XXXVI


A ENGEITADA


Era uma mulher que tinha uma filha e uma engeitada em casa. A engeitada era muito bonita e a filha muito mona; a mãe queria muito á filha e á engeitada atirava-lhe muito. Tinha ella uma vaca; mandava a engeitada guardar a vaca; dava-lhe um peso de estopa e ella havia de lh'o trazer fiado e dobado. Havia uma rapariga que andava no monte com ella e dobava-lhe o fiado nos braços. Um dia a rapariga assanhou-se com a engeitada e esta poz-se a chorar muito e a dizer que não tinha quem a ajudasse a dobar o fiado; n'isto appareceu-lhe uma mulher e a mulher disse-lhe:

— Ó menina tu que tens?

— Tenho muito medo que minha ama me bata em chegando a casa; ella mandou-me dobar o fiado e uma rapariga que me ajudava a fial-o assanhou-se comigo e eu não tenho agora quem me ajude.

— Olha, menina, não chores; anda cá; tu has de dobar a tua meadinha nos chifres da tua vaca.

— Ella não está queda, que é brava.

— Ha de estar mansa.

E a mulher começou-lhe a dobar a meada em cima da cabeça da vaca. Ficou a pequena muito contente e disse:

— Oh senhora! se quizer que lhe dê alguma voltinha, eu dou-lh'a.

— Olha; quero que me vás buscar um cantarinho d'agua.

Ella levou-lhe o cantarinho d'agua a casa e a mulher disse:

— Abençoada sejas tu; quando tu fallares perolas finas botes tu pela bocca fóra.

A rapariga, já se sabe, ia fallando pelo caminho e iam-lhe caindo perolas muito ricas pela bocca fóra e ella ia-as colhendo no avental.

Chegou a casa com a meada fiada e a mãe ficou muito contente com as perolas e perguntou-lhe o que aquillo tinha sido; ella contou-lh'o e a mãe mandou lá a filha a ver se lhe succedia o mesmo. A filha foi, procurou a mulherzinha e disse-lhe:

— Oh mulher! quer que eu lhe leve um cantaro d'agua?

— Pois sim; vae por elle.

Ella foi, mas chegou á porta da cozinha e quebrou o cantaro e ella disse:

— Amaldiçoada sejas; saramagos lances tu por a boca fóra quando fallares, já que me quebrastes o meu cantarinho.

A rapariga chegou a casa e quando fallava deitava saramagos pela bocca fóra.

Soube-se que havia a rapariga que lançava as perolas pela bocca fóra e houve muito quem quizesse casar com ella. Ajustou-se casamento com um rapaz e os paes combinaram que se havia de esconder a engeitada e apresentar a filha com as perolas da outra na aba e dizer que ella era muda.

Fez-se o casamento e quando iam para a egreja ia uma voz em par do noivo e dizia:

«Perola fina fica na cuba
E o saramago vae na burra.»

Porque a engeitada tinha sido mettida n'uma cuba e a noiva ia n'uma burra. Depois o noivo disse:

— Eu volto para traz que vou muito encommodado e receio deixar a menina viuva, se melhorar casaremos amanhã.

Ao outro dia vae lá a casa com a justiça e lá acharam a pobre da rapariga mettida na cuba. Esta contou tudo. Em termos que o noivo deixou a outra e casou com a engeitada.

(Ourilhe.)