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CAPITULO XII.

Da Degeneração, glandulação, escabrosidade, succulencia, medida e grandeza, cheiro, sabor, cor das plantas, naturalidade e singularidade das flores.

SECÇÃO I.

Da Degeneração das plantas.

O viço dos vegetaes (luxuriatio) he considerado por alguns botanicos como floral, ou como habitual; o floral he relativo ás partes da fructificação, e delle ja tratámos na Secção 2.ª do Capitulo 11.º; o habitual consiste na mudança que algumas causas occasionaes produzem nas partes da vegetação, isto he, em quaesquer partes que não são flor nem fructo, e como esta alteração tem lugar nas plantas da mesma especie, e as faz variar e degenerar, costumão tambem dar-lhe o nome de variação ou degeneração (variatio, s. degeneratio), mas estes dous termos tem huma accepção mais extensa.

O viço tem lugar ás vezes no tronco, quando as plantas vem a ser cespitosas (cespitosae), lançando da mesma raiz em hum terreno pingue muitos troncos, ainda que aliás no terreno que lhes he natural só lanção hum; ou se ellas vem a ser fitaceas (fasciatae), isto he, se os seus caules se coadunão, ou nascem adunados de modo que fórmão hum só, comprido, largo e chato como huma fita; este phenomeno tem lugar algumas vezes no ranunculo, acelga, espargo, chicoria, celosia, escorcioneira, tragopogon, etc., e pode ser occasionado artificialmente.

O viço faz tambem com que algumas arvores lancem hum grande numero de raminhos tecidos huns com os outros, á maneira de hum ninho de pêga, ou confundidos e embaraçados entre si, como se achão os cabellos na doença chamada plica pollonica, e he por este motivo que similhantes plantas são chamadas implicadas (plicatae); o carperius, betula e espinheiros são sujeitos a este viço nos paizes do Norte.

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Os troncos quadrados algumas vezes tambem adquirem hum maior numero de angulos, em razão da grande abundancia de succos.

As folhas tambem são sujeitas a viçar, e se observa que as estreitas passão a ser largas; que hum terreno humido faz fender ás vezes as folhas inferiores; e hum terreno secco as superiores; que as folhas oppostas passão a ser verticilladas, tres a tres, quatro a quatro, como se observa no murrião, lysimachia; que os trevos ás vezes tem quatro foliolos em lugar de tres; e a potentilla tem sete ou nove em lugar de cinco em cada folha; em fim he assaz commum de as ver tornar crespas e bolbosas.

A degeneração pode ter lugar de muitos modos em razão da cultura, mudança de terreno, clima, idade, etc. A cultura não amansa menos as feras do que as plantas; ella lhes faz perder os seus espinhos, hispidez, e toda a sorte de pelos; amacia a aspereza de seus succos, e adoça muitas vezes o amargor, e acidez de seus fructos.

As plantas que cultivamos em nossos jardins, hortas, e pomares dão disto huma prova evidente; o estado inculto ou bravio era o seu estado natural: parece-nos que o melhoramos pelas enxertias e amanhos, e Brotero julga que degenerão todas as vezes que por falta da devida cultura tornão a ser bravas; mas na realidade, aos olhos de hum sabio naturalista, he huma verdadeira degeneração, a que chamamos estado de melhoramento; huma ameixieira, huma alcachofra hortense, ás quaes a cultura fez perder os seus espinhos vivem degeneradas em quanto se conservão neste estado; mas logo que abandonadas á revelia da natureza recobrão os seus espinhos, devem ser consideradas como restituidas ao seu estado natural.

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Os terrenos differentes fazem muitas vezes que as folhas largas venhão a ser estreitas, que sejão glabras em huns, e hispidas ou peludas em outros, e que os troncos tenhão differentes direcções.

O clima concorre tambem a fazer degenerar as plantas que nos paizes quentes são vivazes, taes como as chagas, boas noites, mangerona, ricinus, etc., transplantadas nos paizes frios vem a ser annuaes.

