LXV


A VELHA FADADA


Havia duas velhas muito feias, que ambas queriam casar. Como eram, porém, muito feias não fallávam nem appareciam a ninguem. Punham uns annuncios na porta, mas se acaso vinha alguem procural-as para o effeito desejado, elllas mandavam dizer que só appareceriam na occasião de irem para a Egreja. Houve um homem que as quiz conhecer e tractou o casamento com uma d'ellas. A velha disse que sim e, chegando ao dia da boda, fez-se muito bonita e foi para a Egreja. Quando veio de lá ainda era cedo e foi para o quarto com o marido. Começou a despir-se e elle então principiando affirmar-se percebeu que a velha tudo quanto trazia era postiço. Não tinha no corpo nada que lhe pertencesse, e depois de algum tempo o marido farto de vêr a velha desfazer-se e ficar feia como a noite, deu-lhe um empurrão, que ella foi cair da janella abaixo. Como, porém, debaixo da janella houvesse um telhado, a velha ficou presa pela camisa a uma telha e alli esteve toda a noite. De manhã passáram duas fadas e olhando para a pobre velha disseram: «Coitada! estás ahi talvez por seres feia. Pois eu te fado para que sejas a cara mais linda que haja». A velha tornou-se lindissima, e de rara formosura. Quando o marido pela manhã se levantou, disse para comsigo: «Deixa-me vêr se o diabo da velha ainda está na rua». Olhou para o telhado e qual não foi o seu espanto, quando em vez da velha feia, como a noite, que na vespera deitára pela janella, viu uma rapariga linda? Ficou doido de contente e tractou de a tirar para dentro, desfazendo-se em desculpas, e dizendo que estava por força cego, quando a tinha deitado pela janella. A velha escutava tudo com paciencia, porque bem sabia o que lhe tinha acontecido. A outra irmã, quando a viu tão bonita, começou a perguntar-lhe o que tinha ella feito para tal. Mas como estava alli o marido a velha fadada não podia fallar alto, e por isso dizia baixinho para a irmã: «Fadáram-me». A outra que era surda e não ouvia quasi nada, tornava a perguntar-lhe: «Que te fizeram para estares assim tão linda?» «Fadáram-me», respondia aquella, sempre em voz baixa. A irmã que entendeu, que a tinhão esfolado, mandou chamar um barbeiro e pediu-lhe que a esfolásse tambem. O barbeiro não queria por coisa nenhuma fazel-o, mas ella tanto teimou, que o homem começou a esfolál-a. Apenas, porem lhe esfolou um braço, a velha morreu. O barbeiro mandou chamar a irmã e disse-lhe o acontecido. Ficou esta com muita pena, mas como nada já podesse fazer, pediu ao barbeiro que guardasse segredo, por que Deus o livrasse, que o seu marido soubesse. Mas o que ella queria era que o marido não desconfiasse que ella tinha sido fadada.

(Coimbra).