LXX


CONTO DO FUSO


D'uma vez era uma mulher que nunca fiava e fazia o homem para ella: ó mulher tu nunca fias? «Não tenho fuso.» «Deixa estar que eu hei de ir á cidade e hei de comprar um fuso.» Ao depois então foi á cidade e trouxe-lhe um fuso; ella fez-se toda contente na presença do homem; mas mal elle voltou costas quebrou-o, mas era para não fiar. Elle chegou á noite e perguntou-lhe se ella fiava e ella disse-lhe que tinha quebrado o fuso. Elle então disse: «Ora todos os fusos que eu te compro tu os quebras; deixa estar que ámanhã hei de ir á tapada; hei de cortar um pinheiro e hei de mandar fazer um fuso d'encommenda a vêr se tu o quebras.» No dia seguinte poz os bois ao carro e foi para a tapada para cortar o pinheiro e mandar fazer o fuso; amarrou a corda ao pinheiro para o botar abaixo, mas o pinheiro caiu sobre os bois e matou-os ambos. Deixou elle os bois mortos e o pinheiro cortado e veiu dar parte á mulher da desgraça que tinha acontecido e levava o machado ás costas com que cortara o pinheiro. Chegou ao pé d'um rio muito fundo onde andavam uns peixes muito bonitinhos e atirou-lhe com o machado a ver se os matava; fugiram os peixinhos e elle o que fez? despiu-se e metteu-se dentro do rio p'ra môr d'ir buscar o machado; foi um ladrão e roubou-lhe a roupa tendo elle d'ir em pelote para casa. Chegou a casa e contou a passagem á mulher e quando chegou a casa estavam dous carneirinhos a berrar e elle soltou-os do aido e veiu-os pôr debaixo d'um alpendre onde tinha uma pipa de vinho e logo por acerto os amarrou com a soga á torneira do vinho e começaram os carneiros a espernear cada um para seu lado e abriu-se a torneira e entornou-se o vinho. Elle d'isto não quiz dizer nada á mulher; o que achou mas prompto foi um sacco de farinha de cinco alqueires que deitou em cima do vinho para a mulher não o vêr entornado. E a mulher que viu isto ficou lastimando as suas desgraças que lhe succediam em casa.

(Oliveira do Douro).