A idade faz algumas vezes perder os aculeos e a hispidez aos troncos; e outras vezes lhes faz tomar huma fórma arborea, e mudar a figura de suas folhas, como se vê na hera.

O viço e degeneração podem fazer variar de muitos modos huma mesma especie, mas delles nunca resultão novas especies; e he erro crer, por ex., que a avêa, cortada antes da florescencia, degenere de tal modo que no anno seguinte se converta em centeio, ou que o trigo em huma terra magra degenere em centeio, este em cevada, a cevada em joio, etc.

O corculo das sementes he sempre huma plantula propria, segundo as leis da natureza, para continuar a fórma especifica do ente que a produzio, porque aliás teriamos novas creações; elle he formado da medulla da planta materna, ou de huma substancia similar, de modo que não pode perpetuar senão individuos especificamente similhantes áquelle, a quem esteve apegado no tempo, em que foi gerado e nutrido.

Da mesma sorte os ramos, bolbos, e gomos, por mais variedades que possão dar, sempre conservão os caracteres e essencia da sua especie, porque são della menos pedaços vitaes. Pelo que dizer, que hum ramo ou colmo de avêa pode dar huma espiga com sementes de centeio, he querer mudar a natureza dos vegetaes, e fingir chimeras, segundo Brotero.

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SECÇÃO II.

Da Glandulação e Escabrosidade das plantas.

Debaixo dos nomes de glandulação e escabrosidade (glandulatio, scabrities), os botanicos comprehendem as excrescencias destinadas ás excreções dos vegetaes, e muitas producções que fazem a sua superficie aspera e escabrosa.

Ainda que muitas destas producções só diffirão levemente entre si, tem comtudo recebido diversas denominações, as quaes se podem reduzir a quatorze, a saber: glandulas; verrugas; callos; pontos; grãos, vesiculas; mamillos; tuberculos; utriculos; folliculos; poros; fossulas; pustulas; cicatrizes.

ARTIGO 1.º

Glandulas (glandulae).

As glandulas, segundo toda a extensão do termo, são qualquer excrescencia ou porosidade superficial, que serve a alguma secreção: mas em huma accepção restricta, as glandulas são pequenas excrescencias ordinariamente globulares, que se achão na superficie das plantas, e são destinadas a preparar e filtrar os succos proprios da especie a que pertencem: algumas são guarnecidas de pelos, outras não: humas são assaz perceptiveis á vista simples, outras só por meio da lente he que podem ser distinctas. As que não precisão de lente são as mais proprias para notas caracteristicas; dão-se nos peciolos das folhas, como no martyrio; nas serraturas ou dentes das folhas serreadas, como no salgueiro e amendoeira; nas antheras como na adenanthera; junto da base dos estames, como no goivo, couve; por toda a flor, e por todo o corpo da planta, excepto na raiz, como na fraxinella.

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ARTIGO 2.º

Verrugas (verrucae).

As verrugas são glandulas grossas, e hum tanto chatas ou concavas, como as que se vem nos peciolos do noveleiro, e ricinus. Igualmente se dá o nome de verrugas a certos tuberculos, ou receptaculos de algumas especies de lichen.

ARTIGO 3.º

Callos (calli).

Os callos são pequenas glandulas, pontos ou globulos duros; comtudo algumas vezes este termo he usado tambem para significar a mesma cousa, que cicatrizes ou fossulas superficiaes, como na pedicularis palustris, protea hirta, obliqua, etc.

ARTIGO 4.º

Pontos (puncta).

Os pontos são salpicos minimos, glandulosos, taes como os que vem nas flores da fraxinella. Tambem se usa deste termo para explicar certas fossulas minimas dos receptaculos, como dos do dente de leão, e certos salpicos córados das folhas, como em algumas especies de mesembryanthemum.

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ARTIGO 5.º

Grãos (granula, s. grana).

Os grãos são certas excrescencias globulosas e callosas que se dão nos tegumentos das flores da labaça, e outras especies de rumex.

