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COMPENDIO DE BOTANICA.

PARTE SEGUNDA.

Da Organographia, Physiologia, Phitotherisia ou Pathologia.

No estado actual da Sciencia, não sendo possivel separar as funcções dos orgãos da sua estructura, trataremos da Physiologia e da Anatomia ao mesmo tempo.

Entendemos por Organographia a estructura anatomica dos vegetaes, assim como por Physiologia o conhecimento das suas funcções no estado normal. A Phitotherisia he alteração das funcções dos orgãos ou as doenças dos vegetaes.

Esta segunda parte conterá duas divisões, a primeira sendo respectiva á anatomia e physiologia, e a segunda á pathologia e nosologia.

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DIVISÃO I.

Da Anatomia e Physiologia.

As partes elementares dos vegetaes se chamão tambem similares, porque são partes mui pequenas e similhantes a si mesmas em todos os vegetaes, qualquer que seja o orgão que se examine.

A reunião destas especies de moleculas organicas, que tem a fórma de laminasinhas transparentes, assim como a sua disposição, fórma o tecido membranoso (contextus membranaceus) que compõe toda a substancia das plantas.

O tecido membranoso he crivado de poros visiveis, tendo a fórma de buracos redondos ou fendas, guarnecidas algumas vezes de pequenos bordos espessos e callosos. O tecido membranoso modifica-se de differentes maneiras, que todas se poderião reduzir ao tecido cellular e vascular; mas convem estuda-lo separadamente, debaixo destas duas modificações principaes.

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CAPITULO VI.

Do tecido cellular ou areolar (complexus cellulosus tela cellulosa).

SECÇÃO I

Anatomia.

O tecido cellular he composto de hum grande numero de cellulas e de vacuos fechados de todos os lados, pouco mais ou menos hexagonos, ou de huma fórma determinada pela pressão das partes ambientes. O seu aspecto o tem feito comparar com razão á agua de sabão. Reconhece-se no seu estado o mais simples, na medulla das arvores, nos juncos, etc.

ARTIGO 1.º

Cellulas (utriculi).

Chamão-se cellulas aos espaços de tecido cellular que são fechados de todas as partes ao menos em apparencia; porque he demonstrado por Leuwenhok e por Hill, e pouco mais provado por Mirbel, que as suas paredes delgadas e transparentes, são crivadas de poros, ou de fendas transversaes de huma tenuidade excessiva: com tudo alguns physiologistas duvidão ainda da sua existencia.

§. 1.º Composição das cellulas.

O tecido cellular compõe-se de cellulas ou utriculos contiguos huns aos outros, cuja fórma depende em geral das resistencias que ellas experimentão. Alguns authores o tem comparado á escuma leve, que se fórma sobre a agua de sabão quando se agita, ou na superficie dos licores em fermentação. Tinha-se julgado geralmente, que as paredes das cellulas contiguas humas ás outras erão communs ás duas cellulas, que se tocão. Comtudo Malpighi tinha emittido a opinião, de que o tecido cellular era composto de vesiculas primeiramente distinctas, depois soldadas, que se chamavão utriculos. O professor Sprengel de Halle em 1802, e mais recentemente Dutrochet, e muitos outros physiologistas distinctos, tem feito observações que confirmão a opinião de Malpighi. Podem-se isolar as cellulas humas das outras sem dilaceração; o que prova que cada cellula fórma huma especie de pequena vesicula que tem paredes distinctas; e que no sitio em que as duas cellulas se tocão, a membrana que as separa he formada de dous folhetos, que pertencem a cada huma dellas. As investigações do professor Amici, e sobre tudo as de Mirbel, sobre o desenvolvimento da marchantia concordão nesta opinião. Esta separação das vesiculas formando o tecido cellular, pode-se operar ou pela simples cocção na agua, assim como praticou o professor Link, ou pela ebullição no acido nitrico, como aconselhou Dutrochet. Mas com tudo algumas vezes as paredes das cellulas se unem tão intimamente, que he quasi impossivel separa-las humas das outras.

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Tem-se suscitado muitas hypotheses diversas sobre a formação e multiplicação do tecido cellular: assim, segundo Treviranus e Turpin, quando se observa o desenvolvimento e formação do tecido cellular nos vegetaes, adquire-se a certeza de que elle se compõe de cellulas primeiro isoladas, mas que pelos progressos do seu desenvolvimento acabão por se unir mais ou menos entre si. Com effeito, segundo estes authores, nas vesiculas do tecido cellular, percebem-se por meio do microscopio corpusculos ovaes, ou arredondados, geralmente de côr verde; mas todavia offerecendo todas as cores possiveis, segundo as partes nas quaes se observão. São estes corpusculos os que corão o tecido cellular, cujas paredes são sempre diaphanas. Turpin em huma excellente Memoria, que fez sobre este objecto, publicada nas Memorias do Museu Vol. 12.º, lhe deu o nome de globulina. Cada grão de globulina he huma pequena vesicula, na qual se fórmão mais tarde outros pequenos grãos globulinos segundo Turpin, que se augmentão successivamente, e acabão quando se rompe a vesicula que as contêm. Então cada hum delles torna-se huma pequena vesicula, na qual se desenvolvem novos grãos, que apresentão os mesmos phenomenos. De Candolle considerando que he esta a substancia que cora todas as partes dos vegetaes, tem recentemente proposto dar-lhe o nome de chromulo.

