Não obstante a sua aparência de boêmio, Luiz Gonzaga Fernandes era um homem de coração. Casado com uma criaturinha de boca pequena e olhos grandes, adorava-a sinceramente e, por isso mesmo, doía-lhe a prática das suas próprias infidelidades.
— É uma infâmia da minha parte — monologava ele, às vezes, no automóvel, a caminho de casa. — Não seria mais humano, mais lógico, mais digno, que eu lhe revelasse as minhas aventuras, pondo-a ao corrente de minha vida?
E conluia, de si, consigo:
— Sim; porque, o que é indigno em um homem não é ser infiel à companheira, mas ser infiel e querer passar por um santo. O pecado está não na infidelidade, na quebra do pacto matrimonial, mas na mentira, que é o mais degradante dos vícios.
E mordia o dedo, nervoso com o seu pecado.
Certo dia, após uma série de conjecturas profundas, resolveu, decidido:
— Não; é preciso acabar, de uma vez, com esta miserável hipocrisia. Minha mulher é pura, honesta, virtuosa, e não merece que eu lhe minta. Vou confessar-lhe, pois, francamente, lealmente, sinceramente, as minhas relações com Liloca, mulher do Gaudêncio. Se ela me quiser perdoar, muito bem; se não, fico em paz com a minha consciência, com a minha alma, com o meu coração, satisfeito com ser um marido infiel, mas nunca um mentiroso!
Chegado à casa, chamou à parte a esposa. E, contou-lhe, sem omitir uma só particularidade da sua vida, a afeição que o prendia à esposa do seu melhor amigo, e a necessidade, que havia, de que ela, a sua Cotinha, sua mulher, o perdoasse. Era uma fatalidade; mas, que havia de fazer, se era aquele o seu destino?
Fisionomia serena, com a mão no queixo e o cotovelo no espelho da cama, Dona Cotinha escutava o marido. E quando ele acabou a exposição do seu caso, indagou, sem raiva:
— Dize-me uma coisa, Luiz: há quanto tempo tu me enganas com a Liloca?
— Eu? Há quatro anos.
— E achas que eu te devo perdoar?
— Acho!
— Então, filho, — fez a moça com ironia, — és tu que deves perdoar a mim.
— ?...
— Há seis anos que eu sou amante do Gaudêncio, marido dela!