ARTIGO 6.º

Vesiculas (vesiculae, s. papulae).

As vesiculas são excrescencias cellulosas, ou pequenas bolhas córadas e transparentes, que contêm dentro em si alguns succos proprios, como são as que vem na superficie de huma laranja, e que contêm o seu oleo essencial, e as do mesembryanthemum crystallinum. Dá-se igualmente o nome de vesiculas ás pequenas cellulas succulentas, de que consta qualquer bago de laranja ou limão, e ás fructificações gelatinosas do fucus.

ARTIGO 7.º

Mãmillos ou tuberculos (mãmilli, s. tubercula).

Os mãmillos ou tuberculos são pontos carnudos; pontudos, ordinariamente mais largos na base, como os do cactus mãmillaris, e algumas euphorbias. Em algumas especies de lichen, os tuberculos são pontos escabrosos e pulverulentos, que constituem o receptaculo da sua fructificação. Nas folhas da pulmonaria e outras asperifolias, os pontos asperos que as salpicão, são tambem chamados tuberculos.

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ARTIGO 8.º

Utriculos (utriculi).

Os utriculos são huma especie de excrescencia vesicular, que contêm o licor de alguma secreção. A sua figura varía segundo as differentes plantas; a nepentes distillatoria tem na ponta das suas folhas utriculos oblongos, cylindricos e guarnecidos de hum operculo; as folhas da sarracima purpurea tem utriculos oblongos, tubulosos, e os que se achão no centro da umbrella da margrazia umbellata, são longos, desunidos, direitos, terminados como a petala concava do aconito.

ARTIGO 9.º

Folliculos (folliculi).

Os folliculos são excrescencias vesiculares, que contêm huma substancia aeriforme: elles são urceolares e semicirculares nas folhas da aldrovanda vesiculosa; hum tanto globosos e guarnecidos de duas pontas nas raizes de differentes especies de utricularia.

ARTIGO 10.º

Poros (pori).

Os botanicos dão huma significação mais extensa ao termo poros. Entendem por poros em geral certos meatos de differente largura e profundidade, que tem os seus orificios na superficie dos vegetaes: nelles comprehendem 1.º os poros finissimos chamados tambem vasos absorventes, inhalantes, exhalantes, e tracheas: 2.º os poros largos da casca, como os que se vêm na casca da cortiça, e nas cascas da noz da amendoa, e outras similhantes, que parecem segundo Brotero merecer antes o nome de lacunas, fendas, buracos ou carcomas da casca: 3.º os poros fungosos, que são pequenos tubos ou alveolos, que se vem distinctamente nos umbraculos das boletas, e são considerados como orgãos relativos á fructificação destas plantas: 4.º os poros antherinos e estigmaticos, que se achão nas antheras e estigmas das flores, por ex., no tomateiro, e outras especies de solanum, e no estigma do amor perfeito: 5.º os poros capsulares, que são certos furos que se vem nas capsulas da campanula: 6.º em fim os poros excretorios ou glandulares, que são pequenas cavidades superficiaes, que se observão nas folhas da urena lobata, hibiscus tilliaceus, e na base dos peciolos do polygonum scandens.

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ARTIGO 11.º

Fossulas (fossulae, s. foveae).

As fossulas são pequenas cavidades estreitas, como v. g. as que se achão na base das petalas da coroa imperial, e outras especies de fritillaria.

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ARTIGO 12.º

Cicatrizes ou pustulas (cicatrices, s. pustulae).

As cicatrizes são especies de verrugas ou tuberculos alastrados, taes como os que se vêm nos ramos do hypericum balearicum, e laurus indica.

Algumas glandulas e vasos superficiaes costumão naturalmente lançar de si hum humor viscoso ou glutinoso (viscositas, s. glutinositas): este humor he observado não só na casca do tronco e ramos, mas tambem nas folhas, flores, e gomos, que em razão de serem lubrificados por huma similhante substancia são chamados viscosos.

SECÇÃO III.