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Outros physiologistas explicão de huma maneira differente a evolução do tecido cellular. He na espessura das paredes das cellulas, que se desenvolvem aquellas que vem augmentar o numero. Tambem este desenvolvimento e esta multiplicação, não tem lugar senão em quanto estas paredes conservão alguma espessura. Sabe-se muito bem, que quando o tecido cellular está secco, não he susceptivel de augmento.

São tres os modos da multiplicação e formação das cellulas. Assim humas vezes as novas cellulas se desenvolvem na superficie externa e livre dos utriculos ja existentes; e pode-se chamar extra-utricular este modo de multiplicação, como nos offerece a marchantia, outras vezes he entre os utriculos ja existentes que apparecem os novos, e pode-se chamar neste caso formação inter-utricular. Em fim da parede interna de hum utriculo pode nascer hum grande numero de utriculos, que acabão por absorver e fazer desapparecer o utriculo, no qual se desenvolverão; he esta a formação inter-utricular.

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§. 2.º Fórma das cellulas e sua communicação.

Quando ellas soffrem somente a resistencia, occasionada pela presença das cellulas adjacentes, não he raro achar nestas cellulas huma fórma quasi hexagonal, de modo que se assemelhão aos alveolos construidos pelas abelhas. Podem ser mais ou menos alongadas, globulares, comprimidas, segundo os obstaculos que se oppõem ao seu livre desenvolvimento. He até raro encontrar a fórma regular e hexagonal, que nós acabámos de descrever.

As suas paredes são delgadas e transparentes, communicão todas juntas, abrindo-se as suas cavidades mutuamente humas nas outras, ou existindo nas suas paredes poros ou fendas. Estes poros, que são apenas visiveis pelos instrumentos de optica, tem sido percebidos por Leuwenhok e Hill, e ultimamente por Mirbel, Amici. Moldenhaver reconheceu estes poros no tecido cellular do peciolo do cycas revoluta, e na medulla do sabugueiro: este professor nega com tudo a sua existencia. O que he certo, he que o tecido cellular de hum grande numero de vegetaes, parece inteiramente destituido de poros, entretanto que elles existem evidentemente no tecido cellular de alguns outros vegetaes. Segundo muitos physiologistas, e em particular Rudolphi e Sprengel, as cellulas communicão entre si por hum ponto, em que as suas paredes se rompem. Bernhardi foi o primeiro que demonstrou, que a communicação entre as cellulas tinha lugar pelos poros invisiveis das suas paredes. Esta opinião he hoje geralmente admittida. Parece muito provavel, que seja pela exsudação, que os fluidos passão de cellula em cellula.

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ARTIGO 2.º

Tubilhos ou pequenos tubos, e prosenchyma.

Nas partes lenhosas, as cellulas do tecido areolar são muito alongadas, e fórmão pequenos tubos irregulares parallelos entre si, a que Cassini dá o nome de tubilhos. As suas paredes são opacas, espessas, algumas vezes obliteradas inteiramente. He a esta modificação, que Link deu os nomes de tecido alongado e de prosenchyma. Este tecido alongado existe em abundancia nos vegetaes lenhosos, he mais commum que o tecido cellular regular, e compõe-se de pequenos tubos estrangulados de distancia em distancia. Outras vezes são fusiformes, isto he, adelgaçados nas suas extremidades. São em geral parallelos entre si, mais ou menos opacos, e muito abundantes no tecido lenhoso. Acontece algumas vezes, que as cellulas do tecido alongado não podem tocar-se, senão pelos pontos mais engrossados, e neste caso resultão intervallos ou vacuos. A estes vacuos se tem dado differentes nomes, assim Hedwig lhe chamou vasa revehentia; Treviranus meatus intercellulares; Link ductus intercellulares. A sua fórma he mais ou menos prismatica e triangular, algumas vezes hexagonal; e chamão-se meatos. Segundo a opinião de Amici, estes meatos não contêm liquido, mas somente ár, porque da mesma sorte, que os grandes poros da epiderme, são orgãos que dão somente passagem a ár, e são sempre collocados na parte anterior de hum destes espaços. Quando o tecido he muito compacto, e os pequenos tubos muito densos para offerecerem estes espaços, não se achão poros corticaes.

