorpção: 2.º as folhas são orgãos absorventes na sua essencia; pois que ellas absorvem a agua, que no estado de vapores existe mais ou menos na atmosphera, assim como as outras substancias, que nella podem existir dissolvidas. Ha circunstancias accidentaes, em que as folhas dos vegetaes aereos, e das plantas aquaticas, podem absorver a agua no estado liquido: o que he confirmado pelas experiencias, das quaes resulta: 1.º que as folhas absorvem: 2.º que nos vegetaes lenhosos esta absorpção tem lugar, sobre tudo pela face inferior; entretanto que nas plantas herbaceas opera-se igualmente por a face inferior, e pela superior.

§. 3.º Huma questão muito importante se nos apresenta, sobre a via pela qual as folhas absorvem os fluidos vaporosos ou a agua. Muitos physiologistas, e entre elles Richard, julgão que he por via dos estomatos, que tem lugar esta funcção. Com effeito os estomatos, ou poros da epiderme, correspondem a espaços vasios, isto he, cheios de ar. Quando existe grande humidade na atmosphera, a sua abertura se contrahe e se fecha; e por conseguinte não podem servir á absorpção dos liquidos; elles são similhantes aos estigmas, que se observão em differentes pontos do corpo dos insectos, que são destinados á inspiração e expiração do ar, e por conseguinte servem unicamente á respiração dos vegetaes.

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Segundo Richard, he por meio dos poros que existem em todos os tecidos vegetaes e animaes, que deve ter lugar a absorpção; e consequentemente a absorpção nas folhas, nas raizes, onde esta funcção he tão consideravel, ha aberturas, e boccas destinadas para este fim: no tecido cellular tem lugar pelos poros invisiveis, que constituem os espongiolos.

§. 4.º He no tecido dos vegetaes, assim como em todas as outras partes do vegetal expostas á acção da luz, que se passa o phenomeno notavel da decomposição do acido carbonico, e provavelmente da agua. Sabemos que as folhas expostas á acção directa dos raios solares, absorvem a pequena quantidade de acido carbonico, que existe em combinação com o ar atmospherico, operão a sua decomposição conservando o carbonio, e emittindo o oxygenio que acidificava o carbonio.

Quando porêm a planta se subtrahe á acção directa dos raios luminosos, na obscuridade da noite por ex., as folhas tomão do ar que as cerca, huma parte do seu oxygenio, substituindo-o pelo acido carbonico que expirão.

As folhas gosão tambem da propriedade de decompor huma pequena parte da agua que absorvem, conservando o hydrogenio, e regeitando o oxygenio. O mesmo tem lugar não só nas folhas, mas até em todas as outras partes verdes dos vegetaes,

§. 5.º Respiração (respiratio). He fóra de duvida que todos os vegetaes tem orgãos, por meio dos quaes absorvem o ar atmospherico, ou outros gazes; e que os regeitão, quando delles tem extrahido os materiaes de que carecião para se nutrirem. Nas folhas estes orgãos, segundo Richard, são sem duvida os estomatos; e o ar, que elles absorvem, penetra no interior do tecido vegetal pelos espaços inter-utriculares.

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§. 6.º Excreções (excretiones). Estas funcções tem lugar pelas superficies das folhas. A natureza das materias regeitadas e muito variavel: são gommas, resinas, assucar, acidos, etc. Trataremos mais circunstanciadamente desta funcção no Capitulo da Nutrição.

§. 7.º Irritabilidade e movimentos das folhas. As folhas são susceptiveis de certos movimentos, que dependem evidentemente da excitabilidade, de que são dotadas: hum grande numero de factos põe fóra de duvida a existencia desta propriedade nos vegetaes. Os movimentos mais notaveis observão-se sobre tudo, nas folhas compostas e articuladas, isto he, aquellas em que os foliolos se inserem por articulação ao peciolo commum.

Observamos em hum grande numero de leguminosas e oxalis, em que as folhas são articuladas, durante a noite os seus foliolos terem huma posição differente daquella, que occupão durante o dia. Linneo designa este phenomeno com o nome de somno das plantas. Os foliolos da acacia communis ao nascer do sol estão estendidos quasi horizontalmente; porêm á medida que este astro se eleva acima do horizonte, os seus foliolos se restringem cada vez mais, e se tornão quasi verticaes: começão ao contrario a abaixarem-se á medida, que o dia vai declinando, e durante a noite estão quasi pendentes.

Outras ha que apresentão phenomenos analogos, que parecem depender da influencia da luz: o que concluimos das experiencias engenhosas de De Candolle. Outros vegetaes ha porêm, cujos movimentos não se podem attribuir unicamente á influencia da luz. A sensitiva (mimosa pudica) está neste caso: ao menor movimento do ar fracamente agitado pelo vento, á acção do fluido electrico, do calor, do frio, de vapores irritantes, taes como o chloro, gaz nitroso, etc. ella experimenta nos seus foliolos os movimentos mais singulares.

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O hedysarum gyrans, planta singular e originaria de Bengalla, offerece movimentos muito mais notaveis. As suas folhas são trifolioladas: os dous foliolos lateraes, sendo muito mais pequenos, são dotados de hum movimento duplo de flexão e torsão sobre si mesmos; hum dos foliolos lateraes se levanta e o outro se abaixa, sem a intervenção de estimulo algum, sem mesmo se suspender durante a noite este movimento.

Os foliolos da porliera hygrometica, arbusto da familia das rutaceas, se aproximão e se unem huns aos outros, logo que a atmosphera se cobre de nuvens.