Da Succulencia (succulentia, s. lactescentia) dos vegetaes.

Por succulencia os botanicos entendem a qualidade e cor dos succos dos vasos de huma planta que se vertem, quando a ferimos ou quebramos.

Os succos das plantas são: aquosos (aquosi succi) quando não são córados, e se assimelhão á agua commum, como se vê na videira: lacteos (lactei, albi) se são da cor de leite, como na euphorbia, e papoila: amarellos (lutei) como na celidonia: vermelhos (rubri) como os do rumex sanguineus, e os dos ramos tenros de carthamus lanatus.

Os succos preparados pelos vasos proprios dos vegetaes, quer sejão extrahidos por meio de huma incisão artificial, ou derramados na casca por exsudação ou rotura, adquirem muitas vezes huma consistencia mais 261 ou menos densa, e são chamados neste estado resinas, gommas resinas, e gommas.

As resinas (resinae) podem facilmente reconhecer-se e distinguir-se das gommas, pela razão de arderem rapidamente ao fogo, e de se dissolverem em espirito de vinho e não em agua, como são o pez, a therebentina, etc.

As gommas (gummi) pelo contrario não ardem no fogo, dissolvem-se em agua, e não em espirito de vinho, como se vê na gomma arabica, etc.

As gommas resinas (gummi resinae) dissolvem-se parte no espirito de vinho, e parte em agua, como se vê na que he extrahida do aloès.

SECÇÃO IV.

Da Medida e grandeza (magnitudo, s. mensura) das plantas.

A grandeza ou medida he relativa ou absoluta; a relativa he a largura ou comprimento das partes dos vegetaes comparadas humas com as outras; a absoluta consiste nas dimensões conhecidas, ou nas que são deduzidas das partes, e estatura do corpo humano, que se reduzem ás seguintes.

Hum cabello (capillus) he o diametro ou grossura de hum cabello, que se suppõe ser a duodecima parte de huma linha, e neste sentido as partes dos vegetaes dizem-se ser verdadeiramente capillares (capillares), quando são da grossura de hum cabello.

Huma linha (linea) he a largura que costuma ter a raiz de huma unha, excepto a do dedo polegar, neste sentido a grandeza diz-se ser linear ou de huma linha (linearis).

Huma unha (unguis) he o comprimento della, que se suppõe ser seis linhas ou meia polegada, e neste sentido a grandeza diz-se ser de huma unha (unguicularis).

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Huma polegada (pollex, s. uncia) he o diametro do dedo polegar, ou tambem o espaço que vai desde a sua ultima junta até á ponta, que se suppõe ser doze linhas, e neste sentido a grandeza diz-se ser de meia polegada (semiuncialis); de huma polegada (uncialis, s. pollicaris); de polegada e meia (sesquiuncialis, s. sesquipollicaris); de duas polegadas (biuncialis etc.).

Huma mão travessa (palmus) he a largura de quatro dedos reunidos, excepto o polegar, e se suppõe ser tres polegadas; neste sentido a grandeza diz-se ser de meia mão travessa, de huma mão travessa, de mão travessa e meia (semipalmaris, palmaris, sesquipalmaris).

Hum palmo de craveira, hum palmo maior (dodrans) he o espaço que medêa entre a extremidade do dedo polegar e do minimo bem estendido, o que se suppõe ser nove polegadas, donde a grandeza se diz ser de hum palmo de craveira (dodrantalis).

Hum palmo bastardo ou palmo menor (spithama), he o espaço que medea entre a extremidade do dedo polegar, e a do dedo indicador seu immediato bem estendido, o que se suppõe sete polegadas; donde a grandeza se diz ser de hum palmo bastardo (spithamea).

Hum pé (pes) he pouco mais ou menos a parte que medêa desde o sangradoiro do braço até á base do dedo polegar, e que se suppõe ser doze polegadas; donde a grandeza se diz ser de meio pé (semipedalis); de hum pé (pedalis); de pé e meio (sesquipedalis); de dous pés (bipedalis, etc.).