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ARTIGO 3.º

Raphidas.

He no interior destes meatos intercellulares, ou algumas vezes nas cellulas de alguns vegetaes de tecido laxo, que se achão corpusculos em fórma de agulhas, que De Candolle chama raphidas. São ordinariamente reunidas em fasciculos, sem adherencias claras com as paredes das cellulas, onde existem; a sua consistencia he densa. Tem-se observado no piper magnoliaefolium, no tritoma, etc. Segundo Raspail são cristaes muito finos de oxalato de cal.

ARTIGO 4.º

Raios medullares.

Ha ainda outra modificação do tecido alongado, que merece ser aqui mencionada, isto he, as cellulas que fórmão as inserções, ou raios medullares do tronco dos vegetaes dicotyledones. São muito pequenas e collocadas horizontalmente, em lugar de serem verticaes.

ARTIGO 5.º

Lacunas.

O tecido cellular no seu estado de pureza nativa tem pouca consistencia, rompe-se com facilidade. Achão-se em certos vegetaes espaços vasios cheios de ar, que resultão da ruptura das paredes de muitas cellulas. Estes espaços, a que Mirbel deu o nome de lacunas, encontrão-se sobre tudo nos vegetaes que vivem na agua, nos quaes elles parecem oppor-se á submersão e á maceração, que as plantas necessariamente experimentarão, attendendo á sua residencia prolongada na agua. Amici tem huma opinião totalmente differente daquella, que acabámos de mencionar. Segundo elle não são o resultado da ruptura das cellulas, como pensa Mirbel; são espaços mais ou menos regulares contendo constantemente ar. Algumas vezes offerecem, sobre a sua parede interna, pelos de huma natureza particular á similhança de huma borla. Podem-se distinguir duas especies de lacunas; humas em que o seu orificio he constituido pelos poros corticaes, e communicão com o ar exterior; as outras não tem communicação exterior.

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ARTIGO 6.º

Cellulas compostas, e materias nellas contidas.

Link distingue as cellulas compostas, que existem igualmente no tecido cellular das plantas aquaticas, e que são cellulas maiores, cujas paredes são formadas de cellulas prismaticas, dispostas em series alternadas. Offerecem diaphragmas igualmente cellulosos, e he por este caracter que differem das lacunas.

As cellulas nem sempre são vasias interiormente, algumas vezes contêm differentes materias: humas vezes, sobre tudo nos vegetaes novos, são cheios de liquidos aquosos, outras vezes achão-se grãos livres e espalhados de fecula; em hum grande numero de casos, as suas paredes interiores contêm estes corpusculos córados, que dão ás diversas partes a cor que lhes he propria, e que se tem designado com os nomes de chlorophylla, globulina, chromulo. Em fim as cellulas do lenho são encrostadas interiormente de huma materia opaca, mais ou menos dura, cuja cor varía segundo as diversas especies de lenho. O tecido cellular existe em todos os vegetaes sem excepção.

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SECÇÃO II.

Physiologia.

O tecido cellular gosa de duas propriedades essenciaes: 1.ª a faculdade que tem de absorver os liquidos: 2.ª a sua excitabilidade organica. He por meio destas duas propriedades fundamentaes, que se podem explicar muitos dos phenomenos da vida vegetal, de que trataremos quando fallarmos das funcções nutritivas. O tecido cellular regular, tal qual nos offerece a medulla de muitos vegetaes, particularmente os monocotyledones, tem pouca consistencia e se rompe com grande facilidade, a que se devem attribuir os vacuos maiores ou menores chamados lacunas, que são faceis de observar em todas as plantas, que crescem na agua; as quaes contêm ar, e á qual parece ser devida a particularidade de nadarem sobre a agua, como pensa Mirbel; entretanto Boitard pensa que, alêm daquella utilidade, tem ainda outra mais importante, porque tem observado, que as plantas que serpejão no fundo d'agua, tem muito poucas lacunas no seu tecido cellular; e pelo contrario aquellas, que se elevão verticalmente do seio das ondas ou fluctuão na sua superficie, tem muitas lacunas e tanto maiores, quando os caules tem hum tecido vascular mais laxo e molle; donde conclue, que assim como a natureza tem feito occos os ossos das aves, e os tubos das suas pennas, e enchido a cavidade thoracica de hum pulmão enorme, capaz de conter hum grande volume de ar; assim tambem a mesma natureza tem collocado grandes vacuos no interior das plantas aquaticas, a fim de que humas e outras fossem bastante leves, para poderem elevar-se no seu elemento.

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He certo tambem, que sem estas lacunas os vegetaes que crescem nas aguas correntes, não poderião oppor resistencia á impulsão que ellas recebem, e seus troncos morrerião logo, por falta de se acharem em contacto, pelas suas folhas, com o ár atmospherico e os raios solares.