A dionaea muscipula, planta originaria da America Septentrional, apresenta na extremidade das suas folhas dous lobulos reunidos por hum repartimento mediano, e cercados de pelos glandulosos. Quando qualquer insecto toca e irrita algum dos pequenos corpos glandulosos, que existem na sua face superior, os dous lobulos se aproximão, e recebem o insecto que os irritava.

A drossera rotundifolia offerece hum phenomeno analogo: as suas folhas são arredondadas, concavas, glandulosas, com celhas nos seus contornos; quando hum insecto qualquer nellas se fixa, em virtude do succo viscoso que cobre a superficie superior destas folhas, os pelos se cruzão com os do lado opposto, e se entrelação de maneira que o insecto fica preso.

§. 8.º Causas do movimento das folhas. Apezar do muito que se tem escripto, á cerca das causas do movimento das folhas, não ha comtudo ainda cousa alguma de positivo. Huns são de opinião que os movimentos das folhas são devidos a hum gaz, que desenvolve e produz o movimento das folhas sobre o peciolo commum, pelo choque mais leve communicado aos vegetaes, em que estes phenomenos tem lugar. Esta he a opinião de Lamarck, emittida no artigo acacia sensitiva da Encyclopedia methodica.

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Outros julgão que os movimentos das folhas dependem da influencia da seiva. Esta he a opinião mais geralmente recebida, e ultimamente confirmada pelas experiencias de Dutrochet.

Segundo Dutrochet, a causa immediata dos movimentos de incurvação reside na acção nervosa posta em jogo, em virtude da acção dos agentes exteriores.

§. 9.º Desfolha ou queda das folhas. A queda das folhas he hum phenomeno difficil de explicar. Quando se aproxima o tempo da desfolha, vêmos que o peciolo da folha, que se implanta por huma união intima no ramo, não cahe facilmente, quando a planta está em boa vegetação; mas que perde em grande parte esta força de adhesão; quando a vegetação he fraca, o vento mais brando basta para o fazer destacar.

Algumas folhas ficão seccas antes de cahir, outras ao contrario quando cahem estão muito succulentas; porêm todas antes de cahir mudão de posição e ficão pendentes, e ao cahirem se enrolão de cima para baixo apresentando exteriormente a sua superficie inferior.

As plantas herbaceas perdem as suas folhas, logo que dérão o fructo, o que parece depender do tecido mui laxo e esponjoso, de que são organizadas estas plantas: entretanto as arvores e arbustos conservão as suas folhas por mais tempo, o que parece tambem depender do seu tecido mais duro, menos esponjoso: porem este phenomeno como tem lugar em huma epocha determinada, deve attribuir-se a huma causa inherente á mesma construcção organica, ou a alguma molestia que á affecta, ou á exsicação do tronco ou mesmo de toda a planta: apezar disso devemos observar, que algumas plantas conservão quasi perennemente as suas folhas; como são, o buxo, murta, oliveira, limoeiro, laranjeira, etc. outros porêm as conservão sempre verdes, e apezar de seccarem no outomno ficão apegadas ás arvores até á primavera seguinte, como se vê no carvalho, etc.; e por fim se observa que antes da queda da folha ha sempre mudança da sua cor, humas fazem-se amarellas, como na tillia, chopo, etc.: outras vermelhas, como na vinha, sumagre, etc. outras pardas como na nogueira; azuladas, como na madresilva.

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Apezar das opiniões de Murray que julga, que a queda das folhas he devida á obliteração e contracção dos vasos do peciolo, proveniente da perda do calorico que experimenta esta parte, pela irradiação, cuja acção he muito mais notavel no outomno do que nas outras estações; comtudo deve antes ser attribuida á cessação da vegetação, e á falta de nutrição, que as folhas soffrem nesta epocha do anno, e em que o curso da seiva se acha interrompido, resultando a contracção e exsicação dos vasos das folhas, em consequencia do que se destacão do ramo, em que se tinhão desenvolvido.

§. 10.º Estipulas, gavinhas, espinhos, glandulas, e pelos. Ignora-se a utilidade destes orgãos accessorios das folhas, porque as estipulas sendo organizadas da mesma fórma, não são outra cousa mais do que as proprias folhas abortadas.

As gavinhas, que accompanhão quasi sempre os troncos trepadores e sarmentosos, servem a mante-los agarrados aos corpos, a que se apegão.

Os espinhos são da mesma substancia que o lenho, e os aculeos são mais analogos á substancia da casca.

Os physiologistas, que desejão saber as causas finaes, tem dito que a natureza deu aos vegetaes estas armas, para repellirem os ataques dos animaes; e pensão mesmo, que algumas plantas tinhão sido munidas pela natureza destas especies de pontas, a fim de absorverem o fluido eletrico da atmosphera; apezar de ainda não estar demonstrada a necessidade do fluido electrico para a vegetação, e não obstante o muito que se tem escripto a este respeito.

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As glandulas parecem ser destinadas, como nos animaes, a extrahirem da massa dos fluidos hum licor particular, para sahir ao exterior.

Os pelos são orgãos que servem á absorpção e exhalação. Julga-se que a natureza tem coberto certas plantas de pelos, para augmentar a extensão da sua superficie absorvente; porisso que se tem notado, que os vegetaes que crescem nos paizes seccos, em que o ar he menos carregado de gazes nutritivos, são providos mais abundantemente de pelos do que os outros.

Em alguns casos, como na ortiga, os pelos são canaes excretores de glandulas, os quaes são postos sobre huma pequena bexiga, que contêm hum liquido venenosa, o qual tem muita analogia com o virus da vibora.