Hum covado natural (cubitus) he o espaço que vai desde o cotovelo até á ponta do dedo grande, que se suppõe ser dezesete polegadas; a grandeza diz-se ser de hum, dous, tres covados naturaes, etc. (cubitalis; bicubitalis, tricubitalis, etc.).

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Hum braço (brachium) he o espaço que vai desde a axilla até á ponta do dedo grande, o que se suppõe ser de dous pés; donde a grandeza se diz ser de hum braço (brachialis).

Huma braça ou a altura de hum homem (orgyia, altitudo humana; s. hexapoda) he o espaço que vai da extremidade de huma mão até á da outra, estando os braços abertos; o que se suppõe ser seis pés; donde a grandeza se diz ser de huma braça (orgyialis, s. sexpedalis).

SECÇÃO V.

Das Cores, cheiros e sabores dos vegetaes (colores, odores, sapores vegetabilium).

ARTIGO 1.º

Das Cores (colores).

Os antigos consideravão as cores como huma das principaes notas do habito externo, com que se podião distinguir as especies: Linneo criticou fortemente esta opinião, que se bem que ellas podião servir para distinguir as variedades, não fornecião caracteres seguros para estabelecer especies: alguns modernos comtudo não admittem inteiramente este parecer, e pensão que he sujeito a excepções.

Os differentes gráos de intensidade, com que a natureza córa as flores, não se podem perfeitamente exprimir, nem com vozes, nem com penna, e raras vezes ainda mesmo o pincel as bem imita.

As cores ordinarias reduzem-se ás seguintes: branco de leite (albus, niveus, s. lacteus), como as açucenas, jasmins, e ordinariamente flores da primavera e bagas doces; esbranquiçado, alvadio (albicans, incanus), como são as folhas de algumas especies de verbasco: cor vidrenta, ou de cristal (hyalineus, s. vitreus); cor de agua (aqueus, undulatus); estas observão-se muitas vezes nos filetes dos estames, e no estilete do pistillo; cinzento (cinereus); cor de chumbo (plumbeus, lividus); negro (niger); fusco pardo (fuscus); fullo, baço (fullus), a cor negra observa-se muitas vezes nas sementes e raizes, mas he raro de a ver no fructo, e muito mais raro na corolla: pallido (luridus); cor de pez (piceus, ater); amarello (luteus); cor de enxofre (sulphureus, flavus); esta cor he propria da maior parte das antheras, e das corollas das flores semiflosculosas de Tournefort, como tambem de hum grande numero das que se dão no outomno; açafroado (croceus); cor de fogo (flammeus, fulvus); gris ou griseo (gilvus); cor de tijolo (testaceus); cor da ferrugem de ferro (ferrugineus); vermelho (ruber); as flores do estio e bagas azedas tem ordinariamente esta cor; vermelho cor de sangue (sanguineus); vermelho, cor de carne ou encarnado (incarnatus); escarlatim, cor de escarlata (coccineus, puniceus); cor de rosa (roseus); purpureo, cor de purpura (purpureus, phaeniceus, s. tyriantinus); purpureo claro (dilute purpureus); purpureo escuro (saturate purpureus, s. atropurpureus); roxo (violaceus, hyacinthinus, caeruleo purpureus); azul (caeruleus); azul celeste (cyaneus); estas cores são muito frequentes na corolla: verde (viridis); verde cor de alho porro (prasinus); verde mar (thalassinus); verde negro (atroviridis); a cor verde he propria da maior parte das folhas e do calice, mas he rarissima na corolla: garço (glaucus, glaucinus, casius); a cor garça participa da verde e da azulada, e por isso muitos a comparão com propriedade á pedra preciosa chamada beryllo.

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ARTIGO 2.º

Dos Cheiros (odores).

Os cheiros das plantas de que fazemos aqui menção, são relativos não só ás flores e fructos, mas tambem ás folhas, ramos, troncos e raizes, e a quaesquer partes vegetaes. Todas as plantas, rigorosamente fallando, tem hum cheiro particular, mas como este em algumas nos he muito pouco sensivel, ou ainda mesmo não causa impressão alguma notavel sobre o nosso olfacto, daqui procede chamarmos a esta sorte de plantas inodoras (inodorae) ou sem cheiro algum.

Os cheiros são summamente variados, não só no mesmo genero, mas ainda no mesmo individuo, tendo ordinariamente as partes da fructificação cheiros differentes das outras partes, e a raiz differindo tambem nesta circunstancia, algumas vezes de todo o mais corpo da planta.

A pouca similhança que ha nos cheiros, e as differentes impressões que cada hum delles costuma causar, segundo as differentes pessoas, tem impossibilitado os botanicos de bem os reduzir a distribuições geraes: Linneo tratou com tudo de os distinguir o melhor que pode do modo seguinte:

§. 1.º As plantas são de hum cheiro suave e agradavel (suaveolentes), ou de hum cheiro pesado, fetido, e desagradavel (graveolentes); entre os cheiros suaves são numerados: o fragrante, o almiscarado, e o aromatico; e nos desagradaveis são considerados o alliaceo, hircoso, viroso, nauseoso.

§. 2.º Fragrante (fragrans) he agradavel sem comtudo ser aromatico nem almiscarado, tal he por ex. o do jasmim, açucena, goivo, e outras muitas flores; pode-se dar igualmente em todas as mais partes da planta, como se vê na manjerona, ouregão, mangericão, segurelha, herva cidreira, alfazema, tomilho, serpão, etc.

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§. 3.º Almiscarado (ambrosiacus) he forte, penetrante, e se assimelha ao do almiscar, tal he por ex. o do geranium moschatum, malva moschata, chenopodium ambrosioides, etc.

§. 4.º Aromatico (aromaticus) he fragrante ao olfacto, e se dá igualmente a conhecer no acto da mastigação; está sempre reunido com hum principio acre ou picante, tal he por ex. o cheiro da canella, cravo da India, e do Maranhão, noz moscada, alcanfor, casca de laranja, etc.

§. 5.º Alliaceo (alliaceus) he forte, tem hum principio acre proprio do alho, ou evidentemente similhante, tal he o da cebolla e de todas as especies de alho.

§. 6.º Hircoso (hircinus) he forte, desagradavel, assimelha-se hum tanto ao cheiro fetido das axillas dos braços, a que alguns chamão catinga ou cheiro de bode; tal he o que se observa no geranium robertianum, chenopodium vulvaria.

§. 7.º Viroso (teter, s. virosus) he fetido, desagradavel, como o de cravo de defunto, sabugueiro, opio, cotula, anthemis, etc.

§. 8.º Nauseoso (nauseosus) he forte, e o olfacto o não pode supportar repetidas vezes, ou excita nausea, dores de cabeça, etc. como se observa na arruda, sysymbrium tenuifolium, etc.

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ARTIGO 3.º

Dos Sabores (sapores).

Os sabores das plantas são muito variados, não só nas differentes especies, mas ainda na mesma especie e no mesmo individuo. Os differentes terrenos, os sitios e cultura dão aos fructos da mesma especie gostos bem diversos; huma planta na idade tenra, ordinariamente tem hum gosto differente do que tem na idade adulta; o sabor differe quasi sempre do que tem o corpo da planta, que o produzio, e ainda no mesmo fructo ha sabores bem diversos, como se vê na romãa, pessego, e laranja, reconhecendo-se nos bagos daquella, e no miolo dos caroços destes, hum gosto bem differente do resto do fructo.

Rigorosamente fallando, não ha no reino vegetal planta alguma insipida, todas tem hum sabor herbaceo, mais ou menos perceptivel, mais ou menos occulto, segundo os sabores com que se acha confundido. O sabor herbaceo na marugem he simples ou dominante, e se assimelha ao sabor aquoso; nas acelgas e espinafres reconhece-se ser hum tanto composto de principios oleosos e salinos: porêm como as impressões que similhantes plantas causão sobre os orgãos do gosto, são muito modicas, e se distinguem pouco das que causa a agua, daqui procede dizer-se commummente que ellas tem hum sabor insipido ou aquoso (insipidus, s. aquosus), o qual he considerado como a primeira especie de sabor.

A segunda especie de sabor he o azedo (acido) como o do limão, ginja, e groselha; nestes e outros similhantes fructos o sabor acido está sempre reunido com huma pequena porção de austero; assim nas cerejas, maçãas, amoras, etc. está mais ou menos enfraquecido pela substancia saccharina, que nellas constitue o sabor doce misturado com elle.

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Austero ou estyptico (stypticus) he o que se observa nas galhas do carvalho e na casca das arvores.

Acerbo (acerbus) he hum gosto composto de azedo e estyptico proprio de todos os fructos verdes; acha-se comtudo em alguns fructos ainda mesmo no estado de madureza, como nos abrunhos bravos, etc.

Doce (dulcis) he o que se acha na canna de assucar, na raiz do alcaçuz, no colmo das grammas, nos figos, tamaras, etc.; ordinariamente está misturado com huma leve acidez, e ás vezes tambem com hum pouco de estypticidade ou acrimonia, como no polypodio, avenca, feto macho, etc.

Salgado (salsus) he o que se observa em algumas plantas maritimas, como na salsola, salicornia.

Amargoso (amarus) ordinariamente está confundido com o estyptico acre ou aromatico; na genciana parece ser puro; no rhuibarbo he misturado com o estyptico; na casca de laranja e limão está misturado com o aromatico; na curcuma junto com o acre; na assafetida reunido com o sabor nauseoso; nas terebentinas e outras substancias resinosas he denominado amargo-balsamico; na chicoria, almeirão, e dente de leão, e outros analogos, da-se-lhe o nome de amargo refrigerante; o que se acha dentro dos caroços, e em algumas pevides, he tambem chamado por alguns amargo de amendoa.

Acre ou picante (acris) he o que se acha nos alhos, cebollas, agriões, mastruços, pimentão, etc. ordinariamente está combinado com outros sabores, na curcuma por ex. está misturado com o amargo, na polygala seneka com o nauseosa.

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Aromatico (aromaticus) he hum sabor acre misturado com huma substancia de sensação fragrante; he mais ou menos puro, á proporção que o principio aromatico he mais ou menos dominante sobre o acre. O sabor aromatico acha-se tambem algumas vezes misturado com o amargo, como se vê nas cascas de limão, da laranja, etc.

Nauseoso (nauseosus) he acre misturado com hum principio fetido ou nauseoso, como na polygala seneka. Acha-se algumas vezes tambem reunido com o sabor amargoso, como na assafetida.

SECÇÃO VI.

Da Naturalidade e singularidade das flores.

A naturalidade ou a estructura natural (structura naturalis) he segundo Linneo a que se observa na maior parte dellas, e he opposta á estructura singularizada. As flores de huma estructura muito natural tem o calice e corolla divididos em igual numero de lacinias, ordinariamente cinco; o seu calice he menos aberto, exterior, menor do que a corolla, e involve o receptaculo, ao qual ella está innata; cada hum dos seus filetes he guarnecido na ponta de huma anthera, postos entre a corolla e o pistillo, levantados, e iguaes no comprimento ao pistillo, quando os tegumentos da flor são levantados.

O pistillo está situado no centro, o germe tem no apice hum ou mais estiletes levantados, e terminados por estigmas. Cahidos os orgãos sexuaes, o germe torna-se em hum pericarpo sostido pelo calice. O receptaculo he acompanhado do calice, e inferior ou sotoposto ao germe.

A estructura singularizada (structura singularis) he a que se observa em muito poucos generos de flores, como na do pé de bezerro, salva, adoxa, eriacaulon, magnolia, etc. Tambem se podem chamar singularizadas as umbrellas bolbigeras de alguns alhos, e as espigas do polygonum viviparum, etc.